A insígnia vexilar de um armígero é uma bandeira de armas.
Como eu disse na postagem de 02/01, os militares dão muita importância à honorificência: toques, continências e salvas formam parte fundamental das suas ideias e práticas. Daí que cada força tenha tomado um patrono, cuja memória é constantemente honrada, chegando por vezes a um culto da personalidade. Esses patronos são:
- O Almirante Joaquim Marques Lisboa, marquês de Tamandaré (1807-97), patrono da Marinha do Brasil;
- o Marechal de Exército Luís Alves de Lima e Silva, duque de Caxias (1803-80), patrono do Exército Brasileiro;
- o Marechal do Ar Eduardo Gomes (1896-1981), patrono da Força Aérea Brasileira.
Brasão do duque de Caxias. |
Apesar de o marquês e o duque terem vivido sob a monarquia, somente este recebeu brasão. Ainda assim, não se conserva a sua carta de armas. Conhecem-se tais armas graças à sua composição e à sua difusão, a saber, partido de dois e cortado de um: ao primeiro, as armas dos Silvas, que são em campo de prata um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho; ao segundo, as armas dos Fonsecas, que são em campo de ouro cinco estrelas de vermelho; ao terceiro, as armas antigas dos Limas, que são em campo de ouro quatro palas de vermelho; ao quarto, as armas dos Brandões, que são em campo de azul cinco brandões de ouro, acesos ao natural; ao quinto, as armas dos Soromenhos, que são em campo de vermelho um soromenho de verde, arrancado e frutado de prata, acompanhado de uma flor de lis e um crescente do mesmo em chefe; ao sexto, as armas dos Silveiras, que são em campo de prata três faixas de vermelho; por diferença, uma brica de prata com um farpão de negro.
Brasão do marquês de Tamandaré. |
Portanto, o brasão do marquês de Tamandaré é uma concessão póstuma, seguramente a única feita pelo estado brasileiro sob a república, mais precisamente mediante o Aviso n.º 1.753, de 26 de junho de 1957, do Estado-Maior da Armada. Ainda que a descrição e as reproduções tenham defeitos, brasono-o como segue: esquartelado, o primeiro de ouro com a Cruz da Ordem de Cristo, vazia do campo e firmada; o segundo de vermelho com cinco flores de ouro (trifólios?); o terceiro de prata com uma árvore de verde, frutada de ouro (uma oliveira?); o quarto de azul com dezenove estrelas de prata, postas como na insígnia da Imperial Ordem do Cruzeiro. Os desenhos mostram elmo, paquife, virol e, por timbre, um leopardo aleonado, mas o texto não os menciona. (1)
Consta, isto sim, que José Marques Lisboa, irmão do marquês, requereu brasão e recebeu mercê em 1847: um escudo esquartelado, ao primeiro as armas dos Limas; ao segundo, as dos Azevedos; ao terceiro, as dos Oliveiras; ao quarto, as dos Soutomaiores; por diferença, uma brica azul com uma torre de metal; timbre: o dos Limas. Tendo um irmão e o outro os mesmos progenitores, para o marquês bastaria trocar a figura que carrega a brica, mas levando em conta que o brasão ordenado em 1957 é uma homenagem prestada pelo próprio estado brasileiro, não há o que repreender, a não ser que urge reeditar o ato para suprir as suas deficiências textuais.
Proposta de brasão para o Marechal do Ar Eduardo Gomes. |
Com o mesmo espírito, desenvolvi uma proposta de brasão para o Marechal do Ar Eduardo Gomes. Na armaria portuguesa, há certos Gomes, que trazem em campo de azul um pelicano em sua piedade de ouro. Julguei um bom ponto de partida, já que o azul é a cor da FAB e um pássaro inspira outro: em vez do pelicano, uma águia, que representa comumente a aviação. Fazendo essa águia estendida, é um recurso consagrado sobrepor um escudete ao seu peito. Ora, o cocar da FAB evoca precisamente o escudo das armas nacionais com a estrela que o suporta. Tirei a bordadura com as estrelas, iluminei os perfis de prata e tudo resultou no brasão seguinte: de azul com uma águia estendida de ouro e uma estrela gironada de verde e ouro, perfilada de prata e carregada de um escudete redondo de azul, sobrecarregado de cinco estrelas de prata, postas como a constelação do Cruzeiro do Sul, e perfilado do mesmo, o todo brocante sobre o peito da águia. (2)
Não obstante, como o duque de Caxias e o marquês de Tamandaré têm os coronéis dos seus títulos, parecia justo engenhar um para Eduardo Gomes. Com efeito, em algumas armarias, inclusive na portuguesa, há o chamado coronel aeronáutico, que em vez de florões e pérolas é rematado por asas e estrelas. Similarmente, o coronel aeronáutico brasileiro poderia trazer em cima do aro quatro voos estendidos e o Cruzeiro do Sul de prata sobre cada um (visíveis um por inteiro e dois pela metade), alternados com quatro estrelas de seis raios de ouro (visíveis duas).
Bandeira de armas do duque de Caxias. |
Vamos, pois, aos vexilos. O pavilhão do marquês de Tamandaré consta do Cerimonial da Marinha: é igual à bandeira do Cruzeiro e traz o brasão do marquês no cantão e, abaixo deste (em linguagem heráldica, no terceiro), cinco estrelas brancas, alinhadas na forma de um pentágono. A bandeira-insígnia e o estandarte "histórico" do duque de Caxias estão regulados respectivamente pelas Portarias n.os 1.277 e 1.278, de 21 de agosto de 2019, do Comando do Exército: ambos são panos brancos com as armas do duque no centro; a diferença é que o estandarte apresenta uma franja dourada e a bandeira-insígnia, um debrum desse metal. (3)
Bandeira de armas do marquês de Tamandaré. |
Apesar da preeminência das bandeiras nos cerimoniais das Forças Armadas, os militares demonstram, em geral, um conhecimento bastante raso de heráldica e vexilologia. Por exemplo, a bandeira real portuguesa era branca com as armas reais por razões que o estudo da matéria elucida: a reprodução dessas armas não no próprio campo da bandeira, mas sim como um escudo numa bandeira branca, deixava ver a coroa sobre esse escudo num momento em que o poder régio se fortalecia. Por que o branco? Porque corresponde à prata, que é o metal do campo (4).
Proposta de bandeira de armas para o Marechal do Ar Eduardo Gomes. |
Daí a pousar qualquer escudo sobre fundo branco para se fazer uma bandeira é desconhecer que se pode reproduzir qualquer brasão como bandeira, que isso era habitual na Idade Média e que ainda se pratica. A bandeira real mesma tinha tal forma antes de Dom Manuel I (1495-1521). Portanto, se com o vexilo do patrono a força armada quer honrar a memória dele em certas cerimônias, o recurso semiótico mais apropriado e correto é a bandeira de armas ou bandeira heráldica, isto é, transladar as armas a um pano quadrado, embora se possa igualmente adotar a forma retangular.
Na verdade, observe-se que o Exército editou dois atos, dando nomes diferentes (bandeira-insígnia e estandarte histórico) àquilo que, no fim das contas, é o mesmo objeto: o sinal vexilar do seu patrono. Para mim, é mais uma mostra de certo amadorismo ou achismo na hora de se fazerem as coisas. Em Portugal, a lei que regula a heráldica municipal acerta ao permitir duas formas para a mesma bandeira: estandarte, quadrado, de seda, com debrum, cordões e borlas, para desfiles e similares; bandeira de hastear, retangular, em filele, sem ornato, para hasteamento em mastro.
Mais que ficar emitindo normas de técnica sofrível, o que cada uma das Forças Armadas necessita é instituir um setor específico para atender às suas demandas semióticas, provê-lo de pessoal competente e dar-lhe condições de se capacitar seriamente na matéria.
(1) Na armaria portuguesa e depois também na brasileira, os brasões dos titulados não costumavam trazer elmo, paquife, virol e timbre, pois o coronel do título ficava ordinariamente acima do escudo. Ainda assim, como desde o século XVIII se perdeu a noção de que o paquife é um pano recortado que forra o elmo, esse elemento passou a ornar também escudos timbrados com coronel, como se fossem folhagens.
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