06/09/21

A REPRODUÇÃO

A reprodução é a realização do brasão por meio das artes visuais.

Um brasão não é uma pintura, escultura, estampa ou bordado, mas um conceito. Esse conceito é expresso em linguagem verbal, o que se denomina brasonamento. O brasonamento constitui uma descrição técnica, por isso emprega termos raros ou mesmo ausentes do colóquio diário e os encadeia também de modo peculiar, como, de resto, acontece em qualquer arte ou ciência. E como em qualquer arte ou ciência, é preciso estudar essa linguagem técnica para produzir e compreender textos nela. É a descrição verbal que garante a reprodução do mesmo brasão mediante artes e estilos diversos.

A reprodução: exemplos das armas reais portuguesas na literatura heráldica autóctone. De ministerio armorum; Livro do Armeiro-Mor; Livro da nobreza e perfeição das armas; Troféus lusitanos; Tesouro de nobreza; História genealógica da Casa Real Portuguesa; Tesouro da nobreza de Portugal.
A reprodução: exemplos das armas reais portuguesas na literatura heráldica autóctone.

Há duas espécies de estilo. Um é o da época: a heráldica surgiu sob a vigência da arte românica, que imprimiu nela, especialmente na sua sistematização, traços perenes, como o gosto pelos arranjos geométricos, a estilização das figuras, a superposição dos planos, a hierarquização do conteúdo no continente, o preenchimento dos quadros (horror vacui), o uso de cores absolutas (sem gradação nem sombra). No entanto, a heráldica nunca ficou imune à influência dos movimentos estéticos que se seguiram. Isso se percebe primeiro no contraste entre o escudo e os ornamentos externos. Com efeito, no período clássico da heráldica as figuras eram desenhadas em duas dimensões, mas os ornamentos externos se desenvolveram já na Idade Moderna e, por isso, são desenhados em três dimensões. Nos grandes trabalhos heráldicos de diferentes momentos, vê-se ademais como o desenho se veio fazendo cada vez mais naturalista desde o século XVI até o começo do XX. No segundo quartel desse século, o estudo da heráldica foi renovado por perspectivas acadêmicas que revalorizaram o desenho heráldico clássico. É o estilo que chamo de convencional, cuja característica principal é a estilização das figuras.

A reprodução: exemplos das armas reais portuguesas na moeda durante a monarquia constitucional.
A reprodução: exemplos das armas reais portuguesas na moeda durante a monarquia constitucional.

Enfim, a segunda espécie de estilo é o pessoal. Ironicamente, nesse período em que os estudos heráldicos ganharam consistência científica, o seu conhecimento decaiu notavelmente. Ora, sempre foi pacífico que cada artista reproduz um brasão conforme o seu estilo próprio, mas hoje se tende ao equívoco de que a reprodução de um brasão consiste em imitar certo desenho, tido por padrão. Um brasão é um conceito multimodal, articulado em linguagem verbal e realizado em linguagem visual.

04/09/21

A DIVISA

A divisa é uma legenda que exprime um ideal do armígero.

Brasão de Salvador: de azul com uma pomba estendida de prata, membrada de vermelho, segurando um ramo de oliveira de verde com o bico; timbre: coroa mural de cinco torres de prata; suportes: dois golfinhos de ouro; divisa: Sic illa ad arcam reversa est, escrita de prata em listel de azul (desenho usado pela câmara municipal).
Brasão de Salvador: de azul com uma pomba estendida de prata, membrada de vermelho, segurando um ramo de oliveira de verde com o bico; timbre: coroa mural de cinco torres de prata; suportes: dois golfinhos de ouro; divisa: Sic illa ad arcam reversa est, escrita de prata em listel de azul (desenho usado pela câmara municipal).

A divisa ou mote consiste numa sentença curta, que enuncia um princípio, valor ou aspiração. Pode estar em qualquer idioma, mas com larga vantagem predomina o latim, a língua clássica do Ocidente. Em geral, inscreve-se num filactério, que se denomina listel e fica abaixo do escudo.

A divisa: exemplos da armaria brasileira. Pax et labor; Poder, prosperidade, altruísmo; Fortitudine; Pela grandeza da pátria; Intrepida ab origine; Ut luceat omnibus; Ubique patriae memor; Sic illa ad arcam reversa est; Non ducor, duco; Victoria.
A divisa: exemplos da armaria brasileira.

Inscrever o nome do armígero no listel para identificá-lo é redundante, pois o brasão é, por si, um identificador.

02/09/21

O SUPORTE

O suporte é uma figura que se põe ao lado do escudo ou sob ele.

O suporte: exemplos das armas reais portuguesas. Cruz da Ordem de Avis; cruz da Ordem de Cristo; esfera armilar; anjos; serpes; ramos de louro e carvalho.
O suporte: exemplos das armas reais portuguesas. (1)

Em contraposição ao timbre, na armaria portuguesa o suporte é raro, mas se tornou habitual na heráldica estatal brasileira. Eventualmente, pode consistir numa única figura, neste caso geralmente sob o escudo, como uma âncora. Também sob o escudo podem figurar dois suportes, como as chaves petrinas. De fato, comumente aparecem em par, mas ladeando o escudo. Podem ser quaisquer figuras, as mais frequentes as mesmas que constituem as armas, porém a estética impõe que sejam figuras alongadas, daí que das plantas se prefiram os ramos e os animais costumem figurar na posição rampante. À figura do ser humano ou antropomórfico dá-se o nome de tenente, o que, francamente, não passa de preciosismo.

Nota:
(1) Todos esses exemplos são históricos: a cruz da Ordem de Avis aparece na escultura que orna o gablete do pórtico lateral do Mosteiro da Batalha; a cruz da Ordem de Cristo, acima do pórtico da Igreja da Misericórdia, em Angra do Heroísmo; a esfera armilar (não confundir com as armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), no anverso da macuta, moeda de cobre que circulou na África portuguesa; os anjos foram habituais desde o fim do século XV até o começo do XVIII; as serpes são mais uma atribuição de autores estrangeiros do que um uso nacional, mas foram pintadas na Carruagem da Coroa; os ramos de louro e carvalho, às vezes combinados com palmas, foram habituais durante a monarquia constitucional.