15/12/23

BANDEIRAS PACIFICADORAS: MACEDÔNIA DO NORTE

Os símbolos têm tanto poder que podem escalar conflitos entre países.

O território da Macedônia do Norte é habitado por eslavos desde o século VII. Em 1879, quando se constituiu o Principado da Bulgária, esses eslavos viam-se e eram vistos como búlgaros, mas como permaneceram sob o domínio otomano até as Guerras dos Bálcãs (1912-13), essa separação fomentou a construção de uma identidade diferente.

Bandeira da Macedônia do Norte.
Bandeira da Macedônia do Norte.

Inicialmente, faltava um nome que distinguisse essa porção dos búlgaros, então quando se queria ressaltar que era outro povo, dizia-se que eram "eslavos da Macedônia", aproveitando-se que o historicismo filo-helênico recobrara a denominação antiga da região. Daí a eslavos macedônios e depois a macedônios bastou um jogo de palavras. No entanto, a história é mais interessante que a figura de linguagem.

Com efeito, pelo Tratado de Bucareste (1913) a Macedônia ficou repartida entre a Bulgária, a Grécia e a Sérvia, a esta cabendo o território atual da Macedônia do Norte. O estado sérvio tratou então a população eslava desse território como sérvios do sul. Isso forçava demais a realidade, pois o idioma desses eslavos poderia perfeitamente passar por dialeto búlgaro, como de fato aconteceu na parte da Macedônia que coube à Bulgária, mas não por dialeto sérvio, já que as línguas búlgara e sérvia têm diferenças irredutíveis.

Por incrível que pareça, foram os comunistas que souberam explorar a questão da identidade nacional entre os eslavos na Sérvia mais meridional. Em 1944, quando os partisans iugoslavos lutavam para liberar o país da ocupação alemã, eles proclamaram a Macedônia Democrática, que ao fim da guerra se tornou parte constituinte do estado federal iugoslavo com o nome de República Popular da Macedônia.

Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas.
Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas.

Como o nacionalismo macedônio não chegou a consolidar símbolos, os partisans fizeram a sua bandeira pondo uma estrela vermelha com perfil amarelo em campo também vermelho. Em 1946, a constituição da república popular reduziu e moveu a estrela para o cantão. O seu uso perdurou até agosto de 1992, portanto além do regime socialista, pois este ruiu a partir de janeiro de 1990, o parlamento tirou socialista do nome oficial do estado (República Socialista da Macedônia desde 1963) em abril de 1991 e adotou nova constituição em novembro do mesmo ano, dois meses depois do referendo que resultara na independência.

Bandeira da Macedônia no jornal Nova Makedonija, 11/08/1992 (imagem disponível no portal da TV Nova).
Bandeira da Macedônia no jornal Nova Makedonija, 11/08/1992 (imagem disponível no portal da TV Nova).

A nova bandeira era simples na forma: o campo continuava vermelho e no centro trazia o chamado Sol de Vergina em amarelo, porém o conteúdo desencadeou um conflito com a Grécia. Vergina (Βεργίνα) é a cidade desse país onde em 1977 o arqueólogo Manólis Andrónikos achou uma lárnax que ele atribuiu ao rei Filipo II da Macedônia, pai de Alexandre o Grande. A figura do sol está gravada na tampa dessa urna.

A urna dourada de Filipo II da Macedônia (conservada no Museu Policêntrico de Aigai/Túmulos Reais; imagem disponível em Arkhaiología kai Tékhnes).
A urna dourada de Filipo II da Macedônia (conservada no Museu Policêntrico de Aigai/Túmulos Reais; imagem disponível em Arkhaiología kai Tékhnes).

O problema é que Alexandre o Grande é uma personagem fundamental para a identidade grega, pois foi ele quem expandiu a língua e cultura helênicas por todo o Mediterrâneo oriental e além. Ora, tendo-se interpretado o Sol de Vergina como um sinal de seus ancestrais, para o nacionalismo grego somente ao povo grego esse sinal pertence.

Na verdade, a Grécia não admite nem mesmo o uso do nome Macedônia sem nenhum especificador e leva isso tão a sério que a admissão da República da Macedônia na Organização das Nações Unidas (ONU) se demorou até abril de 1993, porque foi preciso acordar a denominação provisória Ex-República Iugoslava da Macedônia. Apesar disso, a Grécia endureceu a pressão sobre esse país, impondo-lhe um embargo comercial que o constrangeu a firmar um acordo em setembro de 1995, comprometendo-se, entre outras coisas, a tirar o Sol de Vergina da sua bandeiraA lei vigente sobre tal bandeira foi, pois, passada no mês seguinte e a solução foi redesenhar o sol de forma mais abstrata: um disco e oito raios semelhantes a girões heráldicos.

Finalmente, as diferenças com a Grécia foram dirimidas pelo Acordo de Prespa em 2018. Nas matérias onomástica e semiótica, a Macedônia acrescentou do Norte ao seu nome e comprometeu-se a remover o Sol de Vergina do uso público no seu território.

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