A facilidade de fabricação é a chave do sucesso das tricolores revolucionárias.
Os lituanos têm um símbolo antigo e forte: um cavaleiro armado e montado num cavalo galopante. Essa figura está atestada pelos selos dos filhos do grão-duque Algirdas desde a penúltima década do século XIV. Um deles foi batizado com o nome de Vladislau, casou-se com a rainha Edviges e foi coroado rei da Polônia em 1386. O seu nome pagão, Jogaila em lituano e Jagiełło em polonês, foi perpetuado pela dinastia que desde então até 1572 governou tanto o reino da Polônia como o grão-ducado da Lituânia: a Casa de Jaguelão.
Bandeira da Lituânia. |
Longe dos negócios lituanos e persistindo aí disputas internas, Vladislau entregou em 1392 a regência do grão-ducado a Vytautas (1), seu primo. Por quase quarenta anos, ele estendeu as fronteiras orientais ao resto da bacia do Dniepr, alcançando o mar Negro ao sul; conteve a ambição da Ordem Teutônica ao norte, assegurando a Samogícia com um porto no Báltico; defendeu a igualdade da Lituânia na união com a Polônia, abrangendo até mesmo a "adoção heráldica" de 47 magnatas lituanos e rutenos católicos por clãs polacos. (2)
Armas de Vladislau da Polônia e Lituânia e Vytautas da Lituânia no De ministerium armorum (códice Latin MS 28, fl.s 46 e 75, conservado na John Rylands Library, Manchester). (3) |
Tanto Vladislau como Vytautas puseram o cavaleiro galopante sobre um escudo, entre outras armas que os rodeiam nos seus selos majestáticos, demonstrando que se tratava efetivamente de uma figura heráldica. Em selos de ambos os príncipes, esse cavaleiro empunha uma espada levantada na mão direita e traz um escudo à esquerda, mas há uma diferença: nos selos de Vladislau esse escudo carrega uma dobre-cruz e nos de Vytautas, o sinal do grão-duque Kęstutis, seu pai. Com o tempo, entendeu-se que a dobre-cruz eram as armas dos Jaguelões e o dito sinal, aquelas da linhagem do avô de Vladislau e Vytautas, daí que se tenham denominado Colunas de Gediminas.
P. 112 do Codex Bergshammar (meados do séc. XV). Dão-se as duas variantes do Vytis, acima com as Colunas de Gediminas e abaixo com a dobre-cruz, também essas próprias figuras em escudos, esta no segundo e aquelas no sexto (conservado em Riksarkivet, Estocolmo). (4) |
Como Vytautas não deixou herdeiro e o grão-duque Sigismundo, seu irmão, foi morto pelos partidários de Boleslau (Švitrigaila), irmão de Vladislau, prevaleceram os Jaguelões a partir de 1440 e com eles a dobre-cruz no escudo do cavaleiro. Ao mesmo tempo, os armoriais difundiam todos esses brasões em cores e metais, começando pelo De ministerium armorum, elaborado por um arauto português em 1416 (5). Geralmente, o campo é vermelho e o cavaleiro galopante, chamado de Pogonia em polonês desde meados do século XVI e Vytis em lituano desde fins do XIX (6), de prata, porém estava sujeito a variações, equivocações e o crescente gosto naturalista.
Armas da Lituânia (imagem disponível no website do parlamento lituano). |
Em 1991, o Conselho Supremo da República da Lituânia aprovou a proposta da Comissão de Heráldica, que depurava as variações históricas do Vytis. Modificou, então, o Lietuvos Respublikos valstybės herbo, kitų herbų ir herbinių ženklų įstatymas ('Lei sobre as armas nacionais, outros brasões e emblemas heráldicos da República da Lituânia'), que passara um dia antes de restaurar a independência, isto é, 10 de março de 1990, para precisar o brasonamento. Desde então, diz assim:
Lietuvos valstybės herbas yra Vytis: herbinio skydo raudoname lauke vaizduojamas baltas (sidabrinis) šarvuotas raitelis ant balto (sidabrinio) žirgo, laikantis dešinėje rankoje virš galvos iškeltą baltą (sidabrinį) kalaviją. Prie raitelio kairiojo peties kabo mėlynas skydas su dvigubu geltonu (auksiniu) kryžiumi. Žirgo balnas, gūnia, kamanos ir diržai mėlyni. Kalavijo rankena, kamanų žąslai, balno kilpa ir pentinas, makšties bei žirgo aprangos metaliniai sutvirtinimai ir pasagos geltoni (auksiniai). (7)
Apesar da pujança material e simbólica, a cristianização dos lituanos não comportou a assimilação da sua cultura ágrafa à cultura literária ocidental. Com efeito, antes da união com a Polônia já havia no grão-ducado uma vasta população cristã, os rutenos ortodoxos (Rus'), cuja língua (ruskij jazyk) era preferida pela chancelaria grão-ducal nos negócios interiores até meados do século XVII. Em 1697, o polonês suplantou-a de vez. É que a cada renovação do pacto com a Polônia, a nobreza lituana e depois também a rutena aproximavam-se mais à cultura polaca, especialmente após a União de Lublin (1569), que conjugou as dignidades real e grão-ducal, tornando a sua eleição livre de sucessão dinástica, e instituiu parlamento, política externa e defesa comuns. (8)
A maioria dos lituanos acabou sob domínio russo depois de as três potências vizinhas — Rússia, Prússia e Áustria — terem partilhado o território do reino e grão-ducado por três vezes dentro de 23 anos, aniquilando o estado em 1795. Tombado o primeiro desses impérios em março de 1917, as forças alemãs, que ocupavam a Lituânia, permitiram a organização de uma conferência para debater o futuro do país, a qual se realizou em setembro do mesmo ano. Impôs-se a questão da bandeira nacional.
Já o Grande Parlamento (Didysis Seimas), assentado em Vilnius no bojo da Revolução Russa de 1905, constatava que o Vytis, apesar de muito representativo, aduzia alguns problemas: a cor do campo fazia uma bandeira vermelha, que podia dar a entender algum alinhamento ao comunismo; o cavaleiro era também Pogonia, isto é, símbolo comum aos rutenos que habitavam o grão-ducado, agora ditos bielorrussos; era difícil de reproduzir.
Presídio e secretariado da Conferência de Vilnius em 18/09/1917 (imagem disponível na Wikimedia Commons). |
Uma fotografia do presídio e secretariado da conferência em 18 de setembro deixa ver na parede do fundo uma bandeira heráldica grande (ou seja, vermelha com o Vytis) entre duas tarjas com as mesmas armas e coroas grão-ducais por cima, suportando cada uma duas bandeirinhas bicolores, verdes e vermelhas. Consta que o pintor Antanas Žmuidzinavičius escolheu essas cores pela sua frequência no artesanato lituano, mas não agradaram aos delegados. Nomeou-se, então, uma comissão ad hoc: além de Žmuidzinavičius, compunham-na Tadas Daugirdas, também pintor e arqueólogo, e Jonas Basanavičius, médico e presidente da Sociedade Científica Lituana. Foi Daugirdas quem sugeriu o acréscimo de uma faixa amarela e assim em abril de 1918 a comissão submeteu o projeto ao sucessivo Conselho da Lituânia, recomendando ainda, provavelmente à instância de Basanavičius, a colocação do Vytis no meio da bandeira ou no alto junto à tralha.
Em 16 de fevereiro de 1918, o Conselho da Lituânia resolvera proclamar a restauração do estado lituano independente, porém a Alemanha seguiu ocupando o país até o fim da Primeira Guerra Mundial. O governo começou, então, a funcionar, mas ao se retirarem da capital, os alemães a entregaram aos polacos, que três dias depois, em 5 de janeiro de 1919, a perderam para o Exército Vermelho. Logo todos estavam contra todos: de um lado, os bolcheviques queriam estender a revolução socialista aos territórios aos quais o Tratado de Brest-Litovsk (março de 1918) os obrigara a renunciar; do outro, os polacos queriam recobrar o território do antigo reino e grão-ducado; entre uns e os outros, os lituanos e ucranianos queriam manter a almejada independência. A Lituânia fez a paz com a Rússia em julho de 1920 e assinou um armistício com a Polônia em novembro do mesmo ano. (9)
Cartão postal criado por Jonas Vanagaitis com a bandeira nacional adotada pelo Conselho da Lituânia em 1919 e a bandeira heráldica (imagem disponível na Wikimedia Commons). |
A conjuntura explica, pois, por que a atuação da assembleia constituinte parece tardia: foi eleita em abril de 1920, instalou-se no mês seguinte, funcionou plenamente a partir de março de 1921 e adotou a constituição em 1.º de agosto de 1922. Diz o seu parágrafo 7.º: "Valstybės spalvos: geltona – žalia – raudona. Valstybės ženklas – baltas Vytis raudoname dugne" ("As cores nacionais são amarelo-verde-vermelho. O emblema nacional é o Vytis branco sobre fundo vermelho").
Em 1939, alemães e russos, dessa vez sob Adolf Hitler e Iosif Stalin, voltaram a repartir o leste europeu mediante os protocolos secretos do chamado Pacto Molotov–Ribbentrop. O Exército Vermelho invadiu novamente a Lituânia em 1940 e pela terceira vez em 1944, expulsando os próprios alemães, que ocupavam o país desde 1941. Repetiu-se a história: os lituanos tiveram de esperar o enfraquecimento do poder dominante para retomar a sua bandeira, o que se fez por lei do Soviete Supremo da Lituânia em 1988.
Bandeira nacional histórica da Lituânia. |
A lei vigente sobre a forma e o uso da bandeira lituana foi passada em junho de 1991. Em 2004, houve duas alterações, uma mais prosaica e a outra insólita. Aquela, a proporção: de 1:2 para 3:5. Esta, a oficialização da bandeira heráldica, dita Lietuvos valstybės istorinė vėliava ('bandeira nacional histórica da Lituânia'): todos os problemas colocados cem anos antes estavam superados, afinal o avanço tecnológico da impressão em tecido propicia até mesmo a reprodução exata do padrão do Vytis, desenhado por Arvydas Každailis. A mesma lei determina que se hasteie permanentemente essa bandeira sobre o Paço dos Grão-Duques (Nacionalinis muziejus Lietuvos Didžiosios Kunigaikštystės valdovų rūmai) em Vilnius, sobre o Castelo da Ilha (Salos pilis) em Trakai e na Praça do Museu da Guerra (Vytauto Didžiojo karo muziejus), em Kaunas; em certas celebrações, também noutros lugares.
Pavilhão naval da Lituânia. |
Desde 1992, as Forças Navais da Lituânia arvoram um pavilhão branco com uma cruz azul e, no cantão, a bandeira nacional.
(1) O nome de batismo de Vytautas era Alexandre. O seu grande selo diz "Sigillum Allexandri, alias Witowdi, Magnis Ducis Lithwanie, Domini Russie et cetera" ("Selo de Alexandre, aliás de Vitoudo, Grão-Duque da Lituânia, Senhor da Rússia etcétera").
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