31/01/21

O PÉ DIREITO DEVE SEMPRE PRECEDER

Brasões e bandeiras estiveram mais intimamente ligados nas origens da heráldica do que comumente se pensa.


Do Tractatus de insigniis et armis (1358), de Bártolo de Sassoferrato:

(19) Circa pedes advertendum est quod semper is qui antecedit sit pes dexter, quia, ut in præcedenti membro dictum est, pars dextra est principium motus; alias significaret talem figuram scævam esse, quod in vitium sonat (D, 21, 1, 12, 3 [1]). Sed hic occurrit dubium: quia si in vexillo figuratur ab una parte tamquam pes dexter præcedat, ab alia parte videbitur pes sinister præcedere. Hæc autem incongruitas magis visibiliter apparet in his qui pro sua arma aliquam litteram vel litteras portant. Nam ab una parte sunt litteræ rectæ, ab alia communiter non est forma litterarum, quod apparet si quis chartam scriptam a converso latere inspiciat.

(20) Sed dicendum est, sicut in litteris inspicitur illa pars quæ respicit scribentem, non pars conversa, ita in vexillo inspicitur pars quæ respicit portantem, non alia; quod enim ex alia parte est, non ex principali proposito contingit, sed per accidens, sicut cum quis se in speculo inspicit, quod enim in se dextrum est in speculo sinistrum apparebit. Et prædicta vera in vexillis quæ portantur in hasta, cujus recta natura est ut elevata et recta portetur (D, 8, 3, 7 [2]).

(19) Acerca dos pés, cumpre advertir que o pé que sempre precede é o pé direito, porque, como se disse na seção antecedente, a parte direita é o princípio do movimento; de outro modo significaria que tal figura é canhota, o que soa como defeito (D, 21, 1, 12, 3 [1]). Mas aqui ocorre uma dúvida, porque se por um lado na bandeira se figura de tal modo que o pé direito preceda, de outro ver-se-á que precede o pé esquerdo. Essa incongruência aparece mais evidentemente naqueles que trazem por armas suas alguma letra ou letras, pois de um lado ficam as letras direitas; do outro, em geral, não é a forma das letras, tal como aparece se alguém olhar pelo lado avesso um papel escrito.

(20) Mas cabe dizer que, assim como numa carta se olha o lado que se volta para o escritor, não o lado avesso, numa bandeira observa-se a parte que se volta para quem a traz, não outra. Com efeito, o que há do outro lado não advém do propósito principal, mas por acaso, tal como se alguém se olhar no espelho: com efeito, o que em si está direito no espelho aparecerá esquerdo. E o já dito é verdadeiro quanto às bandeiras que se trazem numa haste, da qual é próprio estar em pé, para ser trazida erguida e direita (D, 8, 3, 7 [2]).

Notas:
[1] D, 21, 1, 12, 3: Item sciendum est scævam non esse morbosum vel vitiosum, præterquam si imbecillitate dextræ validius sinistra utitur: sed hunc non scævam, sed mancum esse (Outrossim, deve-se saber que um canhoto não é doente ou vicioso, exceto se pela deficiência da direita usa mais fortemente a esquerda, mas que este não é canhoto, mas maneta).
[2] D, 8, 3, 7: Qui sella aut lectica vehitur, ire, non agere dicitur: jumentum vero ducere non potest, qui iter tantum habet. Qui actum habet, et plaustrum ducere et jumenta agere potest. Sed trahendi lapidem aut tignum neutri eorum jus est: quidam nec hastam rectam ei ferre licere, quia neque eundi neque agendi gratia id faceret et possent fructus eo modo lædi. Qui viam habent, eundi agendique jus habent: plerique et trahendi quoque et rectam hastam referendi, si modo fructus non lædat (Diz-se que quem é transportado numa cadeira ou liteira vai, não faz ir. Não obstante, quem tem apenas a viagem não pode conduzir um animal de carga. Quem tem a habilitação pode conduzir tanto uma carroça como um animal de carga, mas nenhum dos dois tem o direito de puxar pedra e materiais de construção. Alguns pensam que sequer lhe seja permitido levar uma haste reta, porque não o faria por mor de ir nem de fazer ir e desse modo as frutas poderiam danificar-se. Quem tem o caminho tem o direito de ir e fazer ir, e vários pensam que, ademais, tanto o de puxar como o de trazer uma haste reta, contanto que não danifique as frutas).

Comentário:

Ao longo da história da heráldica, difundiram-se maiormente duas explicações sobre as suas origens: uma mítica e a outra acadêmica. A mítica é que os brasões foram criados na Antiguidade clássica, por Alexandre o Grande ou Júlio César. Foi elaborada e divulgada pelos arautos durante o século XV com o intuito de dignificar o seu mister. A acadêmica é que os brasões foram criados na baixa Idade Média pela cavalaria: cada cavaleiro pintava sobre o seu escudo certos sinais, que o identificavam no campo de batalha. Essa teoria foi adotada por Michel Pastoureau, historiador francês e uma das maiores autoridades nos estudos heráldicos desde a década de setenta. Talvez por causa do seu prestígio, só recentemente estudiosos têm reanalisado os dados da heráldica primitiva e aventado hipóteses novas.

Com efeito, Laurent Hablot, em artigo de 2012, enumera algumas debilidades da teoria do escudo armoriado:

  • só se divisa bem uma insígnia sobre um escudo quando este se vê de frente, o que fica agravado pela sua curvatura;
  • como arma defensiva, o escudo estava sujeito a constantes desgastes, causados por armas ofensivas, pelo derramamento de sangue e pelos elementos naturais, ou mesmo à perda no meio da batalha;
  • ainda que se superassem essas dificuldades, num embate que opusesse algumas dezenas de guerreiros, como um simples peão conseguia aprender tantos brasões e evitar o fatal erro de atacar alguém do seu próprio lado?

Ora, se o escudo comportava tantos inconvenientes, qual foi o campo ou superfície original do brasão? Precisamente o que Bártolo privilegia no seu tratado: a bandeira! Efetivamente, Hablot, no mesmo trabalho, coloca que "l'analyse des sceaux des grands feudataires dans le courant du XIIe siècle montre ainsi clairement la progressive substitution de l'écu armorié à l'enseigne vexillaire de typo gonfanon qui jusqu'alors caractérise l'autorité militaire à l'échelle du comté" (1).

Selo de Raul I, conde de Vermandois. Imagem disponível na base Sigilla.
Selo de Raul I, conde de Vermandois. Imagem disponível na base Sigilla.

Jean-François Nieus, em artigo de 2017, refina essa pesquisa. Começa por ressalvar que o selo não era o suporte mais idôneo para o brasão, pela sua pequenez e reprodução monocromática, mas é o que melhor nos veiculou o que nele observamos, já que a maioria das reproduções noutros suportes se perdeu. Depois, afirma que o selo mais antigo em que se observa um brasão é o de Raul I de Vermandois, mencionado em 1110 e impresso em 1126. Consiste num cavaleiro que segura com a mão direita uma lança ornada de um gonfalão xadrezado e com a esquerda, as rédeas e o seu escudo. Xadrezado de ouro e azul serão, com efeito, as armas dos condes de Vermandois. Mais que isso, o autor propõe que a própria região do Vermandois e a sua vizinhança são o foyer, ou seja, o lugar de origem da heráldica:

Tout bien pesé, il me parait raisonnable de tirer la leçon des données sigillographiques et d'admettre qu'un groupe de grands barons septentrionaux a lancé une mode, relayée assez vite, dès les années 1140, par certaines grandes figures du Midi. Sur le plan sigillaire toujours, les indices vont nettement dans le sens d'une exportation des concepts emblématiques du monde normand vers le sud. (2)

Na postagem anterior, comentando sobre o chamado brasão do Ceará, eu disse que em heráldica não há quadrantes, mas quartéis, que são uma partição do campo, e que para localizar peças ou figuras num campo inteiro, faz-se referência a nove pontos convencionais. Embora os escudos costumem ser um pouco mais altos do que largos, esses pontos são traçados como se o campo fosse quadrado, ou melhor, precisamente como se fosse uma bandeira quadrada.

Pontos do escudo.
Pontos do escudo.

Assim, os pontos 1, 3, 7 e 9 são os cantões do escudo; 2, o chefe; 4 e 6, os flancos; 5, o centro, abismo ou coração; 8, a ponta,  ou contrachefe. Além disso, 1, 4 e 7 são a destra e 3, 6 e 9, a sinistra. Portanto, de uma figura que estiver, por exemplo, no ponto 1 dir-se-á, ao brasonar, que está no cantão destro do chefe; do mesmo modo, de qualquer outra nalgum ponto diferente. Funciona exatamente como Bártolo ensina: mais propriamente que um escudo, há de se imaginar que esse quadrado seja uma bandeira e que à destra fique a haste.

Notas:
(1) "A análise dos selos dos grandes feudatários no decurso do século XII mostra, assim, claramente a progressiva substituição pelo escudo armoriado da insígnia vexilar do tipo gonfalão, que até então caracteriza a autoridade militar ao nível do condado." (tradução minha)
(2) "Tudo bem pesado, parece-me razoável tirar a lição dos dados sigilográficos e admitir que um grupo de grandes barões setentrionais lançou uma moda, revezada bastante cedo, desde os anos 1140, por certas grandes figuras do Sul. Sempre no plano sigilar, os indícios vão claramente no sentido de uma exportação dos conceitos emblemáticos do mundo normando em direção ao sul." (tradução minha)

29/01/21

DE QUE MODO SE DEVEM PINTAR OS ANIMAIS EM BANDEIRAS

Nem tudo que se põe dentro de um escudo é um brasão, pois se não pode ser brasonado, não é um emblema heráldico.


Do Tractatus de insigniis et armis (1358), de Bártolo de Sassoferrato:

(15) Sed dubitatur qualiter debeant prædicta animalia figurari: utrum quasi stent recta an quasi per terram plane ambulent vel quo modo? Respondeo: dicta animalia debent depingi in nobiliori actu eorum et in quo magis suum vigorem ostendunt (D, 1, 5, 10 [1]; D, 41, 1, 27, 2 [2]), sic enim ab antiquo usitatum videmus quod princeps in majestate, pontifices in pontificalibus depinguntur et figurantur.

(16) Nunc ad propositum dico quod quædam sunt animalia quorum natura fera est (D, 3, 1, 6 [3]), et ista debent figurari in actu ferociori, ut leo, ursus et similia. Et figurabitur ergo leo rectus et elevatus, mordens ore et scindens pedibus, et idem in similibus animalibus. In hoc enim actu magis suum vigorem ostendunt.

(17) Quædam sunt animalia non ferocia, et in his similiter debet inspici nobilior actus eorum, diversimode tamen. Si quis enim equum pro sua arma portaret, non debet eum designare rectum et elevatum, hoc est enim vitiosum in equo, sed debet eum figurare a parte anteriori aliqualiter elevatum, quasi sit equus currens vel saliens. In hoc enim actu major ejus vigor ostenditur.

(18) Sed si quis pro suis armis agnum portaret, tunc designare debet quasi plane ambulantem per terram, in hoc enim actu maxime ejus vigor ostenditur. Similia de avibus et aliis animalibus dicenda sunt.

(15) Mas se duvida de que modo se devem figurar os ditos animais: como se estivessem empinados ou como se andassem no chão ou de que modo? Respondo: devem-se desenhar os ditos animais na sua postura mais nobre e de modo a mostrarem mais o seu vigor (D, 1, 5, 10 [1]; D, 41, 1, 27, 2 [2]). Com efeito, desde tempo antigo vemos que é usual pintarem-se e figurarem-se o príncipe em majestade e os pontífices na pompa pontifical.

(16) A propósito, digo agora que há certos animais cuja natureza é selvagem (D, 3, 1, 6 [3]). Devem-se figurar em postura mais feroz, como o leão, o urso e semelhantes. Figurar-se-á, pois, o leão empinado e erguido, com a boca mordente e arranhando com os pés. O mesmo quanto a animais semelhantes. Efetivamente, nessa postura mostram mais o seu vigor.

(17) Certos animais não são ferozes. Quanto a eles, deve-se semelhantemente observar a sua postura mais nobre, porém de diversas maneiras. Com efeito, se alguém trouxesse um cavalo por armas, não deveria desenhá-lo empinado e erguido, pois isso é defeituoso num cavalo, mas deve figurá-lo, por assim dizer, erguido da parte dianteira, como se estivesse correndo ou saltando. Com efeito, nessa postura mostra-se o seu maior vigor.

(18) Mas se alguém trouxer um cordeiro por armas suas, então deve desenhá-lo como se estivesse andando no chão. Com efeito, nessa postura mostra-se muito mais o seu vigor. Semelhante coisa se há de dizer sobre as aves e outros animais.

Notas:
[1] D, 1, 5, 10: Quæritur: hermaphroditum cui comparamus? Et magis puto ejus sexus æstimandum, qui in eo prævalet (Pergunta-se: a qual sexo atribuímos um hermafrodita? Penso que se deve avaliar o que nele mais prevalece).
[2] D, 41, 1, 27, 2: Cum partes duorum dominorum ferrumine cohæreant, hæ cum quæreretur utri cedant, Cassius ait pro portione rei æstimandum vel pro pretio cujusque partis. Sed si neutra alteri accessioni est, videamus, ne aut utriusque esse dicenda sit, sicuti massa confusa, aut ejus, cujus nomine ferruminata est (Estando ligadas por solda as partes de dois donos, perguntar-se-ia para qual dos dois vão. Cássio diz que se deve avaliar pela porção da coisa ou pelo preço de cada parte, mas se nenhuma das duas é um acessório para a outra, vejamos: ou não se deve dizer que é de um e do outro, tal como uma massa confusa, ou que é daquele em cujo nome foi soldada).
[3] D, 3, 1, 6: Bestias autem accipere debemus ex feritate magis, quam ex animalis genere: nam quid si leo sit, sed mansuetus, vel alia dentata bestia mansueta? (Por bestas devemos entender mais com base na ferocidade do que na espécie animal, pois o que dizer se for um leão, porém amansado, ou outra besta amansada de dentes grandes?).

Comentário:

Em postagens anteriores (23/01 e 03/01), lancei dúvidas sobre o caráter heráldico do chamado brasão do Ceará. A esta altura, convém justificá-las. É simples: como se brasona isso?

Brasão do Ceará

O amável leitor poderá responder: basta consultar a descrição oficial. Com efeito, esse símbolo conta com o aparato completo: foi criado e revisado por lei e é regulado por manual de identidade visual. Mas apelar a essa descrição só aumentaria os problemas. Se não, vejamos:

O Brasão do Estado do Ceará será representado por um escudo polônio com campo verde, fendido, figurando na sua parte esquerda sete estrelas, na cor branca, que representam as mesorregiões do Estado, e, sobre o todo, a elipse central, com elementos internos distribuídos em quatro quadrantes, com a linha do horizonte no centro. O primeiro quadrante contém o sol e o farol do Mucuripe; o segundo, a serra e o pássaro; o terceiro, o mar e a jangada; e o quarto, o sertão e a carnaúba, simbolizando os quatros elementos da natureza: fogo, ar, água e terra. Como timbre, a figura de uma fortaleza de construção antiga, cor de ouro, com cinco merlões.

Ora, de linguagem heráldica esse texto só tem as palavras "campo verde, fendido". Em ordem:

  • escudo polônio: não se brasona a forma do escudo, porque é uma escolha meramente artística e para uniformização governamental pode ser estabelecida em desenho oficial, por meio do manual de identidade visual;
  • parte esquerda: como se vê, refere à esquerda do observador, que em heráldica é a destra do escudo;
  • cor branca: em heráldica não há branco, mas prata, que pode ser realizada pela cor branca;
  • representam, simbolizando: o brasonamento deve ser um ordenamento técnico e o mais conciso possível, portanto não se deve alongá-lo com colocações simbológicas;
  • elipse central: sinceramente, não sei o que equivaleria a isso em heráldica, porque a peça que cria um espaço entre o bordo do escudo e o campo é a bordadura, mas ela segue a forma do escudo, e a que cria um espaço no meio é o escudete, que pode ter uma forma diferente do escudo, mas não é tão grande;
  • quatro quadrantes: em heráldica não há quadrantes, mas quartéis, que são partições do campo; se o campo não for dividido, localizam-se as peças ou figuras por nove pontos convencionais;
  • o sol e o farol do Mucuripe etc.: não se brasonam os esmaltes das figuras, mas este nem é o maior problema; são oito figuras numa paisagem! A heráldica não foi feita para dar conta de uma tal complexidade.

Em suma, nem tudo que se põe dentro de um escudo constitui um brasão, pois não se definirá como tal o que não puder ser brasonado. Todavia, não julgue, caro leitor, que faço esta crítica de um ponto de vista pedante. Na verdade, o emblema cearense é belo, significativo e bem empregado (1) e a minha intenção é justamente o contrário: arrazoar que a linguagem heráldica não é tão hermética quanto parece e às vezes, por desconhecimento ou por autêntico pedantismo, é cultivada.

Efetivamente, no trecho que publico hoje, Bártolo revela-nos um dos principais mecanismos dessa linguagem: em heráldica, cada uma das peças e das figuras mais usuais tem um predicativo por defeito, que é desnecessário brasonar, de modo que dizer, por exemplo, leão rampante é um pleonasmo, pois é a sua postura ordinária. Isso por si só já corta excessos; além disso, para expressar predicativos diferentes nem é preciso verbosidade nem rebuscamento. Sendo o francês a língua em que se criou o sistema, opera-se fundamentalmente com dois particípios de origem latina: o particípio presente e o passado. Em geral, aquele supõe movimento e este, estado. Assim, um leão que está de frente para outro, está batalhante; em postura de andar, passantese tem garras de esmalte diferente, está armado; se a língua, lampassado.

Enfim, dizer qual é o esmalte do campo ou das partições, qual é a peça e/ou figura, o seu esmalte e predicativo, se tiver algum diferente do ordinário, tanto se há um só elemento como vários, isso deveria bastar para brasonar quaisquer boas armas. É por isso que talvez a regra mais transcendental da heráldica seja a simplicidade: quanto mais carregado, mais difícil fica sustentar a natureza armorial de um escudo.

Nota:
(1) Se não é um brasão, é o quê? Certamente um emblema, mas para complementar uma definição tão vaga, proponho alguns neologismos: emblema heraldizado
pseudobrasão, insignoide. É claro, não obstante, que se continuará a chamá-lo de brasão, porque assim consagrou o uso.

27/01/21

DE QUE MODO SE TRAZEM EM BANDEIRAS OS SINAIS QUE REPRESENTAM ALGO PREEXISTENTE

"A arte imita a natureza tanto quanto pode" é uma das frases mais potentes de Bártolo no De insigniis et armis, porque aí está a força da heráldica.


Do Tractatus de insigniis et armis (1358), de Bártolo de Sassoferrato:

(14) His præmissis, videamus qualiter portantur in vexillis illa signa quæ significant aliquam rem præexistentem. Ad quod dico quod ars imitatur naturam in quantum potest, unde ista signa debent fieri secundum esse et naturam rei quam figurant et non aliter (D, 1, 7, 16 [1]; D, 1, 7, 29 [2]; D, 1, 5, 14 [3]).

De natura autem vexilli, cum portatur in hasta, secundum illum usum ad quem vexillum est destinatum, hasta præcedit et vexillum sequitur. Unde quodcumque animal quod debemus pingere in vexillo facies ejus debet respicere hastam, cum de natura faciei sit antecedere.

Idem in omni re figurata quæ habet partes quæ denominantur per ante et post, ut in præcedenti membro dictum est. Tunc enim pars rei anterior debet esse versus hastam, alias enim videretur incidere tamquam monstrum. Sed si alicujus rei solummodo pars anterior portaretur pro armis, ut sunt quidam qui faciem arietis vel bovis pro signo suo portant, tunc non potest pars anterior respicere hastam, sed a latere respicit.

(14) Adiantado isso, vejamos de que modo se trazem em bandeiras os sinais que representam alguma coisa preexistente. A propósito disto, digo que a arte imita a natureza tanto quanto pode, daí que esses sinais devam fazer-se segundo o ser e a natureza da coisa que figuram, não de outro modo (D, 1, 7, 16 [1]; D, 1, 7, 29 [2]; D, 1, 5, 14 [3]).

Sobre a natureza da bandeira, como é levada numa haste, conforme o uso ao qual a bandeira está destinada, a haste precede e a bandeira segue. Daí que qualquer animal que devamos pintar na bandeira deve ter a sua face voltada para a haste, dado que é próprio da face preceder.

O mesmo em toda a coisa figurada que tem partes que se denominam por um diante e um detrás, como se disse no parágrafo precedente. Com efeito, a parte dianteira da coisa deve, então, estar em direção à haste; de outra forma ver-se-ia tombar para trás, tal qual um monstro. Mas se se trouxer apenas a parte dianteira de alguma coisa por armas, como alguns que trazem a cara de um carneiro ou de um boi por sinal seu, então a parte dianteira não pode voltar-se para haste, mas sim de frente.

Notas:
[1] D, 1, 7, 16: Adoptio enim in his personis locum habet in quibus etiam natura potest habere (Com efeito, a adoção tem lugar naquelas pessoas nas quais a natureza também pode ter).
[2] D, 1, 7, 29: Si pater naturalis loqui quidem non possit, alio tamen modo quam sermone manifestum facere possit velle se filium suum in adoptionem dare: perinde confirmatur adoptio, ac si jure facta esset (Certamente, se o pai natural não puder falar, mas puder, de um modo diferente da fala, tornar manifesto que quer dar seu filho à adoção, a adoção é igualmente confirmada, como se tivesse sido feita de acordo com o direito).
[3] D, 1, 5, 14: Non sunt liberi, qui contra formam humani generis converso more procreantur: veluti si mulier monstrosum aliquid aut prodigiosum enixa sit (Não são livres aqueles que, transtornado o costume, são engendrados contrariamente à forma da espécie humana. Por exemplo, se uma mulher tiver dado à luz algo monstruoso ou prodigioso).

Comentário:

Se entre os improváveis leitores houver algum versado na língua latina, talvez me tenha acusado de incúria por ainda não ter levantado nos comentários a questão da palavra insignia, presente no título do tratado e profusamente repetida ao longo do texto. Preencho esta lacuna agora. De fato, essa palavra não existe no latim clássico. Nessa norma, o correto é insigne, um substantivo neutro cujo nominativo-acusativo plural é insignia. Acontece que no latim medieval — o padrão no tempo de Bártolo —, tomou-se esse neutro plural por um feminino singular, o que, de resto, ocorreu na evolução do latim para as línguas românicas: folha vem de folia, plural de folium; pera, de pira, plural de pirum. Efetivamente, o latim vulgar transmitiu insignia para o espanhol (enseña), catalão (ensenya), francês (enseigne) e italiano (insegna), mas não para o português. Dispomos apenas do cultismo: insígnia.

Mas o que era um insigne? Era um sinal ou uma marca, também uma insígnia de função; especificamente no plural, eram os distintivos das patentes militares e das tropas. Ao longo da história romana, todas as insígnias de tropas só tiveram em comum o fato de que se penduravam no alto de uma haste: até as reformas de Mário (107 a.C.), eram esculturas de diferentes animais selvagens; depois, impôs-se a águia, símbolo de Júpiter, o deus tutelar do estado. Daí que esse insigne, próprio das legiões, tenha o nome de aquila. Outros insignia eram os signa e os vexilla. Um signum era uma haste carregada de coroas, efígies ou páteras. Um vexillum era literalmente um 'paninho' (diminutivo de velum, donde véu em português); também se trazia numa haste, estendido numa travessa. Como as bandeiras, da forma que as concebemos, e os brasões surgiram na Idade Média, adotaram-se as palavras vexillum e insigne para designar essas coisas em latim.

Cena n.º 8 da Coluna de Trajano (113 d.C.): veem-se uma aquila, um vexillum e alguns signa.
Cena n.º 8 da Coluna de Trajano (113 d.C.): veem-se uma aquila, um vexillum e alguns signa.

Seja como for, esse sistema semiótico caducou, assim como a moda das empresas ou divisas vogou durante os séculos XV e XVI e passou (sobre estas, leia-se a nota 8 da postagem de 11/01), como também tem passado a moda dos monogramas, em voga até pouco tempo atrás (alguém ainda costuma bordar o seu em toalhas, lenços e lençóis?). Em contrapartida, a heráldica está aí há incríveis novecentos anos! O que será que ela tem de diferente que tornou o seu sucesso tão singular? Presumo seja o que Bártolo diz nessa parte do tratado: a heráldica imita tanto quanto pode a natureza. Mais uma vez, o mundo lusófono dispõe de exemplos interessantes (1).

Com efeito, desde tempo antigo inventaram-se as explicações mais mirabolantes para a origem e o significado das armas reais portuguesas, hoje nacionais. Li algumas e ainda me ressinto do tempo perdido. A "clássica" é o chamado Milagre de Ourique: o próprio Jesus Cristo teria aparecido a Dom Afonso Henriques na véspera da batalha e lhe teria dado os escudetes postos em cruz em memória do preço com que comprou o gênero humano e os besantes, daquele com que foi comprado pelos judeus, como conta a terceira parte da Monarquia lusitana (1632), de Frei Antônio Brandão (2). A mais "acadêmica" é que, como só os soberanos podiam cunhar moeda, o primeiro rei português resolveu salientar pelo próprio brasão a quebra da vassalagem para com o rei leonês. Todavia, a minha humilíssima opinião é que as armas assumidas nas primícias da heráldica são arbitrárias e a sua escolha seguia, quando muito, o critério de maximizar a distinção de outras no entorno. Ora, o rei de Leão já usava do animal mais comum, o leão; o de Castela, da obra humana mais comum, o castelo; o de Aragão, da peça mais comum, a pala (ou faixa, dependendo do espaço em que se reproduzisse).

O ponto, caro leitor, é que a heráldica tem uma capacidade ímpar não só de significar, mas de ser significativa. Noutras palavras, ao imitar tanto quanto pode a natureza, a heráldica dota de significado a identidade do senhor feudal que assumiu figuras ou padrões geométricos meramente distintivos, depois mitificados, como também a do cavaleiro que assumiu algum sinal da sua ordem, ou a do bispo que assumiu algum da sua devoção, ou a do artesão, algum do seu ofício, ou a do fidalgo que reivindicou as armas dos seus (supostos) antepassados, ou a do capitalista que recebeu armas alusivas aos seus negócios, ou a de qualquer um de nós que livremente decida assumir armas para si e carregá-las de uma referência genealógica, religiosa, política, profissional ou outra.

Em particular, nesta postagem Bártolo fala-nos de uma heráldica que já tinha tantas regras quanto pôde observar no seu incompleto trabalho, mas distava muito da codificação extrema que na Idade Moderna quase a asfixiou.

F. 90r do armorial De ministerio armorum (John Rylands Library, Latin MS 28).
F. 90r do armorial De ministerio armorum (John Rylands Library, Latin MS 28).

O armorial conhecido como De ministerio armorum, elaborado por um arauto português em 1416, contém exemplos ilustrativos do que Bártolo razoa: observe, prezado leitor, que o fólio reproduzido na imagem acima traz quatro brasões em bandeiras e outros quatro em escudos. São as armas de Frederico o Belicoso, marquês de Meissen (primeiras armas), landgrave da Turíngia (segundas armas), marquês da Marca Oriental (terceiras armas), conde palatino da Saxônia (quartas armas), conde de Orlamünde (quintas armas), burgrave de Altenburg (sextas armas), barão de Isenburg (terceiro escudo, inacabado) e Pleissnerland (sétimas armas). Note que não apenas o leão da primeira bandeira se volta para a haste, mas o do primeiro escudo se acha no mesmo sentido, como se olhasse para a rosa das armas seguintes. 

Como o professor de Perúsia ensina, em heráldica tudo que figura de perfil e tem uma dianteira e uma traseira fica normalmente voltado para a destra (que corresponde à esquerda do observador). Mas na heráldica clássica, mais que obedecer a um ordenamento inflexível, o brasão adequava-se à superfície a ser armoriada. Já vimos isso em relação ao número de peças ou figuras repetidas. A virada de uma figura para a sinistra (a direita do observador), como se reverenciasse o que está a esse lado, é outro aspecto disso. Denomina-se cortesia heráldica.

Notas:
(1) A esta altura da escrita do blog, confesso que não planejei os comentários de antemão e me sinto muito satisfeito em os tecer sempre a partir da história e realidade lusófonas, alcançando o objetivo inicial de preencher um pouco a lacuna com que se depara quem procura na nossa língua portuguesa saber mais sobre heráldica.
(2) Essa lenda veio sendo elaborada pelo menos desde meados do século XV, mas o seu detalhamento merece uma postagem própria.

25/01/21

DE QUE MODO SE HÃO DE PINTAR OU TRAZER AS ARMAS

É indispensável um campo para um brasão, que pode ser um escudo, o mais convencional, ou outra superfície.


Do Tractatus de insigniis et armis (1358), de Bártolo de Sassoferrato:

(13) Secundo principaliter est videndum qualiter ista arma sint pingenda et portanda. Ad quod sciendum est quod quandoque portantur in vexillis, quandoque insuper vestibus hominum, quandoque in clypeis, quandoque in cooperturis lectorum, quandoque depinguntur vel aliter figurantur in parietibus vel aliis similibus locis stabilibus. Circa quod licet prædictorum aliqua videamus.

Circa quæ sciendum est, quod ista signa quandoque sumuntur ex aliqua re existente, ut multi assumunt aliquod animal, vel castrum, vel montem, vel florem, vel aliud simile; quandoque ista signa non sumuntur ex aliqua re præexistente, sed sunt signa simplicia, scilicet variationes quorumdam colorum vel per dimidium, vel per quarteria, vel per aliquas listas rectas vel transversales vel pendentes vel similia; quandoque mixtum est ex utroque.

(13) Em segundo lugar, cumpre ver basicamente como se hão de pintar e trazer essas armas. A propósito disso, cumpre saber que às vezes se trazem em bandeiras, às vezes sobre as vestimentas das pessoas, às vezes em escudos, às vezes nos cobertores de camas, às vezes se pintam ou se figuram de outro modo em paredes e noutros locais firmes similares. Acerca do que é permitido, vejamos algo do que já se disse.

Acerca disso, cumpre saber que às vezes se tomam esses sinais de alguma coisa existente, como algum animal, fortaleza, monte, flor ou algo semelhante, que muitos assumem. Às vezes não se tomam esses sinais de alguma coisa preexistente, mas são sinais simples, ou seja, alternâncias de certas cores, de duas ou de quatro, ou de algumas listras verticais, horizontais, diagonais ou semelhantes. Às vezes misturando-se umas e outras.

Comentário:

A partir deste ponto, começa a segunda parte do Tractatus de insigniis et armis. A primeira, tal como o ilustre leitor terá percebido, foca a dimensão jurídica da armaria. Agora passa a alguns aspectos técnicos. Para Cavallar et alii, não foi Bártolo quem escreveu esta segunda parte, mas o editor da obra e seu genro, Nicola Alessandri. O argumento mais forte que apresentam é o fato de a crítica ter reconhecido a autoria deste noutras obras atribuídas em princípio ao doutor de Sassoferrato. Efetivamente, a leitura atenta discerne algumas diferenças de uma parte para a outra: a linguagem fica menos cuidada e o aparato de referências, mais reduzido. Mas isso pode dever-se simplesmente ao fato de o autor não ter acabado o texto, por causa da sua morte súbita, e, portanto, não o ter revisado. Além disso, certamente se sentia menos à vontade ao se afastar da sua especialidade, o direito. Enfim, toda a obra de Bártolo foi submetida ao exame filológico desde muito cedo e a autoria do De insigniis et armis nunca foi posta em causa. Por tudo isto, acho que é mais uma das questões bizantinas desses estudiosos, que mencionei na postagem de 07/01.

Seja como for, o professor de Perúsia continua a tratar a matéria com tal brilhantismo que muito do que disse sobre ela pela primeira vez tem sido repetido desde então na literatura técnica. Na postagem de hoje, contribui grandemente com o estudo da heráldica neste tempo ao demonstrar que escudo não se confunde com campo.

De fato, como expliquei na postagem anterior, um brasão é um conceito, mas atualmente a heráldica precisa lidar com a noção de desenho oficial. Por exemplo, na mesma postagem, mostrei que no Rio Grande do Norte, apesar da mudança de gestor, o governo do estado ostenta as armas estaduais na sua marca. No entanto, omiti que quando a gestão corrente adotou o desenho que lhe foi apresentado pelo Instituto Histórico e Geográfico (IHGRN), noticiou-se amplamente que se estava resgatando o brasão original, como se até aquele momento tivesse sido tratado, como diz Bártolo, de forma vituperiosa. Ora, o que o IHGRN recuperou, na verdade, foi o desenho de Corbiniano Vilaça, o artista que criou o brasão em 1909. Quaisquer outras reproduções que obedeçam à descrição legal e, pela deficiência heráldica desta, ao dito desenho são igualmente corretas (1). A ressalva não está na concreção do conceito, mas sim na aplicação: evidentemente, o governo há de aplicar no que lhe compete o desenho que resolveu adotar, de acordo com o seu manual de identidade visual, se tiver um.

Outro exemplo ilustrativo, mas no sentido contrário, são as armas imperiais brasileiras. O primeiro resultado de uma busca por elas no Google é uma reprodução com o escudo dito "inglês". Não falta quem ache que se o desenho diferir desse, está errado. Nada mais distante das práticas heráldicas do próprio Império: o brasão é o conceito estabelecido pelo Decreto de 18 de setembro de 1822 (2) e a escolha momentânea do escudo é pura arte.

As armas nacionais nas moedas durante o Império

Em outras palavras, não havia desenho oficial nem tal noção, como também não houve desde a origem da heráldica até o nosso tempo. Daí que para Bártolo, em meados do século XIV, o escudo era apenas um dos possíveis campos para ordenar um brasão. Com efeito, foi no fim da Idade Média que se deixou de cobrir toda a superfície do objeto com as armas e se passou a reproduzi-las de modo estável dentro de um escudo. Novamente, Portugal é um exemplo interessante, neste caso porque antes da monarquia constitucional a sua bandeira real só teve duas formas.

Batalha de Aljubarrota (British Library, Royal MS 14 E IV, f. 204r).
Batalha de Aljubarrota (British Library, Royal MS 14 E IV, f. 204r).

A iluminura acima está contida numa cópia do terceiro volume das Chroniques d'Angleterre, de Jean de Wavrin, elaborada durante a sétima década do século XV. A batalha aconteceu em 1385 e foi o episódio final da guerra pela sucessão ao trono português que opôs Dom João I de Portugal e João I de Castela, aquele por ser filho bastardo de Dom Pedro I e este por ser esposo de Dona Beatriz de Portugal, filha de Dom Fernando I. Veem-se as armas de cada um nas gualdrapas dos cavalos e nas bandeiras (a do castelhano deitada no chão). Estas são o que hoje se denomina bandeira heráldica, ou seja, o pano serve de campo para as armas tal como figurariam num escudo.

Vila nova da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção da capitania do Ceará Grande, que Sua Majestade, que Deus guarde, foi servido mandar criar em 1726 (Arquivo Histórico Ultramarino, Coleção Cartográfica e Iconográfica Manuscrita, n.º 848).
Vila nova da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção da capitania do Ceará Grande, que Sua Majestade, que Deus guarde, foi servido mandar criar em 1726 (Arquivo Histórico Ultramarino, Coleção Cartográfica e Iconográfica Manuscrita, n.º 848).

O desenho acima é uma espécie de planta que mapeia a vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção por volta de 1730. Hoje é a capital do estado do Ceará e uma metrópole regional. Sobre a fortaleza que lhe deu nome e nesse momento não passava de uma paliçada, vê-se a forma moderna da bandeira real: um pano branco com as armas do Reino no centro.

Enfim, outra prova da genialidade de Bártolo é que distingue pela primeira vez partições, peças e figuras. Às partições refere como "alternâncias de certas cores"; às peças, como "algumas listras verticais, horizontais, diagonais ou semelhantes" (literalmente "direitas, transversais ou pendentes"); às figuras, como "alguma coisa existente, como algum animal, fortaleza, monte, flor ou algo semelhante". Com efeito, as partições são o campo multiplicado por linhas verticais, horizontais ou diagonais; as peças são figuras geométricas, a maioria delas formada por linhas nos mesmos sentidos das partições; as figuras são desenhos do que há no céu, na terra e nas águas e da obra humana (3). Podemos aprofundar isto nas próximas postagens.

Notas:
(1) O ato de criação é o Decreto n.º 201, de 1.º de julho de 1909, mas pela Internet não o acho em fonte oficial. Vou citá-lo, então, a partir do livro Brasões e bandeiras do Brasil (1933, p. 220-221), de Clóvis Ribeiro: "O brasão d'armas do Rio Grande do Norte é um escudo de campo aberto, dividido a dois terços de altura, tendo no plano inferior o mar, onde navega uma jangada de pescadores, que representam as indústrias do sal e da pesca. No terço superior, em campo de prata, duas flores aos lados e ao centro dois capulhos de algodoeiro. Ladeiam o escudo, em toda a sua altura, um coqueiro à direita e uma carnaúba à esquerda, tendo os troncos ligados por duas canas-de-açúcar, presas por um laço com as cores nacionais. Tanto os móveis do escudo como os emblemas, em cores naturais, representam a flora principal do estado. Cobre o escudo uma estrela branca, simbolizando o Rio Grande do Norte na União brasileira". Isso é exemplo de ótima ideia com péssimo ordenamento e por isso merece uma futura postagem específica.
(2) Não custa repetir (vide a postagem de 09/01): "em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul".
(3) Às vezes não se distinguem peças e figuras e chama-se peça tanto a uma coisa como à outra. Às vezes emprega-se o termo móvel para a figura, mas arrisco afirmar que se trata de um galicismo e é mais vernáculo dizer mesmo figura.

23/01/21

O QUE SÃO OS SINAIS DE OFÍCIO

O brasão é um conceito e, como tal, pode ser realizado em diferentes estilos artísticos, todos igualmente corretos se obedecido o brasonamento.


Do Tractatus de insigniis et armis (1358), de Bártolo de Sassoferrato:

(12) Quædam vero sunt insignia alicujus societatis et negotiationis, et hic cum societas non transeat ad heredem non est tractandum de herede. Sed apud quem remanebit signum societate divisa? Quod enim utantur omnes eodem signo non est æquum, ut dictum est. Si quidem erat unus in societate qui erat capitaneus et quasi magister societatis, sicut dicimus in simili (D, 31, 1, 65, 1 [1]), tunc apud eum debet remanere signum, quia ipse erat inter eos majoris honoris (D, 22, 4, 6 [2]). Si vero hic non erat, tunc apud eum remanebit qui erat socius majoris quantitatis (D, 10, 2, 5 [3]). Quid si omnes sunt æquales? Tunc sorte dirimendum est (D, 10, 2, 5).

Puto tamen quod si dissoluta societate unus ex sociis remanet negotiator, alii non, quod apud eum qui remanet negotiator debet remanere signum et hoc quia aliorum non interest. Item quia licet sit dissoluta societas, tamen negotiatio remanet penes illum. Ergo iniquum esset quod signum, quod erat accessorium illius negotiationis, ab eo separetur (C, 3, 38, 11 [4]).

Quædam vero sunt cujusdam artificii seu peritiæ. Et hic advertendum, quandoque sunt signa artificii in quo principaliter operatur qualitas loci. Exemplum: in marchia Anconitana est quoddam castrum nobile, cujus nomen est Fabrianum, ubi artificium faciendi chartas de papyro principaliter viget, ibique sunt multa ædificia ad hoc, et ex quibusdam ædificiis meliores chartæ proveniunt, licet ibi faciat multum bonitas operantis. Et, ut videmus, quodlibet folium chartæ suum habet signum, propter quod significatur cujus ædificii est charta. Dico ergo quod isto casu apud illum remanebit signum apud quem remanebit ædificium in quo fit, sive jure proprietatis, sive jure conductionis, sive quovis alio titulo, sive in totum, sive in partem, sive etiam mala fide teneat, toto tempore quo tenet non potest prohiberi uti signo, sicut in ceteris juribus realibus (D, 8, 3, 23, 3 [5]; D, 8, 5, 2 [6]; D, 8, 5, 3 [7]). Item in conductore talium ædificiorum (D, 19, 2 [8]).

Quædam sunt signa artificii in quo principaliter viget bonitas artificis, ut videmus in signis quæ apponuntur in spathis vel gladiis et aliis operibus metallorum. Et isto casu omnes qui sunt in una statione possunt uti illo signo, quasi magister principalis illius stationis approbet illa opera (N, 44, 1 [9], et notatur in glossa quæ incipit Cave tibi, in fine glossæ). Si vero separantur, tunc signum debet remanere apud eum qui principaliter erat in statione (D, 22, 4, 6, et supra proxime dixi). Si vero omnes erant æquales, nisi in unum conveniant, apud quem remaneat signum sorte dirimatur (D, 10, 2, 5).

(12) Certas insígnias, porém, são de alguma sociedade e negócio. Não tendo passado a sociedade ao herdeiro, não há que se tratar sobre herdeiro. Mas, dividida a sociedade, com quem ficará o sinal? Com efeito, não é justo que todos usem do mesmo sinal, como se disse. Se havia um na sociedade que era o chefe, como que o mestre da sociedade, tal como se diz em semelhantes coisas (D, 31, 1, 65, 1 [1]), então é com ele que deve ficar o sinal, porque entre eles era o de maior honra (D, 22, 4, 6 [2]). Porém, se não o havia, então ficará com o que era o sócio da maior cota (D, 10, 2, 5 [3]). Ora, se todos são iguais? Então se há de dirimir pela sorte (D, 10, 2, 5).

No entanto, penso que, dissolvida a sociedade, se um dos sócios permanece negociante, outros não, o sinal deve ficar com aquele que permanece negociante. Isso porque não afeta os outros. Outrossim porque, embora se tenha dissolvido a sociedade, o negócio permanece, no entanto, nas suas mãos. De fato, é injusto que o sinal, que era um acessório do negócio, seja separado dele (C, 3, 38, 11 [4]).

Certas insígnias, porém, são de certo ofício ou habilidade e cabe advertir que às vezes há sinais de ofício em que se patenteia principalmente a qualidade do lugar. Exemplo: na Marca de Ancona há certo nobre burgo, chamado Fabriano, onde floresce principalmente o ofício de fabricar papel. Há aí muitas fábricas para tal e de certas fábricas saem papéis melhores. Isso pode ter muito a ver com a qualificação do trabalhador. Como vemos, uma folha de papel qualquer tem o seu sinal, por meio do qual se denota de qual fábrica é o papel. Por conseguinte, digo que nesse caso o sinal ficará com aquele com quem ficará a fábrica, seja por direito de propriedade, por direito de arrendamento ou a qualquer outro título, seja no todo, em parte ou mesmo se o tiver de má fé, por todo o tempo que o tem não se pode proibir usar o sinal, assim como nos demais direitos de coisas (D, 8, 3, 23, 3 [5]; D, 8, 5, 2, 3 [6]; D. 8, 5, 3 [7]). Outrossim quanto aos rendeiros de tais fábricas (D, 19, 2 [8]).

Certos sinais são de um ofício em que se patenteia principalmente a qualificação do artesão, como vemos nos sinais que se apõem aos sabres ou às espadas e a outras obras de metais. Nesse caso, todos que se mantêm num posto podem usar desse sinal, como se o mestre principal do posto validasse essas obras (como em N, 44, 1 [9] e confira-se a glosa que começa por Cave tibi, no fim da glosa). Porém se se separam, então o sinal deve ficar com aquele que era o principal no posto (D, 22, 4, 6 e o que disse logo acima). Mas se todos eram iguais e não se avêm, dirima-se pela sorte com quem o sinal há de ficar (D, 10, 2, 5).

Notas:
[1] D, 31, 65: Peculium legatum augeri et minui potest, si res peculii postea esse incipiant aut desinant. Idem in familia erit, sive universam familiam suam sive certam (veluti urbanam aut rusticam) legaverit ac postea servorum officia vel ministeria mutaverit (Pode-se aumentar ou diminuir o pecúlio legado se posteriormente algumas coisas começarem a ser do pecúlio ou deixarem. O mesmo se dará quanto à escravaria, se tiver legado a sua escravaria, seja inteira, seja certa parte (quer urbana ou rural), e depois tiver mudado os deveres ou serviços dos escravos).
[2] D, 22, 4, 6: Si de tabulis testamenti deponendis agatur et dubitetur, cui eas deponi oportet, semper seniorem juniori et amplioris honoris inferiori et marem feminæ et ingenuum libertino præferemus (Se for tratado de se depositar as tábuas de um testamento e se duvidar para qual cabe depositar-se, sempre preferiremos o mais velho ao mais jovem, o de maior honra ao inferior, o macho à fêmea e o livre de nascença ao liberto).
[3] D, 10, 2, 5: Si quæ sunt cautiones hereditariæ, eas judex curare debet ut apud eum maneant, qui majore ex parte heres sit, ceteri descriptum et recognitum faciant, cautione interposita, ut, cum res exegerit, ipsæ exhibeantur. Si omnes isdem ex partibus heredes sint nec inter eos conveniat, apud quem potius esse debeant, sortiri eos oportet: aut ex consensu vel suffragio eligendus est amicus, apud quem deponantur: vel in æde sacra deponi debent (Se algumas são cauções hereditárias, o juiz deve cuidá-las para ficarem com aquele que for o herdeiro da maior parte. Façam os demais uma cópia e uma certidão com uma caução intercalada; quando algo o tiver exigido, mostrem-se-lhes as mesmas. Se todos os herdeiros forem das mesmas partes e não convier entre eles com qual devam preferivelmente estar, é preciso serem sorteados, ou deve escolher-se por consenso ou por votação um amigo junto ao qual sejam depositados, ou devem ser depositados num templo sagrado).
[4] C, 3, 38, 11: Possessionum divisiones sic fieri oportet, ut integra apud successorem unumquemque servorum vel colonorum adscripticiæ conditionis seu inquilinorum proxima agnatio vel affinitas permaneret (É preciso fazerem-se assim as divisões das posses: que a linhagem ou parentela mais próxima dos servos, dos colonos de condição adscritícia ou dos inquilinos permaneça íntegra com cada sucessor).
[5] D, 8, 3, 23, 3: Quæcumque servitus fundo debetur, omnibus ejus partibus debetur: et ideo quamvis particulatim venierit, omnes partes servitus sequitur et ita, ut singuli recte agant jus sibi esse eundi. Si tamen fundus, cui servitus debetur, certis regionibus inter plures dominos divisus est, quamvis omnibus partibus servitus debeatur, tamen opus est, ut hi, qui non proximas partes servienti fundo habebunt, transitum per reliquas partes fundi divisi jure habeant aut, si proximi patiantur, transeant (Deve-se uma servidão qualquer a um fundo, deve-se a todas as suas partes. Por isso, mesmo vendido por partes, a servidão segue todas as partes, de modo que cada qual pleiteia corretamente que tem o direito do fundo. No entanto, se o fundo ao qual se deve a servidão foi dividido entre vários donos por determinados setores, mesmo que se deva a servidão a todas as partes, no entanto é necessário que quem tiver partes não vizinhas no fundo servente tenha por direito a passagem através das partes restantes do fundo dividido, ou que passem se os vizinhos os abrirem).
[6] D, 8, 5, 2, 3: Pro sententia Juliani facit, quod Labeo scribit, etiam si testator usus sit qui legavit usum fructum, debere utile interdictum fructuario dari, quemadmodum heredi vel emptori competunt hæc interdicta (A favor da sentença de Juliano age o que escreve Labeão: que, embora o testador que legou o usufruto tenha usado, deve dar-se o interdito útil ao usufrutuário, do mesmo modo que esses interditos competem ao herdeiro ou ao comprador).
[7] D, 8, 5, 3Sed et si partem fundi quis emerit, idem dicendum est (Mas também se alguém tiver comprado uma parte do fundo, há de se dizer o mesmo).
[8] D, 19, 2: [11, 2] Item prospicere debet conductor, ne aliquo vel jus rei vel corpus deterius faciat vel fieri patiatur. [19, 2] Illud nobis videndum est, si quis fundum locaverit, quæ soleat instrumenti nomine conductori præstare, quæque si non præstet, ex locato tenetur (Outrossim, o rendeiro deve ter cuidado para não tornar nada pior, quer o direito da coisa quer o conjunto, ou sofrer de modo a tornar-se).
[9] N, 44, 1: Nos autem credimus oportere universis auxiliari et communem in omnibus facere legem, quatenus præpositis operi tabellionum ipsis per se omnibus modis injungatur documentum, et dum dimittitur intersint, et non aliter imponatur chartæ completio nisi hæc gerantur: ut habeant unde sciant negotium et interrogati a judicibus possint quæ subsecuta cognoscere et respondere (Nós cremos ser preciso aliviar a todos e fazer uma lei comum em tudo, porquanto o documento seja, de todo modo, imposto pelos próprios presentes ao trabalho dos tabeliões por si mesmos e estejam presentes enquanto se despacha, de outro modo não se imponha acabamento ao papel, a não ser que se administrem de modo que tenham como conhecer o negócio e, interrogados pelos juízes, possam reconhecer e responder o que se subseguiu).

Comentário:

Na postagem de 13/01, falei pela primeira vez do Regimento de nobreza dos reis de armas, promulgado pelo rei Dom Manuel I em 1512 e vigente em Portugal e no Brasil até o fim das monarquias, e desde então não parei de mencioná-lo. Hoje chamo a sua atenção, caro leitor, para um aspecto observável pelo modelo de carta de armas novas, que transcrevi em 17/01. Assinalando o auge do fortalecimento da potestade régia, o rei compara-se a Deus e entende que o brasão é um prêmio imperecível, assim como a glória para o justo na vida eterna. De fato, um brasão não é um objeto concreto, pintado ou esculpido, mas um conceito. É por isso que ele é o que em linguística se denomina multimodal: é imagem e também texto em linguagem verbal. Afinal, o tempo carcome a pintura e a escultura, mas a palavra escrita e lida é imortal.

Detalhe do padrão chantado pelos portugueses na costa do Rio Grande do Norte em 1501, daí chamada Praia do Marco (atualmente termo do município de São Miguel do Gostoso), um dos mais antigos exemplares das armas reais portuguesas no Brasil, hoje conservado no museu da Fortaleza dos Reis Magos, em Natal (foto de Alex Uchoa).
Detalhe do padrão chantado pelos portugueses na costa do Rio Grande do Norte em 1501, daí chamada Praia do Marco (atualmente termo do município de São Miguel do Gostoso), um dos mais antigos exemplares das armas reais portuguesas no Brasil, hoje conservado no museu da Fortaleza dos Reis Magos, em Natal (foto de Alex Uchoa).

Apesar da falta de concretude, um brasão de armas também é um bem: tem um dono, que pode usá-lo como dita o costume e legá-lo ao seu herdeiro. Daí que a carta cuide em enunciar que "com elas possa entrar em batalhas, campos, duelos, reptos, escaramuças, desafios, justas e torneios, e exercitar com elas todos os outros autos lícitos de guerra e paz; e assim as poderá trazer em seus firmais, anéis, sinetes e divisas, e as pôr em suas casas e edifícios, e deixá-las sobre sua própria sepultura, e finalmente servir-se e honrar-se e aproveitar e gozar delas em tudo e por tudo".

Armas imperiais brasileiras no frontispício da Câmara Municipal de Sobral (1851). É a única sede de poder público que preservou esse brasão e já observei pessoalmente (recorte de foto disponível na Wikimedia Commons).
Armas imperiais brasileiras no frontispício da Câmara Municipal de Sobral (1851). É a única sede de poder público que preservou esse brasão e já observei pessoalmente (recorte de foto disponível na Wikimedia Commons). (1)

À medida que a maioria das monarquias ocidentais foi dando lugar a repúblicas, aboliram-se os foros de nobreza e desses usos os poucos que então restavam tornaram-se assunto privado do cidadão. Não obstante, nalguns desses países quem fizer questão de procurar a tutela do estado para as suas armas terá de pedir um registro de marca. Coincidência com o texto de Bártolo? Acho que o brilhante doutor de Sassoferrato é que, tendo observado que o amparo legal do brasão podia ser análogo ao da marca, se adiantou em muitos séculos ao destino dessa matéria nos nossos dias, se bem que me custa imaginar alguém dispendendo tempo e dinheiro para tentar registrar um brasão pessoal por esse meio. Penso que a proteção mais efetiva que alguém pode dar às suas armas é usá-las, de modo que ante uma remota usurpação, disponha de provas de que lhe pertencem por direito de uso.

Brasão do Rio Grande do Norte na fachada do Instituto Histórico e Geográfico (IHGRN).
Brasão do Rio Grande do Norte na fachada do Instituto Histórico e Geográfico (IHGRN).

Por outro lado, à "deseraldização" das relações sociais entre as pessoas físicas na Idade Contemporânea corresponde à "heraldização" das pessoas jurídicas de direito público (2). Vivemos cercados por essas armas, desde o brasão imperial, preservado na frontaria de um prédio histórico até a marca da gestão municipal recém-iniciada, com a incorporação do respectivo brasão. Com efeito, nos últimos anos vários estados e municípios brasileiros aprovaram leis que puseram fim à má prática da marca de governo e impuseram a boa prática do símbolo oficial: sai um mandatário, entra outro, este pode até adotar um desenho novo, mas o símbolo trascende e remanesce, tal como deve ser. Quem dera o Congresso Nacional aprovasse algo semelhante para a União e toda a administração pública federal uniformizasse o uso das armas nacionais, nomeadamente em reprodução monocromática.

Marca do governo do Rio Grande do Norte durante a gestão de Robinson Faria (2015-2018).
Marca do governo do Rio Grande do Norte durante a gestão de Robinson Faria (2015-2018).

Marca do governo do Rio Grande do Norte na gestão de Fátima Bezerra (2019-atual).
Marca do governo do Rio Grande do Norte na gestão de Fátima Bezerra (2019-atual).

Há poucos dias, viajei ao Ceará (minha terra natal) e dá gosto ver que o governo do estado e a prefeitura de Fortaleza apõem o respectivo emblema em toda a parte onde se fazem presentes, seja nos muros das escolas, nas latarias dos transportes públicos ou mesmo nas placas de identificação ao longo das rodovias estaduais. Isso é a essência da heráldica, que atravessou séculos e não feneceu, apesar de todas as mudanças sociais: um brasão diz do seu titular "eu estou aqui, isto é propriedade minha". A gente até esquece que o brasão cearense tem uma qualidade heráldica um tanto duvidosa...

Notas:
(1) No Rio Grande do Norte, a Casa de Câmara e Cadeia de Acari, hoje Museu Histórico, o brasão esculpido no tímpano claramente seria o imperial, mas como o prédio foi acabado em 1887, parece que as armas ficaram inacabadas. Desconheço outras reproduções coetâneas das armas imperiais no estado.
(2) Com efeito, os brasões desses entes são protegidos atualmente não só pelas legislações nacionais e subnacionais, mas também por uma convenção internacional, não por coincidência relativa ao registro de marcas: a Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, cujo Art. 6.º ter. diz que "(1)a)) [o]s países da União acordam em recusar ou invalidar o registro e em impedir, através de medidas adequadas, o uso, sem autorização das autoridades competentes, quer como marcas de fábrica ou de comércio, quer como elementos dessas marcas, de armas, bandeiras e outros emblemas de Estado dos países da União, sinais e timbre oficiais de fiscalização e de garantia por ele adotados, bem como qualquer imitação do ponto de vista heráldico". Tanto o Brasil como Portugal são signatários originais e desenvolveram esse dispositivo nas suas legislações, respectivamente o Art. 191 da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, e o Art. 192 do Decreto-Lei n.º 110/2018.