29/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (VII)

Armas dos Lobos, Sás, Lemos, Cabrais e Silveiras.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos Lobos: De prata com cinco lobos de negro, armados e lampassados de vermelho.
Armas dos Lobos: De prata com cinco lobos de negro, armados e lampassados de vermelho.

Lobos

Em campo de prata tal
cinco lobos figurados,
de negra tinta pintados,
trazem os deste animal
de suas armas chamados.
E destes está no fito
o dino de ser escrito
por quem lhe dê seu louvor:
barão d'Alvito, senhor
e Vila Nova d'Alvito.

Lobo era originariamente uma alcunha, do substantivo comum lobo. Os Lobos desta casa descendem de Pedro Pais: veio de Castela para Portugal no séquito de Dona Mécia Lopes de Haro, que casou com Dom Sancho II. O rei doou-lhe, ao que parece em uma vida, o senhorio das Terras de Basto, no Minho, mas um bisneto seu, Diogo Lopes, recebeu o senhorio de Alvito, no Baixo Alentejo, por mercê de Dom João I. Em 1475, na quarta geração, Dom Afonso V fez barão de Alvito João Fernandes da Silveira, esposo de Maria de Sousa Lobo, quinta senhora. Os seus descendentes chamaram-se Lobo da Silveira e conservaram o título até o fim da monarquia.

Armas dos Sás: Xadrezado de prata e azul de cinco peças em faixa e seis em pala.
Armas dos Sás: Xadrezado de prata e azul de cinco peças em faixa e seis em pala.

Sás

Nos escaques celestriais
e de prata está mostrado
o mui nobre e mui honrado
e por batalhas reais
sangue de Sá derramado,
com que o romão colunês
se mesturou d'através,
cada um de grão primor,
forte, leal, sem temor
em combates e galés.

 é um topônimo muito frequente em Portugal e na Galiza. Vem de *sala, vocábulo suevo ou gótico, e é cognato de sala e salão, da mesma origem germânica, mas estes do frâncico *sal, pois que vindos pelo francês ou provençal. Na cultura germânica, designava o salão do chefe tribal (sele no inglês antigo, sali no alto-alemão antigo, salr no nórdico antigo); no mundo românico sob elites germânicas, era o paço senhorial.

A quinta de Sá que deu nome a esta linhagem armoriada ficava em Vizela, no Minho. Pertenceu a Martim Fernandes, que viveu no tempo de Dom Dinis. Diz-se que um bisneto seu, Rodrigo Anes, foi embaixador de Dom Fernando I junto ao papa Gregório XI e em Roma casou com Cecilia Colonna, filha de Giacomo Colonna, senador, de quem teve João Rodrigues, dito o das Galés, por ter acudido Lisboa contra a frota castelhana durante o cerco de 1384. Contudo, a escassez documental aponta que isso foi inventado pela literatura genealógica, possivelmente a partir de fatos mais prosaicos, como uma união do dito Rodrigo Anes, já viúvo da mãe de João Rodrigues, com uma filha sacrílega de Dom Agapito Colonna, que foi bispo de Lisboa de 1371 a 1380.

João Rodrigues de Sá, o das Galés, foi o primeiro alcaide-mor do Porto, o primeiro senhor de Sever e trisavô de João Rodrigues de Sá de Meneses, o nosso poeta.

Armas dos Lemos: De vermelho com cinco cadernas de crescentes de ouro.
Armas dos Lemos: De vermelho com cinco cadernas de crescentes de ouro.

Lemos

Antigas e nom modernas,
de sangue nobre e honrado,
em escudo nom dourado
são d'ouro cinco cadernas,
mas de vermelho pintado.
Lemos é geração
cujas estas armas são.
De Galiza antigamente
a Portugal esta gente
veio com justa rezão.

A Terra de Lemos é uma comarca galega cuja capital é Monforte de Lemos. Presume-se que o fato de ter constituído sucessivamente desde o século XII uma tenência, um senhorio e um condado (primeiro não hereditário e depois hereditário) facilitaria a pesquisa genealógica, mas demonstra, ao contrário, que um topônimo unívoco não garante o mesmo entroncamento de todos que o tomaram por sobrenome.

Assim, parece que os Lemos portugueses descendem dos senhores de Ferreira e Sober, na dita comarca, mais precisamente do filho homônimo de Lopo Lopes de Lemos, que teria vindo para Portugal no reinado de Dom Dinis. Morou em Lisboa, de onde foram cidadãos seus filhos e netos. O sobrenome foi continuado por um bisneto seu, Geraldo Martins de Lemos, cuja prole recebeu diferentes herdades.

Armas dos Cabrais: De prata com duas cabras passantes de púrpura, uma sobre a outra.
Armas dos Cabrais: De prata com duas cabras passantes de púrpura, uma sobre a outra.

Cabral

De púrpura celestrial
sobre prata mui luzente
a geração mui valente
que delas se diz Cabral
traz sem ouro deferente.
E pera que estas aponte,
escrito trazem na fronte
seu esforço e lealdade
naquela grão liberdade
do castelo de Belmonte.

Depois de Dom João I ter nomeado Álvaro Gil Cabral alcaide-mor de Belmonte, os Cabrais fizeram dessa vila na Beira Baixa o seu solar, já que o ofício foi renovado a favor de seu filho e neto e, desde 1466, se tornou de juro e herdade. A casa deteve-o, juntamente com o senhorio de Azurara, hoje Mangualde, na mesma região, até a décima quarta geração.

Evidentemente, o sobrenome Cabral foi usado antes de Álvaro Gil, pois foi tirado pelos seus ascendentes de algum lugar que se chamava assim por abundarem aí cabras selvagens.

Armas dos Silveiras: De prata com três faixas de vermelho.
Armas dos Silveiras: De prata com três faixas de vermelho.

Silveiras

Em um campo prateado
bandas de sanguinha cor
c'ũa silva derredor,
de que o escudo é cercado.
São armas de grão valor
e em pendões e bandeiras
as podem trazer Silveiras.
Silveiras de silvas vêm:
o nome o diz e também
estórias mui verdadeiras.

Esta casa descende de Gonçalo Vasques, senhor de uma quinta da Silveira que ficava no Redondo, Alto Alentejo, e viveu no tempo de Dom Fernando I. O sobrenome foi continuado pela geração de sua filha, Maria Gonçalves da Silveira.

Não obstante, Silveira é um topônimo frequente em Portugal e na Galiza, do substantivo comum que, como silva e sarça, designa plantas do gênero Rubus, que o poeta dá como suporte do escudo, mas compunha, na verdade, o timbre: um urso de prata, armado e lampassado de vermelho, nascente de uma capela de silvas de sua cor.

Com efeito, os Silveiras dos barões de Alvito não entroncam com o dito Gonçalo Vasques, mas parecem ter tomado o nome de Silveira, na Estremadura.

27/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (VI)

Armas dos de Castelo Branco, Resendes, Monizes, Febo Moniz e Mouras.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos de Castelo Branco: De azul com um leão de ouro, armado e lampassado de vermelho.
Armas dos de Castelo Branco: De azul com um leão de ouro, armado e lampassado de vermelho.

Castel-Branco

Onde se der campo franco
em novo, mas dino estado,
rompente lião dourado
trarão os de Castel-Branco
em campo azul assentado.
E de sua perfeição
e quanto val com rezão
dará muito certa prova
em seu conde Vila Nova,
aquela de Portimão.

Esta casa descende de Nuno Vasques, que instituiu o morgadio de Castelo Branco em Santa Iria de Azoia, Estremadura, em 1442 e o entregou a Lopo Vasques, seu irmão, em cuja geração se conservou até o fim do Antigo Regime. Foram netos de Vasco Anes, primeiro senhor de outro morgadio, este na cidade de Castelo Branco, Beira Baixa, cujo destino se desconhece.

A Gonçalo Vasques, secundogênito do primeiro morgado de Castelo Branco, Dom Afonso V doou o senhorio de Vila Nova de Portimão em 1472 e a favor de Martinho, seu filho, Dom Manuel I elevou esse senhorio a condado em 1514. Isso baliza a composição das quintilhas heráldicas de Sá de Meneses entre esse ano e o da publicação, 1516. O nosso poeta foi, a propósito, genro do primeiro conde de Vila Nova de Portimão. 

Armas dos Resendes: De ouro com duas cabras passantes de negro, gotadas de ouro, uma sobre a outra.
Armas dos Resendes: De ouro com duas cabras passantes de negro, gotadas de ouro, uma sobre a outra.

Resende

Um escudo em campo d'ouro,
duas cabras ajuntadas,
de gotas d'ouro malhadas,
da cor que é um negro mouro,
desta mesma cor pintadas.
Quem bem em nobreza entende
achará que a de Resende
foi grande per sua lança
há muitos tempos em França,
donde se acha que descende.

Esta casa descende de Afonso Ermiges, tenente de Baião, no Douro Litoral, sob Dom Afonso Henriques, ainda que a literatura genealógica remonte a linhagem até um cavaleiro franco de nome Arnaldo no século X. O sexto filho de Afonso Ermiges de Baião, Rodrigo Afonso, herdou por parte de mãe a honra de Resende, na Beira Alta. Foram seus netos que começaram a se chamar pelo nome dessa herdade, daí que no Livro do Armeiro-Mor (f. 62r) se nomeie essa linhagem Baião Resende e à folha 12v do Livro da nobreza e perfeição das armas se tenham pintado as armas dos Resendes, mas mãos menos hábeis do que as de Antônio Godinho tenham acrescentado à folha 42r as pretensas armas dos Baiões. Essa distinção nunca se praticou porque é artificiosa, já que a varonia dos Baiões se extinguiu.

Baião deve ser um topônimo de origem pré-romana e Resende vem de Redesindi, genitivo do antropônimo germânico Redesindus, indicando uma propriedade de alguém que se chamava assim.

Armas dos Monizes: De azul com cinco estrelas de sete raios de ouro.
Armas dos Monizes: De azul com cinco estrelas de sete raios de ouro.

Moniz

Da banda que é controo sul
èsta terra antigamente
veio ũa nobre gente
com cinco em escudo azul
estrelas d'ouro luzente,
polo que destes se diz
pouco digo e pouco fiz
do que seu primor merece,
segundo o que se parece,
dos feitos d'Egas Moniz.

Moniz é o patronímico de Munnius, um antropônimo popular nos séculos X e XI. Trocando em miúdos, todo filho de um Munnius podia chamar-se Fulano Moniz, como Egas Moniz, filho de Monio Ermiges e aio de Dom Afonso Henriques, cuja ascensão apoiou vigorosamente. Os Monizes que trazem cinco estrelas de sete raios de ouro em campo de azul descendem, não obstante, de Vasco Martins, que viveu no tempo de Dom João I. A um neto seu, Jorge, Dom Manuel I doou o senhorio de Angeja, na Beira Litoral, doação que se renovou na sua linhagem até a quarta geração.

Armas de Febo Moniz: Esquartelado, o primeiro e quarto de azul com cinco estrelas de sete raios de ouro; o segundo e terceiro contraesquartelado, o primeiro de prata com uma cruz potenteia de ouro, cantonada de quatro cruzetas do mesmo; o segundo faixado de prata e azul de oito peças com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de ouro, brocante; o terceiro de ouro com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de azul; o quarto de prata com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de ouro.
Armas dos Monizes de Febo Moniz: Esquartelado, o primeiro e quarto de azul com cinco estrelas de sete raios de ouro (Moniz); o segundo e terceiro contraesquartelado, o primeiro de prata com uma cruz potenteia de ouro, cantonada de quatro cruzetas do mesmo (Jerusalém); o segundo faixado de prata e azul de oito peças com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de ouro, brocante (Chipre moderno); o terceiro de ouro com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de azul (Armênia); o quarto de prata com um leão de vermelho, armado, lampassado e coroado de ouro (Chipre antigo).

Fêbus Moniz e seu filho

Âmbalas armas reais,
de Chipre e Jerusalém,
com armas mistura têm
de Moniz, mas estas tais
a um só deles convêm.
Um só a quem com rezão
chamem-se de Lusinhão;
seu pai lho foi alcançar
por se ajuntar e casar
com tão alta geração.

Não se sabe por quê, os filhos de Gil Aires, escrivão da puridade do condestável Nuno Álvares Pereira, tomaram o sobrenome Moniz. Destes, foi Vasco Gil que pode ter acompanhado o infante Dom João de Coimbra na sua viagem a Chipre para casar com Carlota de Lusignan, princesa de Antioquia. Durante a estadia na ilha, o próprio Vasco teria casado, então, com uma dama da casa real, chamada Leonor.

Dom João de Coimbra foi o secundogênito do infante Dom Pedro, duque de Coimbra, que morreu na Batalha da Alfarrobeira (1449), lutando contra seu sobrinho, o rei Dom Afonso V, de quem fora regente durante a menoridade. Desterrado, Dom João foi abrigado por sua tia, a duquesa Isabel, na corte borguinhona, onde cresceu com a estima de Filipe III o Bom. O casamento com a princesa Carlota, filha de João II de Chipre, aconteceu em 1456, mas seis meses depois a rainha Helena Paleólogo envenenou o próprio genro. Vasco Gil Moniz deveu retornar em seguida a Portugal, levando consigo sua esposa.

O pai de Leonor de Lusignan foi Febo, senhor titular de Sídon, neto de Pedro I de Chipre (1358-69) e trineto de Hugo IV de Chipre (1324-58). O filho de Vasco Gil Moniz e Leonor de Lusignan recebeu o nome de seu avô materno e esquartelou as armas dos Monizes dos senhores de Angeja e aquelas da casa real cipriota desde 1393, as quais se compunham, à sua vez, das armas reais de Jerusalém, de Chipre moderno, da Armênia e de Chipre antigo. Estas armas foram reproduzidas com grande variedade e o próprio Febo Moniz não tinha de todo direito a elas, já que os reis cipriotas dos quais descendia não reinaram na Cilícia armênia.

Febo Moniz foi reposteiro-mor de Dom Manuel I e seus descendentes também exerceram ofícios cortesãos e concelhios e receberam mercês régias, entre eles seu neto homônimo, procurador de Lisboa nas Cortes de Almeirim, em 1580, onde se opôs à pretensão de Filipe II à coroa portuguesa. A varonia da linhagem extinguiu-se na quarta geração.

Armas dos Mouras: De vermelho com sete castelos de ouro, alinhados em três palas, três no meio.
Armas dos Mouras: De vermelho com sete castelos de ouro, alinhados em três palas, três no meio.

Moura

Quem sete castelos doura
sobre vermelho acendido
é o sangue conhecido
por tomar òs mouros Moura,
donde trouxe o apelido.
Um Dom Rolim, estrangeiro,
foi destes o padroeiro,
de cuja fama inda soa
na tomada de Lisboa,
que nom foi o derradeiro.

Esta casa vem de Vasco Martins, primeiro alcaide-mor de Moura, no Baixo Alentejo, sob Dom Afonso III. A literatura genealógica toma-o por neto de um conquistador dessa cidade. Um bisneto seu, Álvaro Gonçalves, casou com Urraca Fernandes Rolim, senhora da Azambuja, na Estremadura. Ela descendia de um cavaleiro bretão chamado Childre, que esteve na conquista de Lisboa (1147) e foi recompensado por Dom Afonso Henriques com esse senhorio. Ao filho deste, dito Raolinus em latim, Dom Sancho I doou em 1200 outro senhorio, mais tarde Vila Franca de Xira, a qual ganhou esse nome porque foi povoada por flamengos ("francos"). O composto Rolim de Moura deve-se, pois, à Casa da Azambuja, cuja varonia perdurou até a sexta geração.

25/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (V)

Armas dos Freires de Andrade, Almeidas, Henriques, Soares de Albergaria e Azevedos.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos Freires de Andrade: De verde com uma banda de vermelho, perfilada de ouro e engolida por duas cabeças de serpe do mesmo.
Armas dos Freires de Andrade: De verde com uma banda de vermelho, perfilada de ouro e engolida por duas cabeças de serpe do mesmo.

Freires

A banda que através fende
sobre esmeralda luzente
com cabeças de serpente
Freire d'Andrade comprende,
de Galiza descendente.
E que lá tenha lugar
pera se mais nomear
e nos reinos de Castela
os que cá tem Bovadela
nom serão pera calar.

Essa casa descende de Bermudo Fortúnez, senhor de Andrade, na Galiza, coetâneo de Afonso VII de Leão. A sua linhagem perde-se na documentação após a quinta geração, mas é possível que um neto seu, João, tenha gerado o ramo que se apelidou Freire de Andrade. Este teve Rui Freire de Andrade, cujo primogênito, Fernão, foi o primeiro senhor de Pontedeume e do Ferrol por mercê de Henrique II de Castela em 1371 e de Vilalba em 1373. Na quinta geração, em 1486, esse senhorio foi elevado a condado de Vilalba pelos Reis Católicos a favor de Diogo de Andrade. Nuno, outro filho desse Rui, passou a Portugal, onde foi eleito mestre da Ordem de Cristo em 1357. A seu secundogênito, Gomes, Dom João I doou o senhorio de Bobadela em 1386.

Andrade deve ser um topônimo de origem pré-romana, mas Freire vem do provençal fraire, vocábulo que, como frade, vem, à sua vez, do latim frater,fratris 'irmão'. Indica, presumivelmente, o estado religioso daquele que primeiro trouxe tal alcunha.

Armas dos Almeidas: De vermelho com uma dobre-cruz cantonada de seis besantes e uma bordadura, tudo de ouro.
Armas dos Almeidas: De vermelho com uma dobre-cruz cantonada de seis besantes e uma bordadura, tudo de ouro.

Almeidas

Nas d'ouro seis arruelas,
em seus escudos pintados
do sangue, honrados perlados
sempre vimos dentro nelas
e outros leigos d'estados.
D'Almeida, que já fez cumes,
deu e ainda dá lumes
d'estado e de senhorio
Abrantes, Crato e quem Diu
viu desbaratar os rumes.

Esta casa descende de João Fernandes, que no segundo quartel do século XIII fundou uma aldeia chamada Almeida, hoje Almeidinha, na Beira Alta, de onde tomou o nome. No século XV, sobressaíram algumas personagens desse sobrenome das quais não se conhece uma ascendência que entronque na linhagem desse João Fernandes. Ou esta se espalhou cedo para fora das terras ancestrais ou, não sendo Almeida um topônimo infrequente em Portugal (vem do árabe al-māʾida 'a mesa', relativamente a um planalto), podem ser linhagens sem parentesco. A homofonia do sobrenome teria, então, levado a literatura genealógica a uni-las sob as mesmas armas.

Uma dessas personagens foi Fernão Álvares de Almeida, vedor da Fazenda e aio dos infantes Dom Duarte e Dom Pedro, filhos de Dom João I. Foi avô de Lopo de Almeida, que recebeu de Dom Afonso V o condado de Abrantes em 1476. O secundogênito deste, Diogo de Almeida, foi o prior da Ordem Hospitalária de 1487 a 1505. O sexto filho, Francisco de Almeida, foi o primeiro vice-rei da Índia e o comandante da frota que venceu a Batalha de Diu contra uma aliança de vários estados muçulmanos, dentre eles o otomano, em 1509.

Armas dos Henriques: De vermelho com um castelo de ouro, lavrado de negro e aberto e iluminado de azul; mantelado de prata com dois leões batalhantes de púrpura, armados e lampassados de vermelho.
Armas dos Henriques: De vermelho com um castelo de ouro, lavrado de negro e aberto e iluminado de azul; mantelado de prata com dois leões batalhantes de púrpura, armados e lampassados de vermelho.

Hanríquez

Está, mas nom posto em alto,
d'ouro um castelo real
em vermelho, a par do qual
fazem dous liões um salto
sobre o segundo metal.
Vinda do conde gijão,
Hanríquez é geração
que, com tais armas que tem,
dos reis de Castela vem,
mas nom já per socessão.

Dos filhos ilegítimos de Henrique II de Castela, Afonso Henriques herdou os condados de Noreña e Gijón e gerou a linhagem dos Noronhas, cujas armas trazem a mesma quebra das armas reais castelhanas por um mantelado, como expus na postagem de 19/06. Outro, Fernando, também passou a Portugal, mas preservou o patronímico Henriques. A seu favor, Dom João I criou o senhorio das Alcáçovas em 1429, que permaneceu na sua geração até o fim do Antigo Regime.

Armas dos Soares de Albergaria: De prata com uma cruz florenciada de vermelho, vazia do campo, e uma bordadura cosida de prata, carregada de doze escudetes de azul, sobrecarregados de cinco besantes de prata.
Armas dos Soares de Albergaria: De prata com uma cruz florenciada de vermelho, vazia do campo, e uma bordadura cosida de prata, carregada de doze escudetes de azul, sobrecarregados de cinco besantes de prata.

Soares

A mor joia das devinas
em campo d'argentaria
traz a nobre fidalguia
com orla das reais quinas
Soárez d'Albergaria.
E um destes a ganhou
e por grão preço alcançou,
que em ũa peleja brava
um mestre de Calatrava
prendeu e desbaratou.

Essa casa descende de Pedro Pais, cujo pai, Paio Delgado, fundou uma albergaria em Lisboa no tempo de Dom Afonso Henriques. Essa albergaria ficou na posse da linhagem até 1397, quando já trazia o patronímico Soares com o antigo sobrenome. Diz-se, ainda, que esse Pedro Pais esteve na Batalha de Las Navas de Tolosa, donde a cruz vermelha florenciada, que é da Ordem de Calatrava, cujos cavaleiros lutaram aí. Se isso não for lenda, parece muito uma.

Armas dos Azevedos: De ouro com uma águia de negro.
Armas dos Azevedos: De ouro com uma águia de negro.

Azevedo

Águia celestrial,
ave que mais alto voa,
sobre eicelente metal
da coroa imperial
tirada, sem a coroa.
Trouxeram d'Alta Alemanha
os d'Azevedo a Espanha
por testemunha e certeza
de sua grande nobreza
e rezão per que se ganha.

Essa casa descende de Pedro Mendes, senhor de Azevedo, na Beira Litoral, que serviu a Fernando III na conquista de Sevilha. Há, porém, outra linhagem, a de Lopo Dias, quem viveu na segunda metade do século XIV e tomou o nome de Azevedo, no Minho. Esses Azevedos, que possuíram o senhorio de São João de Rei até o fim do Antigo Regime, esquartelaram a águia de negro em campo de ouro com cinco estrelas de seis raios de prata em campo de azul e uma bordadura cosida de vermelho.

De fato, Azevedo é um topônimo frequente. Significa 'mata de azevinhos', de uma forma antiga *azevo mais o sufixo -edo. Portanto, remontar a sua origem à Alemanha por causa da semelhança das suas armas com as imperiais é mera fantasia genealógica.

23/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (IV)

Armas dos Pereiras, Vasconcelos, Melos, Silvas e Albuquerques.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos Pereiras: De vermelho com uma cruz florenciada de prata, vazia do campo.
Armas dos Pereiras: De vermelho com uma cruz florenciada de prata, vazia do campo.

Pereiras

A vera cruz verdadeira,
joia de nosso tesouro,
que apereceu ò rei mouro
per milagre na pereira,
da vitória certo agouro,
em títolo de valia
floresce hoje, este dia,
antre a montanha e o mar,
em Cambra, Feira e Ovar,
terra de Santa Maria.

A aparição da cruz faz parte do legendário da Batalha de Las Navas de Tolosa, que é, todavia, mais recente (1212) do que a vida do alegado ascendente que esteve aí: Rodrigo Forjaz, que serviu ao rei Garcia da Galiza.

Essa linhagem descende de Rui Gonçalves, senhor da Quinta de Pereira, no Minho, que viveu nos tempos de Dom Afonso I e Dom Sancho I. Na quarta geração, a casa perdeu essa herdade, mas Álvaro Rodrigues, sobrinho de Vasco Gonçalves, o derradeiro senhor, ganhou de Dom João I a terra de Santa Maria, senhorio que Dom Afonso V elevou a condado da Feira três gerações depois, em 1481, a favor de Rui Pereira. Outro tio desse primeiro senhor da Feira foi arcebispo de Braga: Gonçalo Pereira, cujo filho sacrílego, Álvaro Gonçalves, foi prior da Ordem Hospitalária e o pai de Nuno Álvares Pereira.

Nuno Álvares Pereira é um herói de Portugal. Durante o interregno que se seguiu à morte de Dom Fernando I, apoiou a pretensão do mestre de Avis, pelo qual venceu a Batalha dos Atoleiros em 1284, a primeira da guerra contra a pretensão de João I de Castela. Aclamado rei Dom João I no ano seguinte, nomeou-o condestável de Portugal e deu-lhe o condado de Arraiolos. Comandou, então, o exército em Aljubarrota, a batalha decisiva, após a qual o rei o cumulou com os condados de Ourém e Barcelos, fazendo dele um dos homens mais ricos do reino. Apesar disso, na velhice, mais precisamente em 1422, renunciou ao mundo, tomando o nome de Nuno de Santa Maria e recolhendo-se como donato no convento que ele mesmo edificou em Lisboa e doou à Ordem Carmelita. Morreu em 1431 e foi canonizado pelo papa Bento XVI em 2009.

O Santo Condestável teve três crianças do casamento que seu pai arranjou na sua juventude com Leonor de Alvim, das quais a menina sobreviveu: Beatriz Pereira de Alvim, que casou com Dom Afonso, filho natural de Dom João I e depois duque de Bragança. Daí a cruz florenciada e vazia nas armas do ramo que descende do primogênito do primeiro duque e usa o sobrenome Portugal, como mostrei e expus na postagem de 19/06.

Armas dos Vasconcelos: De negro com três faixas veiradas de prata e vermelho.
Armas dos Vasconcelos: De negro com três faixas veiradas de prata e vermelho.

Vasconcelos

As que mil temores fazem
a quem há de navegar,
vermelhas ondas do mar,
os de Vasconcelos trazem
sobre azul mui singular.
Vasconcelos de Gasconha,
que nunca passou vergonha
em esforço e valentia
no tempo que florescia
nem agora há quem lha ponha.

Vasconcelos é um diminutivo de vasconços, o que indica um lugar povoado por colonos de origem basca. Acertadamente, o poeta diz "Vasconcelos de Gasconha", pois Gasconha vem do latim Vasconia. A linhagem portuguesa tomou o seu nome da Torre de Vasconcelos em Ferreiros, no Minho, cujo primeiro senhor foi Pedro Martins, coetâneo de Dom Sancho I. O senhorio pertenceu à casa até a quarta geração.

Note-se que o poeta refere de uma maneira muito bela ao veirado das armas como "vermelhas ondas do mar", mas erra ao confundir o negro do campo com "azul mui singular".

Armas dos Melos: De vermelho com uma dobre-cruz de ouro, cantonada de seis besantes de prata, e uma bordadura de ouro.
Armas dos Melos: De vermelho com uma dobre-cruz de ouro, cantonada de seis besantes de prata, e uma bordadura de ouro.

Melos

Nom tem liões nem castelos,
mas seis brancas arruelas
e três barras amarelas
o nobre sangue dos Melos,
que suas armas traz nelas.
É o que deles se toma
ser estrangeiros em soma,
donde nom se sabe assaz,
ainda que o nome faz
presomir virem de Roma.

Essa casa descende de Mem Soares, primeiro senhor de Melo, na Beira Alta. Incrivelmente, esse senhorio pertenceu à sua geração até o fim do Antigo Regime.

Apesar do que o poeta diz sobre o nome, Melo vem do latim merulus (por merula), isto é, 'melro', mediante a forma mais antiga merlo.

Armas dos Silvas: De prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho.
Armas dos Silvas: De prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho.

Silvas

Do metal mais eicelente
os que trouxerem lião
em prata Silvas serão,
que hoje se acha presente
mais antiga geração.
Foram seus progenitores
Capetos e Numitores,
reis d'Alva, donde vieram
os irmãos que nom couberam
num só reino dous senhores.

Essa linhagem descende de Guterre Alderete, senhor da Torre de Silva, em Valença do Minho, coetâneo de Afonso VI de Leão. Esse senhorio pertenceu à casa até a quinta geração. Diogo da Silva, bisneto de Aires Gomes da Silva, derradeiro senhor, recebeu o condado de Portalegre por mercê de Dom Manuel I em 1498.

Silva vem do substantivo comum silva, que designa diferentes plantas do gênero Rubus, também ditas silveiras ou sarças. Nada tem a ver com Reia Sílvia, filha de Numitor, rei de Alba Longa, e mãe de Rômulo, que matou Remo, seu irmão gêmeo, e fundou a cidade de Roma, da qual foi o primeiro rei. 

Armas dos Albuquerques: Esquartelado, no primeiro e quarto as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em barra; o segundo e terceiro de vermelho com cinco flores de lis de ouro.
Armas dos Albuquerques: Esquartelado, no primeiro e quarto as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em barra; o segundo e terceiro de vermelho com cinco flores de lis de ouro.

Albuquerque

As cinco flores de lis
com quinas em quarteirão
os Albuquerques trarão,
os que d'el-Rei Dom Denis
trazem sua geração.
E por tocar tal estado
bem merece ser honrado
sangue que tem tal mistura,
per tão honrada natura
dino de ser nomeado.

O senhorio de Albuquerque foi doado por Dom Sancho I a Afonso Teles de Meneses, seu genro. Foi João Afonso, sexto senhor e filho de Afonso Sanches, bastardo de Dom Dinis, e Teresa Martins de Meneses, quem começou a usar o sobrenome Albuquerque, perpetuado graças à sua prole ilegítima, já que o seu sucessor lídimo, Martim Anes, morreu sem descendência, apropriando-se a Coroa de Castela não só do senhorio de Albuquerque, mas também daquele de Meneses, que nele convergira pelo seu casamento com Isabel Teles de Meneses, décima senhora.

É possível que Albuquerque venha do latim albus quercus (por alba quercus), isto é, 'carvalho branco', via certa fala moçárabe.

21/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (III)

Armas dos Castros, Eças, Meneses, Cunhas e Sousas.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos Castros: De prata com seis arruelas de azul.
Armas dos Castros: De prata com seis arruelas de azul.

Castros

Os que nom sofrem mais lastro
de nobreza, fidalguia,
seis arruelas diria
que azuis trazem os de Castro
em campo d'argentaria.
E quem vir estes sinais
saiba que com estes tais,
vindos de Biscaia há tanto,
agora têm cá Monsanto
e a vila de Cascais.

Embora Castro (do latim castrum 'fortaleza') seja um topônimo comum em Portugal e na Galiza, foi Castrojeriz, em Castela-a-Velha (e não na Biscaia, como diz o poeta) que deu nome à linhagem dos Castros. Descende de Rodrigo Fernandes de Castro, que serviu a Afonso VII de Leão. Seu terceiro filho, Guterre Rodrigues de Castro, casou com Elvira Osório, senhora de Lemos, com quem gerou o ramo galego da casa. Na quarta geração, Pedro Fernandes de Castro, tendo sido criado por Lourenço Soares de Valadares em Portugal, teve da filha deste, Aldonça Lourenço de Valadares, dois filhos bastardos: Álvaro Peres e Inês de Castro.

Inês de Castro veio para Portugal no séquito de Constança Manuel, filha de João Manuel, príncipe de Vilhena, que casou com o infante Dom Pedro em 1339. O infante apaixonou-se pela aia e assumiu a relação com ela após a morte de Dona Constança ao dar à luz o infante Dom Fernando. Embora tenha gerado quatro crianças, essa relação nunca foi aprovada nem por Dom Afonso IV nem pela nobreza portuguesa, pois os Castros já eram poderosos demais em Castela. Em 1355, a mando do rei, Inês foi morta. Três anos depois de cingir a coroa, Dom Pedro I declarou que casara secretamente com ela uns sete anos antes, fazendo dela rainha póstuma. A história virou lenda.

Álvaro Peres de Castro veio para Portugal por apoiar Dom Fernando I nas suas guerras contra Castela, quem o favoreceu com os condados de Arraiolos e de Viana (da Foz) em 1371 e o nomeou condestável de Portugal, o primeiro desse ofício, em 1382. Seu filho, Pedro de Castro, perdeu o condado de Arraiolos ao passar a Castela durante o interregno, mas acabou voltando e reconciliando-se com Dom João I. Um neto seu, Álvaro de Castro, casou com Isabel da Cunha, senhora de Cascais, e recebeu de Dom Afonso V o título de conde de Monsanto em 1460.

Armas dos Eças: De prata com cinco escudetes de azul postos em cruz, carregados de nove besantes do campo, e um cordão de São Francisco de ouro em cruz, aspa e orla, brocante sobre tudo, salvo o escudete do centro.
Armas dos Eças: De prata com cinco escudetes de azul postos em cruz, carregados de nove besantes do campo, e um cordão de São Francisco de ouro em cruz, aspa e orla, brocante sobre tudo, salvo o escudete do centro.

Eças

Os que num cordão com nós
têm labéu d'armas reais
e os pontos trazem mais
das quinas têm por avós
infantes e reis, seus pais.
E que andem sem estado,
quejando foi o passado,
rezão nom será que esqueça
o real sangue dos d'Eça,
posto que o tempo é mudado.

Dos quatro filhos de Dom Pedro I e Dona Inês de Castro, o primogênito morreu na infância e os demais passaram a Castela: a infanta Dona Beatriz, pelo casamento com Sancho de Castela, duque de Albuquerque; o infante Dom Dinis, durante a segunda guerra fernandina, em 1372; o infante Dom João, depois de matar sua mulher, Maria Teles de Meneses, irmã da rainha Dona Leonor Teles de Meneses, em 1379. Este levou seu filho, Fernando, a quem Fadrique Henriques de Castela, duque de Arjona, doou o senhorio de Eza, na Galiza, de onde tomou o sobrenome. Esse Fernando de Eça voltou para Portugal e levou uma vida dissoluta, mas se arrependeu na velhice, vestindo o hábito de São Francisco, daí o cordão das armas.

Armas dos Meneses: De ouro liso.
Armas dos Meneses: De ouro liso.

Meneses

Vem nos dourados paveses,
limpos de toda mistura,
a real proginitura,
nos senhores de Meneses,
d'Ordonho rei, que inda dura,
cuja linhagem real,
que por muitas rezões val,
mete dentro, em sua rede,
Vila Real, Cantanhede,
o prior do 'Sprital.

A essa casa dá nome Meneses de Campos, em Castela-a-Velha. À sua vez, o lugar chama-se assim porque foi povoado por colonos do vale de Mena, também em Castela-a-Velha, do século X para o XI. Vem de Telo Peres, primeiro senhor de Meneses, que serviu a Afonso VIII de Castela e cuja ascendência a literatura genealógica remonta ao rei Ordonho II de Leão (914-924). Seu filho, Afonso Teles de Meneses, casou pela segunda vez com Teresa Sanches, filha bastarda de Dom Sancho I, quem o fez senhor de Albuquerque.

Afonso Teles teve João Afonso, cujo primogênito, Rodrigo Anes, conservou o senhorio de Albuquerque até a quarta geração. Da prole ilegítima de João Afonso, o sexto e penúltimo senhor, descendem os Albuquerques. Na segunda geração de Gonçalo Anes, secundogênito de João Afonso, os Meneses portugueses cindiram-se em duas linhagens: de Martim Afonso, a Casa de Cantanhede; de João Afonso, conde de Ourém, a Casa de Vila Real.

Martim Afonso foi o pai da rainha Dona Leonor Teles de Meneses, esposa de Dom Fernando I, e de Gonçalo Teles de Meneses, conde de Neiva e primeiro senhor de Cantanhede. Esse senhorio foi elevado a condado por Dom Afonso V em favor de Dom Pedro de Meneses, bisneto do conde de Neiva, em 1479. A mãe do nosso poeta, Brites de Meneses, era irmã do primeiro conde de Cantanhede. Os Meneses desse ramo sobrepuseram as armas da casa às dos Albuquerques, por Maria Afonso, filha de João Afonso, sexto senhor de Albuquerque, e esposa do conde de Neiva.

O conde de Ourém gerou João Afonso, conde de Viana (do Alentejo) por mercê de Dom Fernando I em 1373. Este foi o pai de Pedro de Meneses, primeiro conde de Vila Real, de quem tratei na postagem anterior. Não mencionei, todavia, que este teve um filho bastardo, Duarte, que herdou o condado de Viana e o legou a seu primogênito, Henrique, que também foi o primeiro conde de Loulé por mercê de Dom Afonso V em 1471, mas essa linhagem se extinguiu em Guiomar Coutinho, terceira condessa de Loulé e quinta de Marialva. Outro filho de Duarte, João, recebeu de Dom Manuel I o condado de Tarouca em 1499 e foi prior da Ordem Hospitalária desde 1508. Os Meneses desse ramo sobrepuseram as armas da casa a uma composição de seis quartéis com aquelas dos de Vila Lobos e dos Limas, presumivelmente o brasão do conde de Ourém.

Enfim, o condado de Barcelos não era hereditário até a Batalha de Aljubarrota (1385), daí que tenha sido dado a diferentes expoentes da Casa de Meneses: João Afonso, quarto senhor de Albuquerque e primeiro conde de Barcelos; João Afonso, conde de Ourém e quarto de Barcelos; Afonso, seu filho e quinto conde; João Afonso, filho de Martim Afonso e sexto conde.

Armas dos Cunhas: De ouro com nove cunhas de azul.
Armas dos Cunhas: De ouro com nove cunhas de azul.

Cunha

Cinco cunhas testemunhas
sobre campo que ouro banha
são de vir de terra estranha
o nobre sangue dos Cunhas,
a sê-lo mais em Espanha.
O certo nom sabem donde
mais que virem cá co conde
Dom Hanrique no começo.
Santarém é de seu preço
testemunha que lhe avonde.

Essa casa descende de Paio Guterres, primeiro senhor da Cunha, no Minho, que serviu a Dom Afonso Henriques, embora a literatura genealógica supusesse que tivesse vindo de fora com o conde Dom Henrique. Na quarta geração, Urraca Lourenço, filha de Lourenço Fernandes, terceiro senhor da Cunha, casou com Martim Martins Dade, alcaide de Santarém. Em testamento, ela instituiu um vínculo para a capela de São Bento, na Sé de Braga, deixando certos bens em Santarém e na Golegã para o seu sustento. Esse vínculo durou até a extinção definitiva do morgadio em Portugal, em 1863.

Cunha é um topônimo comum em Portugal e na Galiza. Nada tem a ver com cunha, o objeto (do latim *cunea, por cuneus), cuja figura faz as armas falantes dessa linhagem. Vem, na verdade, do latim culina 'cozinha', por meio da forma mais antiga cuinha.

Armas dos Sousas do Prado: esquartelado, no primeiro e quarto, as armas de Portugal antigo; o segundo e terceiro de prata com um leão de púrpura.
Armas dos Sousas do Prado: Esquartelado, no primeiro e quarto, as armas de Portugal antigo; o segundo e terceiro de prata com um leão de púrpura.

Sousas

De duas armas reais
com quinas e com liões
Sousas fazem quarteirões,
por serem filhos carnais
de dous reis por socessões:
dum que teve tal valor
que foi par d'emperador;
doutro em Portugal seu par,
o primeiro no reinar,
primeiro conquistador.

Essa casa vem de Egas Gomes, senhor de Sousa, no Douro, coetâneo de Afonso VI de Leão. Na sétima e oitava gerações, coube às filhas e netas de Mem Garcia de Sousa perpetuar a chefia da casa: Constança Mendes casou com Pedro Anes Portel e teve Maria Peres; Maria Mendes casou com Lourenço Soares de Valadares e teve Inês Lourenço. À sua vez, tanto Maria como Inês casaram com filhos ilegítimos de Dom Afonso III: aquela com Afonso Dinis e esta com Martim Afonso Chichorro.

De Maria Peres e Afonso Dinis descendem os Sousas de Arronches, que trazem as armas da casa — de vermelho com uma caderna de crescentes de prata  esquarteladas com as do Reino, diferençadas pelo filete de bastardia. De Inês Lourenço e Martim Afonso descendem os Sousas do Prado, que trazem as armas de Portugal antigo esquarteladas com as de Leão, pela rainha Dona Urraca, filha de Afonso VIII de Castela, e mãe de Dom Afonso III (leia-se a postagem de 21/01/2021).

O imperador a que o poeta refere é Afonso VII de Leão, que foi coroado imperator totius Hispaniæ ('imperador de toda a Espanha') em 1135; o primeiro no reinar e primeiro conquistador, Dom Afonso Henriques, primo desse imperador e vassalo seu. Afonso VII foi bisavô de Dona Urraca e Dom Afonso Henriques, bisavô de Dom Afonso III.