25/12/23

AFINAL, QUANTAS BANDEIRAS TEVE O BRASIL? (III)

A soberania é o conceito mais ajustado para uma lista de bandeiras históricas de certo país.

Acabando esta série de postagens, resta desenvolver uma propositura que responda à pergunta do título. Para tanto, é preciso entender primeiro o que significa a locução bandeiras históricas do Brasil.

Bandeira nacional do Brasil.
Bandeira nacional do Brasil.

O Brasil é um estado-nação que se separou de Portugal em 1822 e se constituiu em 1824. Neste sentido, teve duas bandeiras: uma adotada pelo Decreto de 18 de setembro de 1822 e a outra, pelo Decreto n.º 4, de 19 de novembro de 1889. A primeira vigeu sob o regime monárquico e a segunda ainda está em vigor.

Bandeira do Império do Brasil.
Bandeira do Império do Brasil.

Portanto, não é razoável contar entre as bandeiras históricas do Brasil o derradeiro item da lista elaborada pelo Exército Brasileiro: "Bandeira Provisória da República (15 a 19 Nov 1889)". Ora, essa bandeira não recebeu nenhum reconhecimento do governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, nem de jure nem de facto, mas se enquadra na espontaneidade que marcou a adaptação dos símbolos nacionais à medida que a notícia da queda da monarquia se difundia: alguns trocavam a coroa pelo barrete frígio; outros, por uma estrela (cf. a postagem de 24/09/2022). A imitação da bandeira norte-americana — listras verdes e amarelas e um cantão azul com estrelas brancas — foi hasteada, como o próprio Exército diz, na redação do jornal A Cidade do Rio e no navio Alagoas, que levou a Família Imperial para o exílio.

Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Outro problema é projetar esse conceito de Brasil no tempo antes de 1822. De imediato, a elevação a reino em 1816 facilita as coisas, porque a Lei de 13 de maio desse ano não deixa dúvida de que é justo reputar a bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves uma bandeira histórica do nosso país. É para trás que fica verdadeiramente complicado.

Bandeira real de Portugal.
Bandeira real de Portugal.

A meu ver, sob o Antigo Regime o conceito que mais se aproxima ao estado contemporâneo é a Coroa, cujo signo vexilar na monarquia portuguesa era a bandeira real. Com efeito, era aquela que se arvorava nos vasos de guerra e se içava sobre as fortalezas para assinalar o domínio real. Compondo-se a América portuguesa na maior parte da sua história de dois ou três estados sob esse domínio, é razoável concluir que a bandeira real de Portugal é a melhor correspondente à ideia de uma bandeira histórica do Brasil no período de 1500 a 1816.

Bandeira da Ordem de Cristo.
Bandeira da Ordem de Cristo.

Todavia, mesmo tendo argumentado em sentido contrário na postagem de 21/12, reconheço que a bandeira da Ordem de Cristo merece uma apreciação especial. Como contrapartida pelo patrocínio da empresa ultramarina, essa ordem recebia a jurisdição espiritual sobre as terras conquistadas. Graças a esse privilégio, outorgado pelos pontífices romanos aos reis portugueses, cabia à ordem — cujo mestre era o próprio rei — a eleição dos bispos e a cobrança dos dízimos no ultramar. Em última análise, isso quer dizer que ela também detinha uma parcela do senhorio, ao menos até a sua secularização, em 1789.

Bandeiras históricas do Brasil: proposta de ordem protocolar.
Bandeiras históricas do Brasil: proposta de ordem protocolar.

Portanto, toda a crítica arrazoada aqui e nas postagens referida e antecedente leva-me a discernir quatro bandeiras históricas do Brasil:

  1. Bandeira da Ordem de Cristo (1500-1789);
  2. bandeira real de Portugal (1500-1816);
  3. bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1816-1822);
  4. bandeira do Império do Brasil (1822-1889).

Em ordem de precedência, penso que a bandeira nacional deva ficar no meio e sobressair; à sua direita, a do Império, por representar a forma precedente do nosso estado soberano; à esquerda da bandeira nacional, a do Reino Unido, por representar a unificação dos domínios portugueses na América sob a mesma denominação e estatuto igual ao da antiga metrópole; na ponta direita, a bandeira real de Portugal, por representar a potência soberana dos domínios coloniais que formaram a nossa nação; na ponta esquerda, a da Ordem de Cristo, pelas razões aduzidas. Da esquerda para a direita do observador, ver-se-iam como seguem:

  1. Bandeira real de Portugal;
  2. bandeira do Império do Brasil;
  3. bandeira nacional do Brasil;
  4. bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves;
  5. bandeira da Ordem de Cristo.

Ainda assim, pergunta-se: tendo cada uma dessas bandeiras variado ao longo da sua vigência, qual variante adotar? Respondo: a mais recente. Portanto, desenhem-se as armas reais portuguesas e as imperiais brasileiras em escudo "francês moderno", o tipo que predominava no século XIX, aquelas com sete castelos, estas com vinte estrelas e ambas sob coroas de oito diademas da respectiva dignidade, real e imperial.

As bandeiras que o Exército Brasileiro reputa "históricas do Brasil" (imagem disponível no site do Batalhão da Guarda Presidencial).
As bandeiras que o Exército reputa "históricas do Brasil" (imagem disponível no site do Batalhão da Guarda Presidencial).

É verdade que o Exército Brasileiro se baseia em grande medida em Brasões e bandeiras do Brasil (1933), de Clóvis Ribeiro, mas, além da reserva que a data da publicação inspira, dessa obra se depreende claramente que o autor não pretendeu listar as bandeiras "do Brasil" como se elas se sucedessem discretamente, e sim estudar as várias bandeiras que foram usadas no Brasil ao longo da sua história. Parece, em suma, que o Exército simplesmente copiou a sequência dos desenhos de José Wasth Rodrigues sem sequer ter lido o livro.

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