Uma vantagem das bandeiras cruzadas é que delas facilmente podem derivar outras bandeiras.
Se as bandeiras de faixas têm a vantagem da fabricação fácil, as bandeiras de cruzes podem facilmente ser combinadas com outras cruzes ou figuras, como os vários vexilos britânicos o demonstram. Com efeito, a Bandeira da União reflete isso e mais: a própria formação do estado britânico.
Bandeira da Grã-Bretanha. |
Em 1603, Isabel I morreu sem descendência, extinguindo a Casa de Tudor. A sucessão recaiu sobre Jaime Stuart, terceiro neto de Henrique VII e rei dos escoceses desde 1567. Essa primeira união foi meramente pessoal: cada reino permaneceu distinto em tudo, salvo o fato de que compartilhavam o mesmo monarca: Jaime VI da Escócia e I da Inglaterra, França e Irlanda (1). No entanto, ele mesmo almejou a união dos reinos, tanto que em 1604 por si tomou o título de rei da Grã-Bretanha, França e Irlanda e em 1606 criou um símbolo para esse projeto: a Bandeira da União.
Union Flag em The ensigns, colours or flags of the ships at sea (1750). |
A proclamação real de 1606 exprime bem a visão do rei Jaime: o pavilhão novo junta a cruz de São Jorge e a de Santo André ("the red cross, commonly called St. George's cross, and the white cross, commonly called St. Andrew's cross, joined together") e seria desde então içado no topo do mastro grande por todos os seus súditos da ilha e reino da Grã-Bretanha ("all our subjects of this Isle and Kingdom of Great Britain"), mas não vedou cada cruz de forma separada; ao contrário, no traquete os súditos da Bretanha Meridional continuariam a arvorar a cruz vermelha e os da Bretanha Setentrional, a cruz branca ("in their foretop our subjects of South Britain shall wear the red cross only as they were wont and our subjects of North Britain in their foretop the white cross only as they were accustomed").
Não obstante, não demorou a aparecer a necessidade de distinguir a armada e a frota mercante, de modo que, em 1634, por proclamação de Carlos I, restringiu-se a Union Flag — assim já dita — aos navios do rei e ao serviço da Coroa ("for our own ships and ships in our immediate service and pay"), enquanto os mercadores voltaram aos usos antigos, isto é, os ingleses deviam arvorar a bandeira de São Jorge e os escoceses, a de Santo André.
Durante o breve período republicano (1649-60), a Union Flag deu lugar a combinações das armas inglesas e irlandesas, em particular um pavilhão que tinha a cruz de São Jorge no lado da tralha e a harpa irlandesa no lado do batente. Mas já antes da restauração da monarquia, a Union Flag foi reinstituída com um escudo das armas irlandesas no centro. Depois da dita restauração, retrocedeu-se à norma de 1634.
Contudo, os mercadores abusavam de tal modo do Union Jack (agora assim dito), adulterando-a para se passarem por servidores da Coroa, que em 1674, por proclamação de Carlos II, se reafirmou aos navios mercantes trazer somente "the flag and jack white with a red cross, commonly called Saint George's cross [...], and the Ensign Red with the like cross in a canton white" ("a bandeira e jaque branco com a cruz vermelha, comumente dita cruz de São Jorge, e o Pavilhão Vermelho com tal cruz num cantão branco"). A próxima norma dá a entender que a forma inconfundível da Red Ensign a tornou o pavilhão idôneo para distinguir a marinha mercante.
Pavilhão Vermelho (Red Ensign) da Grã-Bretanha. |
Com efeito, quando se constituiu o Reino Unido da Grã-Bretanha pelo Tratado e pelos Atos da União em 1706 e 1707, uma proclamação da rainha Ana continuou a reservar o Union Jack à Marinha Real, mas trocou as bandeiras de São Jorge e Santo André pelo Union Jack nos cantões de todos os pavilhões. Assim, tomaram forma a Red, White e Blue Ensigns como ainda hoje se usam, a não ser por mais uma alteração e pela padronização.
A derradeira alteração deu-se aquando dos atos da União, que constituíram o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda em 1801: por proclamação de Jorge III acrescentou-se uma terceira cruz, a de São Patrício, ao Union Jack. Na verdade, não há bandeira de São Patrício; ocorre que esse monarca criara, a pedido de George Grenville, conde de Temple e vice-rei da Irlanda, a Ordem de São Patrício e lhe dera por insígnia um trevo carregado de três coroas imperiais sobre uma aspa vermelha, tudo rodeado por uma orla azul com a divisa e o ano de fundação: Quis separabit? ('Quem separará?'), MDCCLXXXIII. Uma aspa de vermelho em campo de prata são as armas da Casa de FitzGerald, cujo título mais alto, o ducado de Leinster, é o primeiro do pariato irlandês.
O acrescentamento da chamada cruz de São Patrício causou, entretanto, um problema: a superposição de uma aspa a outra. Pela primeira vez, impôs-se a necessidade de descrever a bandeira de modo mais preciso, apelando-se, curiosamente, à linguagem heráldica: "And that the Union Flag shall be azure, the crosses-saltires of St. Andrew and St. Patrick quarterly per saltire, counterchanged argent and gules, the latter fimbriated of the second, surmounted by the cross of St. George of the third, fimbriated as the saltire" ("E que a Bandeira da União seja de azul com as cruzes-sautores de Santo André e São Patrício franchadas, entrecambadas de prata e vermelho, esta perfilada do segundo, sobrepostas da cruz de São Jorge do terceiro, perfilada como o sautor").
Pavilhão Azul (Blue Ensign) da Grã-Bretanha. |
Ainda assim, o brasonamento não resolveu a necessidade de especificar as proporções. Em 1864, quando um decreto em Conselho reservou a White Ensign à Marinha Real e a Red Ensign à mercante e se concedeu por alvará (warrant) a Blue Ensign a certas embarcações civis, já estava consagrada a proporção de 2:1, embora o College of Arms também admita a de 5:3 para hasteamento em terra. Coube, ademais, a essa autoridade heráldica a definição dos tamanhos das cruzes e dos perfis, a qual veio sendo elaborada por padrões desde a proclamação de 1801.
Enfim, perceba-se que todas as normas citadas dizem respeito ao uso no mar, tanto que o jack, em Union Jack, é propriamente uma signa naval (2). A qualidade de bandeira nacional veio sendo afirmada por autoridades estatais desde o século XIX e atualmente é declarada pelo próprio governo britânico, o qual, ao mesmo tempo, adota um complexo protocolo que abrange os chamados flag days (3), as precedências e até o que fazer conforme a quantidade de mastros, cuja aplicação varia de um país constituinte a outro. Tudo muito característico do estado britânico.
(1) A menção da França decorre da pretensão inglesa ao trono francês, que vinha desde 1340 e durou até 1801.
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