Os símbolos têm tanto poder que podem escalar conflitos entre países.
O território da Macedônia do Norte é habitado por eslavos desde o século VII. Em 1879, quando se constituiu o Principado da Bulgária, esses eslavos viam-se e eram vistos como búlgaros, mas como permaneceram sob o domínio otomano até as Guerras dos Bálcãs (1912-13), essa separação fomentou a construção de uma identidade diferente.
Bandeira da Macedônia do Norte. |
Inicialmente, faltava um nome que distinguisse essa porção dos búlgaros, então quando se queria ressaltar que era outro povo, dizia-se que eram "eslavos da Macedônia", aproveitando-se que o historicismo filo-helênico recobrara a denominação antiga da região. Daí a eslavos macedônios e depois a macedônios bastou um jogo de palavras. No entanto, a história é mais interessante que a figura de linguagem.
Com efeito, pelo Tratado de Bucareste (1913) a Macedônia ficou repartida entre a Bulgária, a Grécia e a Sérvia, a esta cabendo o território atual da Macedônia do Norte. O estado sérvio tratou então a população eslava desse território como sérvios do sul. Isso forçava demais a realidade, pois o idioma desses eslavos poderia perfeitamente passar por dialeto búlgaro, como de fato aconteceu na parte da Macedônia que coube à Bulgária, mas não por dialeto sérvio, já que as línguas búlgara e sérvia têm diferenças irredutíveis.
Por incrível que pareça, foram os comunistas que souberam explorar a questão da identidade nacional entre os eslavos na Sérvia mais meridional. Em 1944, quando os partisans iugoslavos lutavam para liberar o país da ocupação alemã, eles proclamaram a Macedônia Democrática, que ao fim da guerra se tornou parte constituinte do estado federal iugoslavo com o nome de República Popular da Macedônia.
Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas. |
Como o nacionalismo macedônio não chegou a consolidar símbolos, os partisans fizeram a sua bandeira pondo uma estrela vermelha com perfil amarelo em campo também vermelho. Em 1946, a constituição da república popular reduziu e moveu a estrela para o cantão. O seu uso perdurou até agosto de 1992, portanto além do regime socialista, pois este ruiu a partir de janeiro de 1990, o parlamento tirou socialista do nome oficial do estado (República Socialista da Macedônia desde 1963) em abril de 1991 e adotou nova constituição em novembro do mesmo ano, dois meses depois do referendo que resultara na independência.
Bandeira da Macedônia no jornal Nova Makedonija, 11/08/1992 (imagem disponível no portal da TV Nova). |
A nova bandeira era simples na forma: o campo continuava vermelho e no centro trazia o chamado Sol de Vergina em amarelo, porém o conteúdo desencadeou um conflito com a Grécia. Vergina (Βεργίνα) é a cidade desse país onde em 1977 o arqueólogo Manólis Andrónikos achou uma lárnax que ele atribuiu ao rei Filipo II da Macedônia, pai de Alexandre o Grande. A figura do sol está gravada na tampa dessa urna.
A urna dourada de Filipo II da Macedônia (conservada no Museu Policêntrico de Aigai/Túmulos Reais; imagem disponível em Arkhaiología kai Tékhnes). |
O problema é que Alexandre o Grande é uma personagem fundamental para a identidade grega, pois foi ele quem expandiu a língua e cultura helênicas por todo o Mediterrâneo oriental e além. Ora, tendo-se interpretado o Sol de Vergina como um sinal de seus ancestrais, para o nacionalismo grego somente ao povo grego esse sinal pertence.
Na verdade, a Grécia não admite nem mesmo o uso do nome Macedônia sem nenhum especificador e leva isso tão a sério que a admissão da República da Macedônia na Organização das Nações Unidas (ONU) se demorou até abril de 1993, porque foi preciso acordar a denominação provisória Ex-República Iugoslava da Macedônia. Apesar disso, a Grécia endureceu a pressão sobre esse país, impondo-lhe um embargo comercial que o constrangeu a firmar um acordo em setembro de 1995, comprometendo-se, entre outras coisas, a tirar o Sol de Vergina da sua bandeira. A lei vigente sobre tal bandeira foi, pois, passada no mês seguinte e a solução foi redesenhar o sol de forma mais abstrata: um disco e oito raios semelhantes a girões heráldicos.
Finalmente, as diferenças com a Grécia foram dirimidas pelo Acordo de Prespa em 2018. Nas matérias onomástica e semiótica, a Macedônia acrescentou do Norte ao seu nome e comprometeu-se a remover o Sol de Vergina do uso público no seu território.
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