Bandeiras significam e também são significadas.
Os estônios viveram tanto tempo divididos sob sucessivas dominações estrangeiras que, quando o momento enfim os favoreceu, pela primeira vez constituíram o seu próprio estado. Isso só aconteceu em 1918, após a queda do Império Russo. Em comparação, outro povo fínico, os carélios, englobado maiormente e mais cedo na esfera russa, não teve a mesma sorte.
Bandeira da Estônia. |
A história da sujeição dos estônios começou na segunda década do século XIII. A costa oriental do Báltico era uma das poucas regiões europeias aonde não se tinha levado o cristianismo. Em 1217, os cavaleiros porta-espadas, cuja ordem fora fundada pelo bispo Alberto de Riga em 1202, ganharam uma batalha decisiva contra os estônios no sul do seu território. Pouco depois, fizeram um acordo com o rei Valdemar II da Dinamarca, que desembarcou em Lyndanisse em 1219 e aí também derrotou os estônios. Um e o outro partilharam, então, o país: no norte o rei fundou o ducado da Estônia e o sul o bispo anexou à Terra Mariana, um conjunto de feudos eclesiásticos. Essa divisão persistiu até abril de 1917, quando o governo provisório russo retraçou a fronteira entre a Estônia e a Livônia pelo critério étnico.
Com o domínio dinamarquês vinculam-se dois símbolos. Foi na Batalha de Lyndanisse que uma bandeira vermelha com uma cruz branca teria descido do céu, enquanto uma voz dizia que quem a levantasse venceria os seus oponentes: a origem lendária da Dannebrog. E em Lyndanisse os conquistadores edificaram o castelo que deu o nome nativo à cidade capital: Taanilinn, isto é, 'Castelo Dinamarquês', daí Tallinn. As armas de Tallinn são as mesmas do duque Oto, quem, como filho de Cristóvão II da Dinamarca, trazia as armas reais sem os corações: três leopardos de azul, lampassados de vermelho e coroados de ouro, alinhados em pala, em campo desse metal. Essas armas estão atestadas pelo selo do concelho desde 1340.
Em 1446, Valdemar IV vendeu o ducado estônio à Ordem Livônia, sucessora dos cavaleiros porta-espadas e ramo da Ordem Teutônica. O senhorio eclesiástico durou até 1560/61, quando os estados da Terra Mariana cederam às potências bálticas ante a ascensão da Rússia: a Dinamarca comprou o bispado de Ösel-Wiek (Saare-Lääne), a Suécia tomou o ducado da Estônia e os demais feudatários sujeitaram-se ao grão-duque da Lituânia.
Armas da Estônia (imagem disponível no portal do governo estônio). |
Foi sob o domínio sueco que as armas de Reval (Tallinn) passaram a representar o ducado, se bem que os leopardos se faziam aleonados, cuja posição a república, ao ordenar as armas nacionais em 1925, restaurou, depondo-lhes, porém, a coroa. Durante esse período, o poderio sueco primeiro se expandiu, alcançando a Íngria, a ilha de Ösel (Saaremaa) e a Livônia, mas acabou sobrepujado pela Rússia, que conquistou tudo em 1710.
Apesar de tantas guerras, conquistas e governos, os descendentes dos cruzados e dos artesãos e mercadores que os seguiram, todos alemães, mantiveram a sua língua e cultura e continuaram a formar a aristocracia do país, associando-se até mesmo na forma de "cavalaria" (Ritterschaft).
Bandeira original da Eesti Üliõpilaste Selts (conservada no Eesti Rahva Muuseum). |
Em suma, os estônios eram tão despossuídos na sua própria terra que em 1881, quando estudantes de língua estônia tentaram fundar um grêmio (Korps) próprio na Universidade de Dorpat (Tartu), a escolha das cores azul, preta e branca daria o símbolo de que o nacionalismo estônio viria precisar. A iniciativa só foi aceita pelo reitor da universidade em 1883, na qualidade de associação acadêmico-cultural, daí o seu nome: Eesti Üliõpilaste Selts ('Sociedade dos Estudantes Estônios'). A bandeira dessas cores, em faixas horizontais, foi consagrada na igreja de Nuustaku (Otepää) em junho do ano seguinte. Ainda assim, não se podia desfraldá-la em público, o que só veio acontecer em novembro de 1905, no bojo da revolução que agitava o império desde o começo desse ano.
Paisagem da Estônia no inverno (imagem disponível na Wikimedia Commons). |
Quanto ao significado, autores nacionalistas deram vários às cores, mas consta que o azul e o branco foram inspirados pela bandeira da Finlândia. Os finlandeses são um povo irmão que também estava sujeito ao Império Russo e a uma elite germânica (no caso, sueca). O preto foi acrescido por diferença. De todo modo, é fascinante que a bandeira reflita uma paisagem comum na Estônia durante o inverno: o chão coberto de neve, a floresta escura ao longe e o céu limpo.
Celebração da declaração da independência com bandeiras tricolores em Dorpat (Pärnu), 23/02/1918 (imagem disponível no Rahvusarhiiv). |
Tombada a monarquia, aos 19 de fevereiro de 1918 a Assembleia Provincial da Estônia estava entre a invasão das forças alemãs e a retirada das forças bolcheviques. Nomeou, então, o Comitê de Salvação para declarar a independência, o que se fez no dia 24 na capital, onde no dia seguinte os alemães entraram. Já no dia antecedente o povo de Pernau (Pärnu) celebrara a declaração empunhando a tricolor azul, preta e branca, a qual foi hasteada sobre o Castelo de Reval a 12 de dezembro. O fim da Primeira Guerra Mundial comportara a desocupação do país, mas o Exército Vermelho tinha cruzado a fronteira no fim de novembro para retomá-lo.
A ocupação pela Alemanha e a defesa contra a Rússia explicam, portanto, por que medeiam quase quatro anos e meio entre a agitação da tricolor no dia da independência e a sua ratificação por lei, que o parlamento passou em 27 de junho de 1922, doze dias depois de ter promulgado a constituição. Essa assembleia fora eleita e instalada ainda durante a guerra da independência, que a Rússia reconheceu pelo Tratado de Tartu em fevereiro de 1920.
Contudo, os soviéticos não desistiram de reaver os países bálticos. Em 1939, assinaram com a Alemanha um tratado de não agressão, o chamado Pacto Molotov–Ribbentrop, cujo protocolo secreto colocava a Estônia na "esfera de influência" da União Soviética. O Exército Vermelho invadiu o país novamente em junho do ano seguinte e assegurou a instituição de uma república socialista soviética.
Sob o domínio soviético, a tricolor caiu na clandestinidade, a não ser durante a ocupação alemã, de julho de 1941 a setembro de 1944, não como símbolo do estado, que não foi restaurado, mas como símbolo do povo estônio. De fato, após o arriamento da bandeira nazista, a estônia chegou a tremular por dois dias sobre o Castelo de Tallinn, de 20 a 21; a 22 de setembro outra vez subiu a bandeira soviética.
Estônios agitando tricolores e assistindo ao hasteamento da mesma sobre a Torre de Hermann, no Castelo de Tallinn, 24/02/1989 (imagem disponível no jornal Postimees). |
Finalmente, por ocasião dos 71 anos da declaração da independência os estônios voltaram a hastear a sua bandeira sobre o castelo da capital, o que foi visto pelos presentes e pelos espectadores da televisão estatal. Na verdade, exibições da tricolor desde fins de 1987 vinham assinalando o soçobro da União Soviética. Com efeito, em 1988 o Presídio do Soviete Supremo da Estônia editou dois decretos que prepararam a recuperação plena da tricolor: um em junho reconheceu que o azul, o preto e o branco são as cores nacionais; o outro em outubro, que a bandeira nacional tem essas cores, mas não substituía a bandeira estatal. Esses e todos os demais atos da República Socialista Soviética Estônia concernentes à bandeira e às armas nacionais ficaram anulados por lei do Conselho Supremo da República da Estônia em agosto de 1990, portanto um ano antes da independência.
Pavilhão naval da Estônia. |
A lei atual sobre a forma e o uso da bandeira estônia entrou em vigor em 2006. Ela serve também de pavilhão civil, mas a descrição e imagem do pavilhão naval constam de um regulamento que vigora igualmente desde o mesmo ano. Como noutros países próximos, o batente é recortado em três pontas e traz as pequenas armas sobrepostas.
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