31/12/23

ESTUDO DE ALGUMAS BANDEIRAS BRASILEIRAS: AS FORÇAS ARMADAS

Apesar de pouco conhecida, a bandeira do Cruzeiro é um dos símbolos mais singelos e belos do Brasil.

Na Grã-Bretanha, o costume antigo de acantonar a bandeira de São Jorge, depois a bandeira da União, para gerar outras, com o acrescentamento de certo emblema ou sem isso, tornou-se um recurso tão produtivo que foi amplamente adotado nos países que fizeram parte do Império Britânico. Na Rússia, é a cruz de Santo André na cor azul sobre fundo branco que lhe serve de pavilhão naval, daí que tenha moldado tantos outros vexilos militares. Em Portugal, uma cruz verde sobre branco é o padrão de que derivam os pavilhões de comando da Marinha.

Jaque nacional ou bandeira do Cruzeiro.
Jaque nacional ou bandeira do Cruzeiro.

Nós também temos a nossa cruz: o Cruzeiro. Na verdade, duas cruzes referidas pelo mesmo nome. Uma é efetivamente a constelação, a qual o governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca pôs no lugar da cruz da Ordem de Cristo, fazendo dela o nosso sinal heráldico. A outra é a cruz formada por estrelas cujo número esse governo fixou em vinte e uma (Decreto n.º 216-E/1890) e cuja história começa pela fundação da Ordem do Cruzeiro, ainda em 1822 (Decreto de 1.º de dezembro), e passa pela criação do jaque nacional (Decreto n.º 544/1847), que hoje se acha regulado pelo Cerimonial da Marinha do Brasil.

Proposta de bandeira para a Marinha do Brasil.
Proposta de bandeira para a Marinha do Brasil.

A meu ver, um símbolo tão antigo e eloquente quanto a bandeira do Cruzeiro deveria assinalar não só a hierarquia da Marinha, como já acontece, mas também a própria força e mais o Exército e a Aeronáutica, além da conjunção das três. Afinal, o uso corrente demonstra que é, ademais, um símbolo belo e versátil. A chave está nas cores e nos emblemas que poderiam ser acrescentados ao cantão.

Bandeira do Exército Brasileiro.
Proposta de bandeira do Exército Brasileiro.

Com efeito, para se criar três emblemas que distingam cada força por figuras consagradas e denotem uma brasilidade, é a constelação do Cruzeiro que nos fornece a chave. Assim, o distintivo da Marinha poderia consistir em duas âncoras decussadas, o do Exército em duas espadas arranjadas da mesma forma e o da Força Aérea na espada alada, cada um entre as estrelas do Cruzeiro. Penso que essas composições dizem inequivocamente: "Marinha do Brasil", "Exército Brasileiro" e "Força Aérea Brasileira". Colocados no cantão da bandeira do Cruzeiro, dizem mais: são as forças de defesa da União. (1)

Proposta de bandeira para a Força Aérea do Brasil.
Proposta de bandeira para a Força Aérea do Brasil.

Quanto às cores, é neste ponto que cabe reconhecer a engenhosidade do sistema britânico, em que os pavilhões branco, azul e vermelho (White, Blue e Red Ensign) têm desempenhado diferentes funções. Similarmente, poder-se-ia conservar o azul-marinho da bandeira do Cruzeiro na Marinha e para ela, mas trocar essa cor pelo verde para o Exército e pelo azul-celeste para a Força Aérea.

Convém destacar que somente o Exército possui "estandarte", ordenado pelo Decreto n.º 94.336, de 15 de maio de 1987, e completamente inexpressivo: um pano branco com o brasão da força.

Nota:
(1) Na insígnia da Imperial Ordem do Cruzeiro, contam-se dezenove estrelas, o número das províncias brasileiras em 1822. No decreto pelo qual se ordenou o jaque nacional, diz-se dezoito, já que se perdera a Cisplatina e ainda não se tinham criado o Amazonas e o Paraná. No decreto do governo provisório da República são vinte e uma porque ao número dos estados se somou o Município Neutro, que logo se tornaria o Distrito Federal. Seguramente não se voltou a atualizar esse símbolo porque seria preciso reduzir bastante o tamanho das estrelas para acomodar vinte e sete. De todo modo, não é exótico que a multiplicação de certa figura ou forma fique fixada nalgum momento, assinalando a união primitiva, como as listras da bandeira dos Estados Unidos e as estrelas da bandeira da União Europeia.

29/12/23

ESTUDO DE ALGUMAS BANDEIRAS BRASILEIRAS: OS CHEFES DOS PODERES

Recursos heráldicos como a diferença ou brisura podem ser aplicados com sucesso à vexilologia.

Em Portugal, o país de que nos separamos, têm as suas próprias bandeiras o presidente da República, a Assembleia da República, o primeiro-ministro e os ministros do governo. Nos Estados Unidos, o país que inspirou a nossa república, têm-nas o presidente, o vice-presidente, os departamentos e secretários de governo, o Senado e a Câmara dos Representantes, entre tantos outros. Na Argentina, o vizinho com quem mantemos relações mais estreitas, apenas o presidente tem uma bandeira, na verdade a nacional com dizeres dourados sobre as faixas azul-celestes.

Esses exemplos demonstram que, ressalvando a convenção de se ordenar um vexilo próprio para o chefe do estado, o juízo de que convêm outros a outros varia grandemente. No Brasil, além do presidente, têm a chamada bandeira-insígnia o vice-presidente e o ministro da Defesa.

O estandarte do vice-presidente foi adotado pelo Decreto n.º 69.026, de 6 de agosto de 1971, quando ocupava esse cargo o Almirante Augusto Rademaker, daí a semelhança com o jaque nacional. Como este, traz estrelas postas em cruz, mas o número delas difere, assim como as cores: vinte e três azuis em campo amarelo; no cantão, as armas nacionais. Deste parece derivar o estandarte do ministro da Defesa, que foi criado pelo Decreto n.º 6.941, de 18 de agosto de 2009: as mesmas cores, mas vinte e uma estrelas, as armas nacionais, reduzidas ao escudo e à estrela que o suporta, e o batente bífido.

Convém lembrar que o jaque nacional foi ordenado pelo Decreto n.º 544, de 18 de dezembro de 1847, alterado pelo Decreto n.º 216-E, de 22 de fevereiro de 1890, e está regulado pelo Cerimonial da Marinha do Brasil. É azul-marinho e tem vinte e uma estrelas brancas, treze no sentido do comprimento e nove no da largura, contando-se com a do centro.

Além do Executivo, apenas o Senado Federal usa de vexilo próprio: as armas nacionais em campo azul e, por baixo, o nome da casa em letras maiúsculas brancas. Não acho o ato da sua criação, nem mesmo a data.

Proposta de estandarte para o vice-presidente da República.
Proposta de estandarte para o vice-presidente da República.

Passemos à crítica. Dos três modelos que citei no princípio, o português medeia entre a exuberância norte-americana e a modéstia argentina. Assim, considerando que, segundo o artigo 2.º da Constituição Federal, os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si, parece-me razoável que todos os seus chefes tenham bandeiras-insígnias ou estandartes (1). No entanto, o modelo não deveria ser a bandeira do Cruzeiro, e sim o próprio estandarte presidencial. Aquela deveria servir de modelo aos estandartes das Forças Armadas e dos seus comandantes.

Proposta de estandarte para o presidente do Senado Federal.
Proposta de estandarte para o presidente do Senado Federal.

Pensando heraldicamente, o vice-presidente da República, como substituto do presidente e, no caso de vacância, sucessor seu (CF, art. 79), deveria, pois, trazer uma bandeira verde com as armas nacionais, mas com a sua diferença ou brisura. Uma peça que funciona bem como tal, tanto em brasões como em bandeiras, é a bordadura. Portanto, para fazer o estandarte do vice-presidente bastaria acrescentar ao campo verde uma bordadura amarela, a outra das cores nacionais.

Proposta de estandarte para o presidente da Câmara dos Deputados.
Proposta de estandarte para o presidente da Câmara dos Deputados.

O mesmo raciocínio poderia guiar a criação de estandartes para os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, alternando-se as outras cores presentes na bandeira nacional: o azul e o branco. Como o artigo 44 da Constituição diz que o Poder Legislativo é exercido por ambas as casas, componentes do Congresso Nacional, conviria que ambos os estandartes trouxessem as armas nacionais e tivessem uma bordadura: azul com a bordadura branca o do presidente do Senado; branco com a bordadura azul o do presidente da Câmara.

Proposta de estandarte para o presidente do Supremo Tribunal Federal.
Proposta de estandarte para o presidente do Supremo Tribunal Federal.

Ao Poder Judiciário não é, todavia, possível aplicar o recurso à bordadura, pois o artigo 92 da Constituição estabelece que os seus órgãos são todos os tribunais e juízes. Apesar disto, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) segue ao presidente do Senado na sucessão à Presidência da República e ao presidente da Câmara dos Deputados na ordem geral de precedência. Estes fatos condizem com o porte de um estandarte, o qual, como os já propostos, traria as armas nacionais, mas o campo da cor branca, tida comumente por neutra, assim como deve ser a justiça.

Propostas de estandartes para os presidentes dos tribunais superiores.
Propostas de estandartes para os presidentes dos tribunais superiores.

Não creio que convenham estandartes aos presidentes dos demais tribunais superiores, mas para demonstrar que a partir de uma ideia singela a heráldica pode fornecer soluções elegantes à vexilologia, ao campo branco eu acrescentaria uma cruz para distinguir o Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma aspa para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), uma faixa para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e uma banda para o Superior Tribunal Militar (STM), todas essas peças em verde e amarelo, medindo um quinto da largura da bandeira e, sobre cada uma, as armas nacionais.

Nota:
(1) Uso os termos estandarte e bandeira-insígnia de modo intercambiável, pois este segundo é uma particularidade brasileira, ao passo que aquele é geralmente entendido como o sinal vexilar de certo cargo ou de certa pessoa jurídica de direito privado. Em contrapartida, as Forças Armadas do Brasil parecem entender por estandarte uma bandeira de desfile.

27/12/23

ESTUDO DE ALGUMAS BANDEIRAS BRASILEIRAS: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Ainda que imperceptíveis, as repúblicas conservam alguns resquícios das monarquias.

Já se tornou exaustiva a minha afirmação de que não há nações antes da Revolução Francesa. Mas a própria distinção da monarquia e da república, tal como a fazemos, retrocede no máximo à Revolução Americana. Regimes como as repúblicas de Veneza e Gênova eram encabeçados pelo sereníssimo doge, uma figura semimonárquica. Mesmo nas Províncias Unidas dos Países Baixos, os Estados Gerais exerciam a soberania na vacância do monarca abjurado.

Estandarte presidencial do Brasil.
Estandarte presidencial do Brasil.

Precisamente porque as repúblicas contemporâneas foram concebidas sob o predomínio das monarquias, ficaram resquícios desse regime, ainda que já imperceptíveis. Por exemplo, no Brasil o presidente da República é o grão-mestre das ordens honoríficas nacionais, traz uma faixa inspirada nas bandas dessas ordens e a cada ano apresenta ao Congresso Nacional uma mensagem que abre a sessão legislativa, tudo como os antigos monarcas. Outro desses resquícios é o estandarte presidencial.

Estandarte real de Portugal.
Estandarte real de Portugal.

O estandarte presidencial dá continuidade à prática do estandarte real. Na monarquia portuguesa, desenvolveu-se sob a Casa de Bragança, já que sob a de Avis a insígnia pessoal do rei era a sua empresa, como a esfera armilar de Dom Manuel I, e durante a primeira dinastia não se distinguiam, no plano semiótico, o rei e o reino. Assim, a bandeira branca com as armas reais representava a Coroa e a vermelha com essas mesmas armas, o rei.

Estandarte imperial do Brasil (segundo Joaquim Norberto de Sousa Silva, 1890).
Estandarte imperial do Brasil (segundo Joaquim Norberto de Sousa Silva, 1890).

Curiosamente, nenhum dos nossos imperadores editou ato ordenando um estandarte ou pavilhão pessoal, mas no Tomo LIII, Parte I, da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, portanto no ocaso do regime (1), Joaquim Norberto de Sousa Silva dá o testemunho seguinte:

A bandeira imperial, que tremula nos paços em que reside o imperador ou nas embarcações em que navega, difere da bandeira nacional. É toda verde com uma coroa imperial de ouro no centro. Ignoro a data de sua criação.

Faz muito sentido que fosse toda verde, porque esta era a cor da monarquia brasileira, como se depreende das insígnias imperiais (leia-se a postagem de 03/12/2022), e também que o emblema não fosse o brasão, mas a coroa, porque verdes eram o escudo e os seus suportes, o que teria causado uma ineficiente sobreposição.

Pavilhões do Brasil em Flags of maritime nations (1882).
Pavilhões do Brasil em Flags of maritime nations (1882).

Precisamente por estas razões é que desconfio do que se vê em Flags of maritime nations (1882): o campo do pavilhão é verde, mas a figura que o carrega são as armas nacionais em ouro, juntamente com três folhas unidas em cada canto, a modo de ornato. Todavia, como se reproduzia isso na prática? Bordando o brasão com fios de diferentes tons dourados?

Seja como for, é o estandarte presidencial que confirma a existência de um precedente da cor verde com certo emblema. Com efeito, o Decreto n.º 6.310, de 3 de janeiro de 1907, que primeiro o adotou, sequer o descreve, revelando que estava "já em uso na Armada, para a Presidência da República". Ora, é muito provável que simplesmente se tenha trocado a coroa pelas armas da República no começo do novo regime. No entanto, como servia então à navegação (daí a denominação pavilhão presidencial), essas armas ficavam a um terço do comprimento, o que o Decreto n.º 23.599, de 2 de setembro de 1947, alterou, movendo-as para o centro do campo. O seu uso é regulado pelo cerimonial público, aprovado pelo Decreto n.º 70.274, de 9 de março de 1972.

Encerrando as postagens neste ano, que dediquei ao estudo da relação entre os brasões e as bandeiras, farei outra crítica propositiva a respeito do que o estado brasileiro chama de bandeira-insígnia, isto é, os vexilos dos cargos mais altos da República e das Forças Armadas:

Com a exceção do próprio estandarte presidencial, que segue um modelo antigo e difuso, todos os demais merecem algum reparo teórico ou estético.

Nota:
(1) O artigo foi escrito em 1889, antes da instauração da República, mas a publicação saiu em 1890.

25/12/23

AFINAL, QUANTAS BANDEIRAS TEVE O BRASIL? (III)

A soberania é o conceito mais ajustado para uma lista de bandeiras históricas de certo país.

Acabando esta série de postagens, resta desenvolver uma propositura que responda à pergunta do título. Para tanto, é preciso entender primeiro o que significa a locução bandeiras históricas do Brasil.

Bandeira nacional do Brasil.
Bandeira nacional do Brasil.

O Brasil é um estado-nação que se separou de Portugal em 1822 e se constituiu em 1824. Neste sentido, teve duas bandeiras: uma adotada pelo Decreto de 18 de setembro de 1822 e a outra, pelo Decreto n.º 4, de 19 de novembro de 1889. A primeira vigeu sob o regime monárquico e a segunda ainda está em vigor.

Bandeira do Império do Brasil.
Bandeira do Império do Brasil.

Portanto, não é razoável contar entre as bandeiras históricas do Brasil o derradeiro item da lista elaborada pelo Exército Brasileiro: "Bandeira Provisória da República (15 a 19 Nov 1889)". Ora, essa bandeira não recebeu nenhum reconhecimento do governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, nem de jure nem de facto, mas se enquadra na espontaneidade que marcou a adaptação dos símbolos nacionais à medida que a notícia da queda da monarquia se difundia: alguns trocavam a coroa pelo barrete frígio; outros, por uma estrela (cf. a postagem de 24/09/2022). A imitação da bandeira norte-americana — listras verdes e amarelas e um cantão azul com estrelas brancas — foi hasteada, como o próprio Exército diz, na redação do jornal A Cidade do Rio e no navio Alagoas, que levou a Família Imperial para o exílio.

Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Outro problema é projetar esse conceito de Brasil no tempo antes de 1822. De imediato, a elevação a reino em 1816 facilita as coisas, porque a Lei de 13 de maio desse ano não deixa dúvida de que é justo reputar a bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves uma bandeira histórica do nosso país. É para trás que fica verdadeiramente complicado.

Bandeira real de Portugal.
Bandeira real de Portugal.

A meu ver, sob o Antigo Regime o conceito que mais se aproxima ao estado contemporâneo é a Coroa, cujo signo vexilar na monarquia portuguesa era a bandeira real. Com efeito, era aquela que se arvorava nos vasos de guerra e se içava sobre as fortalezas para assinalar o domínio real. Compondo-se a América portuguesa na maior parte da sua história de dois ou três estados sob esse domínio, é razoável concluir que a bandeira real de Portugal é a melhor correspondente à ideia de uma bandeira histórica do Brasil no período de 1500 a 1816.

Bandeira da Ordem de Cristo.
Bandeira da Ordem de Cristo.

Todavia, mesmo tendo argumentado em sentido contrário na postagem de 21/12, reconheço que a bandeira da Ordem de Cristo merece uma apreciação especial. Como contrapartida pelo patrocínio da empresa ultramarina, essa ordem recebia a jurisdição espiritual sobre as terras conquistadas. Graças a esse privilégio, outorgado pelos pontífices romanos aos reis portugueses, cabia à ordem — cujo mestre era o próprio rei — a eleição dos bispos e a cobrança dos dízimos no ultramar. Em última análise, isso quer dizer que ela também detinha uma parcela do senhorio, ao menos até a sua secularização, em 1789.

Bandeiras históricas do Brasil: proposta de ordem protocolar.
Bandeiras históricas do Brasil: proposta de ordem protocolar.

Portanto, toda a crítica arrazoada aqui e nas postagens referida e antecedente leva-me a discernir quatro bandeiras históricas do Brasil:

  1. Bandeira da Ordem de Cristo (1500-1789);
  2. bandeira real de Portugal (1500-1816);
  3. bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1816-1822);
  4. bandeira do Império do Brasil (1822-1889).

Em ordem de precedência, penso que a bandeira nacional deva ficar no meio e sobressair; à sua direita, a do Império, por representar a forma precedente do nosso estado soberano; à esquerda da bandeira nacional, a do Reino Unido, por representar a unificação dos domínios portugueses na América sob a mesma denominação e estatuto igual ao da antiga metrópole; na ponta direita, a bandeira real de Portugal, por representar a potência soberana dos domínios coloniais que formaram a nossa nação; na ponta esquerda, a da Ordem de Cristo, pelas razões aduzidas. Da esquerda para a direita do observador, ver-se-iam como seguem:

  1. Bandeira real de Portugal;
  2. bandeira do Império do Brasil;
  3. bandeira nacional do Brasil;
  4. bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves;
  5. bandeira da Ordem de Cristo.

Ainda assim, pergunta-se: tendo cada uma dessas bandeiras variado ao longo da sua vigência, qual variante adotar? Respondo: a mais recente. Portanto, desenhem-se as armas reais portuguesas e as imperiais brasileiras em escudo "francês moderno", o tipo que predominava no século XIX, aquelas com sete castelos, estas com vinte estrelas e ambas sob coroas de oito diademas da respectiva dignidade, real e imperial.

As bandeiras que o Exército Brasileiro reputa "históricas do Brasil" (imagem disponível no site do Batalhão da Guarda Presidencial).
As bandeiras que o Exército reputa "históricas do Brasil" (imagem disponível no site do Batalhão da Guarda Presidencial).

É verdade que o Exército Brasileiro se baseia em grande medida em Brasões e bandeiras do Brasil (1933), de Clóvis Ribeiro, mas, além da reserva que a data da publicação inspira, dessa obra se depreende claramente que o autor não pretendeu listar as bandeiras "do Brasil" como se elas se sucedessem discretamente, e sim estudar as várias bandeiras que foram usadas no Brasil ao longo da sua história. Parece, em suma, que o Exército simplesmente copiou a sequência dos desenhos de José Wasth Rodrigues sem sequer ter lido o livro.

23/12/23

AFINAL, QUANTAS BANDEIRAS TEVE O BRASIL? (II)

É preciso discernir que as bandeiras tiveram usos diferentes noutros momentos.

Continuando a crítica das bandeiras históricas do Brasil, tal como as conta, lista e reproduz o Exército Brasileiro, cabe agora abordar o sexto item: "Bandeira do Principado do Brasil (1645-1816)".

Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o Brasil nunca foi um principado. Os domínios que compunham a América portuguesa chamavam-se estados: o estado do Brasil (1549) e o estado do Maranhão (1621). Este teve uma evolução administrativa complexa, cindindo-se definitivamente em dois a partir de 1772. O Brasil deu nome, isso sim, ao título do herdeiro presuntivo da Coroa portuguesa desde 1645 até 1817: príncipe do Brasil. Mas esse título era meramente honorífico, isto é, não comportava nenhum poder jurisdicional sobre o território que o nomeava.

"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão mercante do Brasil desde 1668, em La connaissance des pavillons... (1737).
"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão mercante do Brasil desde 1668, em La connaissance des pavillons... (1737).

Depois, a bandeira branca com a esfera armilar nada tinha a ver com o principado do Brasil (entendido como dignidade, não como lugar). Este era, na verdade, o pavilhão mercante do Brasil, ou seja, traziam-no as embarcações comerciais que navegavam para cá ou partiam daqui. Mas é problemático contá-lo entre as bandeiras históricas do Brasil.

"Pavilhão mercante português" em La connaissance des pavillons... (1737).
"Pavilhão mercante português" em La connaissance des pavillons... (1737).

Com efeito, tendo uma frota que singrava os mares dos Açores às Molucas, parece compreensível que os portugueses dessem pavilhões diferentes aos vasos de guerra e aos de comércio e os diferençassem, ainda, pelas rotas que percorriam. Assim, a Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755-78) trazia uma âncora e, sobre esta, a Estrela do Norte com a imagem de Nossa Senhora da Conceição e a Companhia de Pernambuco e Paraíba (1759-79), a mesma estrela com a imagem de Santo Antônio, ambos os pavilhões de campo branco.

"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão mercante da Índia desde 1668, em La connaissance des pavillons... (1737).
"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão mercante da Índia desde 1668, em La connaissance des pavillons... (1737).

Apesar disso, a esfera armilar com diferenças mínimas foi arvorada também na carreira da Índia durante a regência e o reinado de Dom Pedro II (1668-1706). Figurava igualmente no pavilhão mercante das missões americanas, juntamente com as armas reais no lado da tralha e a imagem de um frade empunhando uma cruz (São Francisco Xavier?) no lado do batente.

"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão das missões na América, em La connaissance des pavillons... (1737).
"Pavilhão branco de Portugal", mais precisamente o pavilhão mercante das missões americanas, em La connaissance des pavillons... (1737).

A esfera armilar acabou tornando-se o símbolo do Brasil porque, mesmo após o declínio do comércio marítimo sob Dona Maria I (1777-1815), o pavilhão com essa figura seguiu em uso e as casas da moeda brasileiras emitiam regularmente espécies que a mostravam, num momento em que diminuía a importância dos domínios asiáticos e aumentava a dos americanos dentro do império português (leia-se a postagem de 06/09/2022).

21/12/23

AFINAL, QUANTAS BANDEIRAS TEVE O BRASIL? (I)

A vexilologia tem o defeito de se repetir sem fazer crítica textual.

Na postagem de 01/12, razoei que a relação dos portugueses com o mar fez Portugal passar por toda a evolução da bandeira no Ocidente. Talvez por isso o Exército Brasileiro enumere nada menos que doze bandeiras históricas para o Brasil, dez delas sob o domínio português. Julgo, porém, que a série sobre brasões e bandeiras, que acabei há pouco, demonstra suficientemente que esses sinais têm representado conceitos diferentes ao longo da história. Começo, pois, pela crítica das bandeiras e dos estandartes reais.

Bandeira da Ordem de Cristo.
Bandeira da Ordem de Cristo.

O primeiro item da lista, que pode ser qualificada de oficial, é a bandeira da Ordem de Cristo. Dá-se-lhe o período de 1332 a 1651, o que é, de entrada, incompreensível, pois não se dizem quais fatos aconteceram nesses anos. Como expus nas postagens de 07, 08 e 09/09/2022, essa ordem foi instituída em 1319 e o uso da sua bandeira não cessou em 1651, já que serviu de pavilhão mercante ao Reino sob Dom João IV e Dom Afonso VI, isto é, entre 1640 e 1668. Antes disso, era simplesmente a insígnia da ordem.

A armada de Pedro Álvares Cabral em 1500 segundo o Livro de Lisuarte de Abreu (1563, conservado em The Morgan Library & Museum; imagem disponível em The Nautical Archaeology Digital Library).
A armada de Pedro Álvares Cabral em 1500 segundo o Livro de Lisuarte de Abreu, 1563 (conservado em The Morgan Library & Museum; imagem disponível em The Nautical Archaeology Digital Library). Observe-se a bandeira da Ordem de Cristo no alto da nau capitânia.

De fato, Pedro Álvares Cabral trazia a bandeira da Ordem de Cristo no alto da sua nau quando reclamou a Terra da Vera Cruz para o rei de Portugal em 1500, tal como outros capitães e almirantes de armadas o faziam e fariam durante a expansão além-mar, porque era essa ordem que patrocinava a empresa ultramarina. Portanto, só tem sentido tomá-la por bandeira histórica do Brasil se por tal se entender que foi usada durante a conquista portuguesa do nosso país.

A confusão deve-se à convergência dos mestrados das ordens de cavalaria com a Coroa desde o reinado de Dom Manuel I, o que nos leva ao segundo item: a "Bandeira Real de 1500 a 1521". Outra vez, a datação não faz sentido: esse rei efetivamente morreu no último ano, mas ascendeu ao trono em 1495, a não ser que o ano de 1500 refira ao Descobrimento. Mais que isso: a forma — o escudo real sobre a cruz da Ordem de Cristo — foi, na verdade, arvorado pelos galeões da Índia desde a Restauração (1640) até a progressiva simplificação das signas navais sob Dona Maria I (1777-1815).

A esta altura já se descobre por que se multiplicaram as bandeiras durante o período colonial: está bem atestado que desde Dom Manuel I a bandeira real foi um pano branco com as armas reais, mas estas sofreram algumas mudanças ao longo do tempo. Assim, o número dos castelos ficou fixado em sete desde 1555, a coroa evoluiu da aberta à fechada de quatro diademas sob Dom Sebastião (1557-78) e esta à de oito no século XVII, além da variação dos suportes: as cruzes ou os colares das ordens de cavalaria, anjos, ramos de louro, carvalho ou palma, serpes etc. Enfim, quanto ao escudo, era a moda que ditava a sua forma.

"Pavilhão real de Portugal" em La connaissance des pavillons... (1737).
"Pavilhão real de Portugal" em La connaissance des pavillons... (1737).

Portanto, assim como não se aponta que o Brasil independente teve múltiplas bandeiras a cada alteração da coroa nas armas do Império e do número de estrelas nestas e na esfera celeste sob a República, é correto deduzir que durante o período colonial a bandeira real é a mesma desde Dom Manuel I até Dona Maria I. Com efeito, outro erro do Exército Brasileiro é confundir essa bandeira e a do próprio rei.

Como abordei várias vezes neste blog, especialmente na postagem de 09/01/2021, já Bártolo de Sassoferrato no De insigniis et armis (1358) conceituou que algumas armas são de dignidade, isto é, são trazidas por alguém em função do exercício de certa dignidade, como a régia. Daí que todos os reis da Casa de Avis tenham assumido uma empresa a modo de insígnia pessoal, a mais famosa a esfera armilar de Dom Manuel I.

Primeira página do foral do Porto, outorgado por Dom Manuel I em 1517, conservado no Arquivo Municipal. Veem-se as armas reais acima e as municipais abaixo, aquelas ladeadas pela bandeira da Ordem de Cristo e pelo estandarte pessoal do rei, que carrega a sua empresa, ou seja, a esfera armilar de ouro.
Primeira página do foral do Porto, outorgado por Dom Manuel I em 1517, conservado no Arquivo Municipal. Veem-se as armas reais acima e as municipais abaixo, aquelas ladeadas pela bandeira da Ordem de Cristo e pelo estandarte pessoal do rei, que carrega a sua empresa, ou seja, a esfera armilar de ouro.

Nas bandeiras, esse movimento, pelo qual as armas deixaram de pertencer ao rei para representar o reino, ocorreu de duas maneiras. Enquanto vigeu a moda das empresas, cada monarca transladava a sua a um vexilo. Por exemplo, a bandeira de Dom Manuel I era bicolor, branca e vermelha, partida em uma ou ambas diagonais, com a esfera armilar sobreposta. Passada essa moda, na monarquia portuguesa surgiu o estandarte real, que também tinha as armas reais, mas cor distinta.

Portanto, o segundo item da lista e mais o terceiro, quarto e oitavo, a saber, "Bandeira de D. João III (1521-1616)", "Bandeira do Domínio Espanhol (1616-1640)" e "Bandeira Real Século XVII (1600-1700)", reduzem-se a variantes da mesma bandeira real. O quinto e sétimo itens, a saber, a "Bandeira de D. João IV (1640-1683)" e a "Bandeira de D. Pedro II, de Portugal (1683-1706)", não devem ter sido sequer desfraldadas no Brasil, porque, como estandartes reais, assinalavam a presença do rei.

Contudo, esta parte do assunto ainda não está resolvida, pois no aspeado e nas figuras se acha toda espécie de problemas que uma observação séria não pode ignorar, a começar pela cronologia. Ora, Dom João III reinou de 1521 a 1557 e Dom João IV, de 1640 a 1656; a União Ibérica (nunca houve domínio espanhol) durou de 1580 a 1640 e o século XVII correu de 1601 a 1700! Quanto às figuras, todas mostram escudos de ponta arredondada com sete castelos, o que não corresponde à realidade histórica, pelas razões que aduzi mais acima.

Bandeiras atribuídas a Dom João IV e Dom Pedro II em Brasões e bandeiras do Brasil (1933), de Clóvis Ribeiro.
Bandeiras atribuídas a Dom João IV e Dom Pedro II em Brasões e bandeiras do Brasil (1933), de Clóvis Ribeiro.

Ademais, é dubitável a existência das bandeiras atribuídas a Dom João IV e Dom Pedro II. Elas estão, de fato, mencionadas na literatura vexilológica, mas esta tem o grave defeito de se repetir sem nenhuma crítica das fontes. Ora, a referência mais antiga que acho sobre a primeira está num artigo de jornal, publicado no Diário de Notícias aos 13 de outubro de 1907, cujo autor (Teófilo Braga?) sentencia laconicamente: "A bandeira de D. João IV era orlada de azul, com as armas reais e coroa". Sobre a segunda, repete a informação que Manuel Pinheiro Chagas dá no Dicionário popular (1878): "Um manuscrito feito em 1669 e existente na biblioteca do palácio d'Ajuda, manuscrito onde vêm as insígnias dos pendões militares, apresenta o português com a cor verde e no centro as armas de Portugal". José Feliciano leu aquele artigo e o citou em A bandeira nacional (1908) e Clóvis Ribeiro leu Feliciano e o citou em Brasões e bandeiras do Brasil (1933). A vinculação direta ao rei aparece na legenda abaixo do desenho de José Wasth Rodrigues: "12 – D. Pedro II (1669)". E isto é tudo que se sabe!

Pavilhões de Portugal no Flags of maritime nations (1899).
Pavilhões de Portugal no Flags of maritime nations (1899).

Seja como for, o erro mais bizarro que o Exército Brasileiro comete nessa lista está no décimo item: "Bandeira do Regime Constitucional (1821-1822)". Primeiro, é questionável qualificar esse período de constitucional, porque a constituição só foi passada aos 23 de setembro de 1822, dezesseis dias após a separação do Brasil, mas o escândalo está em atribuir a tal período a bandeira que a regência de Dona Maria II adotou em 1830, oito anos depois da Independência! Mais que isso: diz-se que tal bandeira foi criada aos 21 de agosto de 1821. O que as Cortes decretaram, não no dia 21, mas no 22 desse mês e ano e o rei converteu em lei ao dia seguinte, foi a criação do laço nacional branco e azul!

19/12/23

BANDEIRAS PACIFICADORAS: MONTENEGRO

O nacionalismo é uma ideologia mutante: progride e regride no relato histórico segundo a conveniência do momento.

Segundo o censo de 2011, apenas 45% da população de Montenegro se declara montenegrina, mas se se somarem os que se dizem sérvios, bósnios, muçulmanos, croatas e iugoslavos, essa porcentagem sobe para 86,7%. Isso acontece porque de todos os povos da antiga Iugoslávia o montenegrino é aquele que menos se diferença do sérvio, o sócio majoritário desse estado tanto sob monarquia como sob o socialismo.

Bandeira de Montenegro.
Bandeira de Montenegro.

Com efeito, os eslovenos e macedônios distinguem-se pelas suas línguas e os bósnios, croatas e sérvios, embora falem — de uma perspectiva estritamente linguística — o mesmo idioma, contrapõem-se pelas suas religiões, que os levaram a elaborar três padrões para esse idioma: o croata, que se escreve no alfabeto latino; o bósnio, que se escrevia no arábico, hoje também no latino; o sérvio, no cirílico. A parcela da população de Montenegro que chama montenegrina à sua língua é ainda menor: 37%.

Assim, o elemento mais distintivo de Montenegro é o seu próprio território, pois enquanto a Sérvia estava sob domínio otomano (como estado vassalo desde 1830), desde 1516 até 1696 os montenegrinos viveram livres sob o principado do seu bispo, quem seguiu governando o país até 1852. Nesse ano Daniel II renunciou à dignidade eclesiástica e em 1858 derrotou os turcos.

Bandeira do príncipe Daniel (conservada no Museu Nacional de Montenegro; imagem disponível em Grbovi, zastave i himne u Crnoj Gori, de Jovan B. Markuš, 2007).
Bandeira estatal durante o principado de Daniel (conservada no Museu Nacional de Montenegro; imagem disponível em Grbovi, zastave i himne u Crnoj Gori, de Jovan B. Markuš, 2007).

Foi também o príncipe Daniel quem assumiu pela primeira vez em 1858 uma bandeira de caráter estatal. Era vermelha e tinha as duas figuras presentes nos selos episcopais havia muito tempo — a águia dicéfala e o leopardo aleonado —, aquela desde fins do século XV e este desde meados do XVIII, e um escudo com o monograma principesco sobre o peito da águia.

Bandeira de Montenegro, 1905-1918 (conservada no Museu Nacional de Montenegro; imagem disponível em Grbovi, zastave i himne u Crnoj Gori, de Jovan B. Markuš, 2007).
Bandeira de Montenegro, 1905-1918 (conservada no Museu Nacional de Montenegro; imagem disponível em Grbovi, zastave i himne u Crnoj Gori, de Jovan B. Markuš, 2007).

Ao mesmo tempo e até 1878, consta o uso da tricolor eslava a modo de bandeira nacional, depois cada vez mais o da tricolor sérvia. Como o próprio estado sérvio era pequeno e estava em construção, parece que se entendiam as cidadanias de um principado e do outro como coisas diferentes da nação sérvia, a qual reconheciam maior que esses estados. Daí que a primeira constituição, em 1905, tenha estabelecido que o vermelho, o azul e o branco ("crvena, plavetna i bijela") são as cores nacionais ("narodne boje"; art. 39).

Bandeiras da Iugoslávia no Flags of maritime nations (1943-45).
Bandeiras da Iugoslávia no Flags of maritime nations (1943-45).

Em 1910, o príncipe Nicolau, que sucedera a Daniel em 1860, tomou o título de rei, mas em 1916 fugiu do país, ocupado então pela Áustria-Hungria. Ao fim da Grande Guerra, uma assembleia nacional em Podgorica o depôs e uniu Montenegro à Sérvia. Alguns dias depois, constituiu-se o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, renomeado Iugoslávia em 1929. Embora a tricolor vermelha, azul e branca ainda fosse a bandeira do povo sérvio, o estado monárquico iugoslavo promovia apenas a sua própria tricolor: azul, branca e vermelha.

Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas.
Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista da Iugoslávia, que encabeçara a resistência contra a ocupação do Eixo, instaurou uma república federativa socialista, mas ao contrário dos bolcheviques em 1917, que julgavam o nacionalismo uma ideologia burguesa, em 1945 o socialismo já não impunha a destituição dos símbolos nacionais, ao menos a bandeira. Preservou-se, pois, a tricolor azul, branca e vermelha e para exprimir o ideal comunista sobrepôs-se uma estrela vermelha com um perfil amarelo. Como nesse período Montenegro era uma das repúblicas federadas, a Constituição de 1946 restaurou a tricolor vermelha, azul e branca com a mesma estrela sobreposta.

Sem a estrela, a dualidade do azul-branco-vermelho iugoslavo e do vermelho-azul-branco sérvio/montenegrino sobreviveu à queda do regime em 1990 e à guerra que se seguiu em meio à desintegração da Iugoslávia, já que Slobodan Milošević, então presidente da Sérvia, sustentou o projeto federativo com Montenegro até a sua renúncia e subsequente prisão por crimes contra a humanidade em 2001. Em 2003, a República Federal da Iugoslávia deu lugar, então, à União Estatal da Sérvia e Montenegro, ainda sob a tricolor azul, branca e vermelha, mas essa derradeira tentativa durou apenas três anos: Montenegro separou-se e adotou uma constituição nova, cujo artigo quarto confirmou a bandeira já em uso desde 2004, estabelecida por lei naquele ano.

Cartão alusivo ao mandato de Milo Đukanović, ex-primeiro-ministro e ex-presidente de Montenegro, detrás de quem se veem a bandeira iugoslava e a montenegrina no período de 1993 a 2004.
Cartão alusivo ao mandato de Milo Đukanović, ex-primeiro-ministro e ex-presidente de Montenegro, detrás de quem se veem a bandeira iugoslava e a montenegrina no período de 1993 a 2004.

Na verdade, desde 1993 os montenegrinos procuraram diferençar a sua bandeira da sérvia, as quais durante o período socialista tinham sido iguais. Assim, na lei desse ano sobre o brasão e a bandeira o Parlamento de Montenegro não só retirou a estrela comunista, mas também mudou a tonalidade do azul para azul-celeste e a proporção para 1:3. Como isso parecesse insuficiente ante a perspectiva de se restaurar a independência, a bandeira estatal do principado inspirou a hodierna, ainda que nem mesmo a águia tenha escapado ao distanciamento da identidade sérvia: até então de prata ou branca, fez-se de ouro ou amarela.