Recursos heráldicos como a diferença ou brisura podem ser aplicados com sucesso à vexilologia.
Em Portugal, o país de que nos separamos, têm as suas próprias bandeiras o presidente da República, a Assembleia da República, o primeiro-ministro e os ministros do governo. Nos Estados Unidos, o país que inspirou a nossa república, têm-nas o presidente, o vice-presidente, os departamentos e secretários de governo, o Senado e a Câmara dos Representantes, entre tantos outros. Na Argentina, o vizinho com quem mantemos relações mais estreitas, apenas o presidente tem uma bandeira, na verdade a nacional com dizeres dourados sobre as faixas azul-celestes.
Esses exemplos demonstram que, ressalvando a convenção de se ordenar um vexilo próprio para o chefe do estado, o juízo de que convêm outros a outros varia grandemente. No Brasil, além do presidente, têm a chamada bandeira-insígnia o vice-presidente e o ministro da Defesa.
O estandarte do vice-presidente foi adotado pelo Decreto n.º 69.026, de 6 de agosto de 1971, quando ocupava esse cargo o Almirante Augusto Rademaker, daí a semelhança com o jaque nacional. Como este, traz estrelas postas em cruz, mas o número delas difere, assim como as cores: vinte e três azuis em campo amarelo; no cantão, as armas nacionais. Deste parece derivar o estandarte do ministro da Defesa, que foi criado pelo Decreto n.º 6.941, de 18 de agosto de 2009: as mesmas cores, mas vinte e uma estrelas, as armas nacionais, reduzidas ao escudo e à estrela que o suporta, e o batente bífido.
Convém lembrar que o jaque nacional foi ordenado pelo Decreto n.º 544, de 18 de dezembro de 1847, alterado pelo Decreto n.º 216-E, de 22 de fevereiro de 1890, e está regulado pelo Cerimonial da Marinha do Brasil. É azul-marinho e tem vinte e uma estrelas brancas, treze no sentido do comprimento e nove no da largura, contando-se com a do centro.
Além do Executivo, apenas o Senado Federal usa de vexilo próprio: as armas nacionais em campo azul e, por baixo, o nome da casa em letras maiúsculas brancas. Não acho o ato da sua criação, nem mesmo a data.
Proposta de estandarte para o vice-presidente da República. |
Passemos à crítica. Dos três modelos que citei no princípio, o português medeia entre a exuberância norte-americana e a modéstia argentina. Assim, considerando que, segundo o artigo 2.º da Constituição Federal, os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si, parece-me razoável que todos os seus chefes tenham bandeiras-insígnias ou estandartes (1). No entanto, o modelo não deveria ser a bandeira do Cruzeiro, e sim o próprio estandarte presidencial. Aquela deveria servir de modelo aos estandartes das Forças Armadas e dos seus comandantes.
Proposta de estandarte para o presidente do Senado Federal. |
Pensando heraldicamente, o vice-presidente da República, como substituto do presidente e, no caso de vacância, sucessor seu (CF, art. 79), deveria, pois, trazer uma bandeira verde com as armas nacionais, mas com a sua diferença ou brisura. Uma peça que funciona bem como tal, tanto em brasões como em bandeiras, é a bordadura. Portanto, para fazer o estandarte do vice-presidente bastaria acrescentar ao campo verde uma bordadura amarela, a outra das cores nacionais.
Proposta de estandarte para o presidente da Câmara dos Deputados. |
O mesmo raciocínio poderia guiar a criação de estandartes para os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, alternando-se as outras cores presentes na bandeira nacional: o azul e o branco. Como o artigo 44 da Constituição diz que o Poder Legislativo é exercido por ambas as casas, componentes do Congresso Nacional, conviria que ambos os estandartes trouxessem as armas nacionais e tivessem uma bordadura: azul com a bordadura branca o do presidente do Senado; branco com a bordadura azul o do presidente da Câmara.
Proposta de estandarte para o presidente do Supremo Tribunal Federal. |
Ao Poder Judiciário não é, todavia, possível aplicar o recurso à bordadura, pois o artigo 92 da Constituição estabelece que os seus órgãos são todos os tribunais e juízes. Apesar disto, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) segue ao presidente do Senado na sucessão à Presidência da República e ao presidente da Câmara dos Deputados na ordem geral de precedência. Estes fatos condizem com o porte de um estandarte, o qual, como os já propostos, traria as armas nacionais, mas o campo da cor branca, tida comumente por neutra, assim como deve ser a justiça.
Propostas de estandartes para os presidentes dos tribunais superiores. |
Não creio que convenham estandartes aos presidentes dos demais tribunais superiores, mas para demonstrar que a partir de uma ideia singela a heráldica pode fornecer soluções elegantes à vexilologia, ao campo branco eu acrescentaria uma cruz para distinguir o Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma aspa para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), uma faixa para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e uma banda para o Superior Tribunal Militar (STM), todas essas peças em verde e amarelo, medindo um quinto da largura da bandeira e, sobre cada uma, as armas nacionais.
(1) Uso os termos estandarte e bandeira-insígnia de modo intercambiável, pois este segundo é uma particularidade brasileira, ao passo que aquele é geralmente entendido como o sinal vexilar de certo cargo ou de certa pessoa jurídica de direito privado. Em contrapartida, as Forças Armadas do Brasil parecem entender por estandarte uma bandeira de desfile.
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