O que fazer quando diferentes bandeiras nacionais dividem os concidadãos?
Ainda que na Europa Ocidental em tempos recentes se conheçam conflitos armados, como a atuação do IRA (Irish Republican Army) na Irlanda e do ETA (Euskadi ta Askatasuna) na Espanha, na Europa Oriental os estados nacionais formaram-se perpetrando toda espécie de violência contra o gênero humano desde a Primeira Guerra Mundial. Talvez a Bósnia e Herzegovina seja o caso mais dramático.
Bandeira da Bósnia e Herzegovina. |
Segundo o censo iugoslavo de 1991, 44% da população da Bósnia e Herzegovina era bósnia, 32,5% sérvia, 17% croata e 6% diziam-se iugoslavos. Esses povos falam — de uma perspectiva estritamente linguística — o mesmo idioma, o que aponta uma origem comum, mas percursos diferentes os separaram cada vez mais. Assim, já antes do Grande Cisma de 1054 os croatas eram e ainda são cristãos ocidentais, embora a Santa Sé lhes permitisse o uso da língua eslava na liturgia (caso único antes do Concílio Vaticano II), em contraposição aos sérvios, que são cristãos orientais. Já os bósnios, estes descendem dos eslavos que habitavam o reino da Bósnia e se converteram ao Islã a partir da conquista otomana, em 1463. Foi assim que a mesma língua ganhou três nomes e padrões: croata, escrito em alfabeto latino; sérvio, em cirílico; bósnio, em arábico (depois também em latino).
Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas. |
A bandeira da República Socialista da Bósnia e Herzegovina refletia essa composição poliétnica sem uma maioria, pois consistia simplesmente de um pano vermelho com a bandeira da Iugoslávia no cantão.
Tendo, porém, a Eslovênia, a Macedônia e a Croácia declarado a independência respectivamente em junho, setembro e outubro de 1991, a Bósnia e Herzegovina estava na sequência dos próximos eventos. Assim, no 1.º de março de 1992 celebrou-se um referendo sobre a independência, cujo resultado — 99,7% favoráveis — levou à declaração da independência dois dias depois, apesar do boicote da comunidade sérvia.
Detalhe da bandeira da Bósnia e Herzegovina que ficava na entrada principal da sede da presidência em 1992 (conservada no Museu Histórico da Bósnia e Herzegovina; imagem disponível na Radio Sarajevo). |
Em seguida, a presidência da República da Bósnia e Herzegovina adotou provisoriamente por decreto em maio de 1992 os símbolos estatais novos, os quais ficaram confirmados pelos artigos 7.º e 8.º da constituição em março de 1993. Por armas assumiram-se aquelas da Casa de Kotromanić, que governou a Bósnia de 1250 a 1463, tal como as trouxe o rei Estêvão Tvrtko I: de azul com uma banda de prata entre seis flores de lis de ouro. A bandeira era um pano branco com o escudo das armas no centro.
Entretanto, a lealdade à República da Bósnia e Herzegovina logo se reduziria à comunidade bósnia. A sérvia, que sempre a rechaçara, separou-se, constituindo imediatamente a sua própria república. A croata afastou-se aos poucos da aliança inicial com a bósnia, tornando-se a terceira parte do conflito, igualmente como república separada desde agosto de 1993.
Não obstante, a reconciliação dos bósnios e croatas abriu o caminho para uma paz duradoura: pelo Acordo de Washington em março de 1994, criou-se a Federação da Bósnia e Herzegovina, que se dividiria em dez cantões. O fim da guerra foi firmado pelo Acordo de Dayton em dezembro de 1995. Desde então, a República Sérvia (Republika Srpska) compõe com a Federação da Bósnia e Herzegovina o estado da Bósnia e Herzegovina, que ganhou constituição nova, anexa ao referido acordo.
Como o Acordo de Dayton formou um estado cujo poder é partilhado pelos seus "povos constituintes" sob supervisão internacional, persistiu o problema dos símbolos, pois os croatas e sérvios não se sentiam representados pela bandeira e brasão adotados em 1992. Coube então ao alto-representante Carlos Westendorp impor uma bandeira nova sem nenhuma referência histórica nem étnica. O parlamento aprovou-a por lei em fevereiro de 1998.
Armas da Bósnia e Herzegovina (imagem disponível no website da Assembleia Parlamentar da Bósnia e Herzegovina). |
Apesar de se ter dito que o triângulo amarelo representa os três povos constituintes e as estrelas, a Europa, assim como o Acordo de Dayton, que acabou com a guerra estabelecendo não mais que um regime de tolerância entre esses povos, a bandeira "neutra" foi uma solução eficaz para um problema remanescente, mas nada diz aos cidadãos da Bósnia e Herzegovina. Assim, a bandeira da República Sérvia é a tricolor sérvia; na Federação, os bósnios ainda usam a bandeira de 1992 e os croatas, a tricolor croata.
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