13/12/23

BANDEIRAS PACIFICADORAS: CHIPRE

Certas bandeiras apaziguam desavenças, mas acabam sendo pouco representativas.

Chipre faz parte do mundo grego desde o fim do período micênico, no século XII a.C., mas os cipriotas nunca tiveram um estado próprio até 1960. Cingindo a sua história às eras moderna e contemporânea, a ilha esteve sob domínio veneziano até 1571, otomano até 1878 e, por fim, britânico. Durante todo o domínio otomano, houve conversão dos ilhéus ao Islã e migrações da Anatólia para a ilha. Esses dois movimentos conformaram a população turco-cipriota, que somava 18,2% do censo em 1960. Os greco-cipriotas eram então 77,1%.

Bandeira de Chipre.
Bandeira de Chipre.

A independência foi acordada pela Grã-Bretanha, pela Grécia e pela Turquia em duas conferências, a primeira em Zurique e a segunda, de que participaram representantes greco-cipriotas e turco-cipriotas, em Londres, ambas em fevereiro de 1959 e na sequência de uma luta armada que vinha desde 1955. Esta opunha a EOKA (Ethnikē Orgánōsis Kypríōn Agōnistôn, isto é, 'Organização Nacional dos Combatentes Cipriotas'), que defendia a união (Énōsis) com a Grécia e era apoiada por esse país, contra o domínio colonial e a TMT (Türk Mukavemet Teşkilatı, isto é, 'Organização da Resistência Turca'), que defendia a divisão (Taksim) de Chipre e era apoiada pela Turquia.

Os acordos de Londres encaminharam a constituição de um estado estranho: teria um presidente greco-cipriota e um vice-presidente turco-cipriota e todas as instituições funcionaram com base num sistema de cotas e contrapesos, de modo que as duas comunidades convivessem pacificamente, tudo sob a garantia de que os greco-cipriotas não se uniriam à Grécia e os turco-cipriotas não se separariam.

Tudo isso se refletia precisamente na bandeira. Com efeito, o acordo sobre a estrutura básica do estado previa que "the Republic of Cyprus shall have its own flag of neutral design and colour, chosen jointly by the President and the Vice-President of the Republic" ("a República de Chipre terá a sua própria bandeira de cor e desenho neutros, escolhidos em conjunto pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da República"). "Cor neutra" queria dizer que não seria azul nem vermelha e "desenho neutro", que não traria cruz nem crescente, isto é, as cores e os símbolos das bandeiras grega e turca, embora "authorities and communities shall have the right to fly the Greek and Turkish flags on holidays at the same time as the flag of Cyprus" ("as autoridades e comunidades terão o direito de arvorar nos feriados as bandeiras grega e turca ao mesmo tempo que a bandeira de Chipre"). Essas disposições foram acolhidas e desenvolvidas no artigo 4.º da Constituição de 1960.

Assim, o presidente (e arcebispo) Macário III e o vice-presidente Fazıl Küçük escolheram a proposta do pintor turco-cipriota İsmet Güney: um pano branco com o mapa de Chipre na cor do cobre e, por baixo deste, dois ramos verdes de oliveira. Aquela cor refere ao nome do país: Kýpros em grego, donde Cyprus (a ilha) e cuprum (o metal) em latim. Essa bandeira foi desfraldada no dia em que se proclamou a república: 16 de agosto de 1960.

O fato de as potências fiadoras terem imposto as condições para a criação da bandeira estatal e dois homens terem acordado a sua forma antecipava que a constituição cipriota estava fadada à ruína. O seu vigor persistente deve-se a uma série de emendas e isso se fez possível porque os turco-cipriotas se retiraram das instituições depois de Macário III ter proposto as primeiras emendas e a violência ter estourado entre as duas comunidades em 1963.

Em 15 de julho de 1974, a Guarda Nacional Cipriota, favorável à Énōsis, deu um golpe de estado com o apoio da ditadura militar grega. Cinco dias depois, as forças turcas invadiram a ilha e ocuparam um terço do território, ao norte. Assim Chipre permanece: embora o regime grego tenha caído e o golpe cipriota se tenha desmantelado em 23 de julho, a Turquia instituiu o Estado Federado Turco de Chipre na zona ocupada no ano seguinte e apoiou a sua secessão na forma da República Turca de Chipre do Norte em 1983. Apenas a própria Turquia reconhece esse estado, mas foi a massiva redistribuição populacional que deu duradoura estabilidade política a Chipre: os turco-cipriotas, até então concentrados em bolsões por toda a ilha, moveram-se para o norte e daí para o sul saíram os greco-cipriotas.

Emblema de Chipre (imagem disponível no site da Presidência da República).
Emblema de Chipre (imagem disponível no site da Presidência da República).

O emblema da República de Chipre também foi criado por İsmet Güney a pedido de Macário III em 1960. Repete as ideias da bandeira: num escudo de cobre, uma pomba estendida com um ramo de oliveira no bico e a data 1960 em ponta, tudo de prata, e por suportes, dois ramos de oliveira de verde. É evidente que tal criação desafia a heráldica tradicional, mas é problema maior que símbolos pacificadores sejam pouco representativos. Com efeito, os greco-cipriotas não são cidadãos da Grécia, mas se reputam parte do povo grego. Portanto, mais que com os símbolos do estado cipriota é com a cruz branca/argêntea em campo azul que se identificam e é o Hino à Liberdade (Hýmnos eis tēn Eleutherían) que cantam.

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