21/11/23

BANDEIRAS REVOLUCIONÁRIAS: ITÁLIA

À falta de cores heráldicas que ajudem a construção da nação, uma bandeira revolucionária ganha grande força.

É verdade que durante a Idade Moderna a Itália foi o lugar onde se encontravam os interesses do Sacro Império, da França e da Espanha: à véspera da campanha revolucionária no fim do século XVIII, monarcas que ou se entroncavam ou se enlaçavam com as casas de Habsburgo e de Bourbon governavam todos os estados italianos, salvo os eclesiásticos e as repúblicas. Isso se mostrava nos pavilhões: por exemplo, o da Toscana tinha três faixas horizontais, vermelha, branca e vermelha, com as armas grão-ducais, tal como o austríaco, e o de Nápoles era branco com as armas reais, tal como o espanhol até 1785.

Bandeira da Itália.
Bandeira da Itália.

Entretanto, é igualmente verdadeiro que houve uma unificação cultural muito antes da unificação política, graças a três fatores. O primeiro é a geografia, porque o arco alpino e a forma peninsular delimitam naturalmente o território. O segundo é a memória histórica, porque os romanos chamavam Itália a essa península e tal noção nunca foi esquecida. O terceiro é o idioma, porque as obras de Dante Alighieri (1265-1321), Francesco Petrarca (1304-74) e Giovanni Boccaccio (1313-1375) deram o máximo prestígio ao dialeto florentino, de modo que outros escritores começaram a empregá-lo fora da Toscana já no século XV e desde meados do século seguinte serviu cada vez mais de língua oficial aos vários estados, tornando-se com o tempo a língua italiana.

É, pois, compreensível que, mesmo comandando uma invasão estrangeira, boa parte dos italianos, especialmente os intelectuais, tenha acolhido o jovem general Napoleão Bonaparte, que atravessou os Alpes para combater a coalizão contrarrevolucionária. Ora, assim como poucos anos antes os franceses tinham abolido primeiro os institutos da sociedade estamental e depois a própria monarquia (além de terem chegado a decapitar o rei), a derrota das potências que dividiam a Itália infundia nos italianos a esperança de constituir um estado cujos cidadãos, iguais em dignidade e direitos, deveriam a sua lealdade apenas à própria nação.

Com efeito, o gênio de Napoleão não basta, mas é o substantivo apoio interno que explica a queda de todos os monarcas na península ao cabo de três anos: em maio de 1796 o arquiduque Fernando da Áustria, que governava Milão em nome do imperador, fugiu; o duque Fernando I de Parma ficou preso no seu próprio palácio e o duque Hércules III de Módena partiu para o exílio, também o grão-duque Fernando III da Toscana em março de 1799; em fevereiro de 1798 o papa Pio VI foi detido e faleceu em agosto do ano seguinte, durante o cárcere na França; em dezembro de 1798 os reis Carlos Manuel IV da Sardenha e Fernando IV de Nápoles refugiaram-se em Cagliari e em Palermo.

Na verdade, nem mesmo as repúblicas escaparam, já que eram tão aristocráticas quanto as monarquias. O Maior Conselho dissolveu a República de Veneza em maio de 1797 e o Menor Conselho conveio a transição da República de Gênova para o regime constitucional em junho; em janeiro de 1799 impôs-se o mesmo à República de Luca. Esse regime emulava a constituição francesa do ano 3, daí a expressão república irmã, que dissimulava a realidade: as repúblicas irmãs serviam de estados-satélites à França.

Estandarte regimental da República Cisalpina (conservado no Museo del Risorgimento, Milão).
Estandarte regimental da República Cisalpina (conservado no Museo del Risorgimento, Milão).

Seja como for, a emulação abrangia a escolha de três cores para representar os ideais revolucionários: a República Romana adotou o branco, o vermelho e o preto; a República Cisalpina, o verde, o branco e o vermelho; a República Napolitana, o azul, o amarelo e o vermelho. Mas alguns fatos favoreceram a tricolor cisalpina.

Estandarte da 6.ª Coorte da Legião Lombarda (conservado no Musée de l'Armée, Paris).
Estandarte da 6.ª Coorte da Legião Lombarda (conservado no Musée de l'Armée, Paris).

Primeiro, antes de se tornar bandeira nacional por lei do Grande Conselho em maio de 1798, verde, branco e vermelho era o estandarte da Legião Lombarda. Segundo o prospecto da sua formação em outubro de 1796, "cada coorte terá o seu estandarte tricolor nacional lombardo distinto por número e ornado com os emblemas da liberdade". Numa carta datada do dia seguinte, o próprio Napoleão reporta ao Diretório quais são as cores: "os Senhores encontrarão aí a organização da legião lombarda: as cores nacionais que adotaram são o verde, o branco e o vermelho".

Depois, sendo o movimento revolucionário mais forte no vale do Pó, onde havia, ademais, a maior fragmentação política, vogava aí maior apelo à Itália como referente nacional. Assim, a legião formada em Módena alguns dias depois da lombarda não só se nomeou italiana, mas a sua norma dá às bandeiras das coortes as "três cores nacionais italianas". Ainda no mesmo mês, as atas do Senado Provisório de Bolonha registram que, "requerido quais sejam as cores nacionais para formar com elas uma bandeira, respondeu-se o verde, o branco e o vermelho".

Bandeira da República Cispadana (reconstrução de Ugo Bellocchi; imagem disponível na webpage do Museo del Tricolore, Régio na Emília).
Bandeira da República Cispadana (reconstrução de Ugo Bellocchi; imagem disponível na webpage do Museo del Tricolore, Régio na Emília).

Finalmente, em 7 de janeiro de 1797 o deputado Giuseppe Compagnoni propôs ao Segundo Congresso Cispadano "que se torne universal o estandarte ou bandeira cispadana de três cores, verde, branco e vermelho, e que se usem essas três cores também no tope cispadano, o qual há de ser trazido por todos". A Confederação Cispadana, depois República, começou unindo os governos provisórios de Ferrara, Bolonha, Módena e Régio e acabou fundida à República Cisalpina no fim de julho.

Retrato de Eugène de Beauharnais (1805), de Giovanni Battista Gigola (conservado no  Musée Marmottan-Monet). Ao fundo, na lagoa, vê-se um navio que arvora o pavilhão do Reino da Itália.
Retrato de Eugène de Beauharnais (1805), de Giovanni Battista Gigola (conservado no  Musée Marmottan-Monet). Ao fundo, na lagoa, vê-se um navio que arvora o pavilhão do Reino da Itália.

Em janeiro de 1802 em Lyon, uma consulta extraordinária de deputados cisalpinos encontrou Napoleão, a qual adotou uma constituição nova, renomeando a república Italiana, e o elegeu presidente. Quando este se coroou imperador dos franceses em dezembro de 1804, outra cerimônia na Catedral de Milão em maio de 1805 com a antiquíssima Coroa de Ferro consagrou a mudança de regime: a República Italiana deu lugar ao Reino da Itália. A bandeira permaneceu, todavia, a mesma constante de um aviso do Ministério da Guerra em agosto de 1802: "um quadrado com fundo vermelho, no qual é inserido um losango com fundo branco, que contém outro quadrado com fundo verde".

Bandeira da Giovine Italia (conservada no Museo del Risorgimento, Gênova).
Bandeira da Giovine Italia (conservada no Museo del Risorgimento, Gênova).

Apesar de a tricolor italiana ter sido criada durante a hegemonia da França revolucionária, é justo reconhecer a Giuseppe Mazzini a sua difusão em prol da libertação e unificação da Itália, precisamente num momento em que a contrarrevolução, vitoriosa desde 1814, oprimia tudo que ameaçasse as monarquias restauradas. Em 1831, ele fundou a Giovine Italia ('Jovem Itália') com o intuito de unificar a Itália na forma de uma república unitária. Na Istruzione generale per gli affratellati nella Giovine Italia, estabelece que "i colori della Giovine Italia sono il bianco, il rosso, il verde. La bandiera della Giovine Italia porta su quei colori scritte da un lato le parole Libertà, Uguaglianza, Umanità, dall'altro Unità, Indipendenza" ("as cores da Giovine Italia são o branco, o vermelho, o verde. A bandeira da Giovine Italia traz sobre essas cores escritas de um lado as palavras Liberdade, Igualdade, Humanidade, do outro Unidade, Independência").

"Veneza, Proclamação da República, Março de 1848" (litografia de Nicola Sanesi).
"Veneza, Proclamação da República, Março de 1848" (litografia de Nicola Sanesi).

Graças à militância de Mazzini, quando os italianos se levantaram contra a ordem imposta pelo Congresso de Viena (1815) no bojo da Primavera dos Povos, o verde-branco-vermelho foi assumido pelos nacionalistas em todo o país. Dessa vez nem todos os monarcas caíram, mas tiveram de aceitar constituições e demonstrar adesão ao novo regime. Essa demonstração fazia-se precisamente pela bandeira:

  • em Roma, por portaria do Ministério do Interior apôs-se gravata "com as cores italianas" à haste da bandeira pontifícia;
  • em Milão, por proclamação do governo provisório exortou-se a adoção da bandeira tricolor em todo o país;
  • em Turim, por proclamação do rei Carlos Alberto aos povos da Lombardia e de Veneza sobrepôs-se o escudo da Saboia à "bandeira tricolor italiana" que as tropas despachadas para essas regiões levariam;
  • em Veneza, por decreto do governo provisório adotou-se a mesma bandeira e na faixa verde um cantão branco com o leão de São Marcos em amarelo e perfil das três cores, sobre as quais acrescenta: "com as três cores comuns a todas as bandeiras hodiernas da Itália professa-se a comunhão italiana".

Bandeira dos revolucionários bolonheses (conservada no Museo Civico del Risorgimento, Bolonha).
Bandeira dos revolucionários bolonheses: a legenda quer dizer "Itália livre, Deus quer" (conservada no Museo Civico del Risorgimento, Bolonha).

Tudo isto em março de 1848. Prosseguiu-se em abril:

  • Em Módena, uma proclamação do governo provisório testemunha que a tricolor, "longo amor e suspiro perpétuo da nossa gente", já tremulava nas torres sineiras;
  • em Nápoles, pelo programa do ministro Carlo Troya, aprovado pelo rei Fernando II, circundou-se a bandeira real das "cores italianas";
  • em Parma, por ordenação da Suprema Regência estabeleceu-se que a bandeira e o tope das tropas estatais se comporiam das "cores do glorioso vexilo da Independência Italiana";
  • em Florença, por decreto do grão-duque Leopoldo II substituiu-se a bandeira vermelha, branca e vermelha pela "tricolor italiana" com as armas grão-ducais sobrepostas;
  • em Palermo, por decreto do Parlamento Geral da Sicília apôs-se o sinal da trinácria à "bandeira nacional".

Porta-bandeira da República Romana.
Porta-bandeira da República Romana.

Por último, em fevereiro de 1849 por decreto da Assembleia Constituinte a República Romana adotou "a italiana tricolor com a águia romana sobre a haste". Contudo, todas essas bandeiras foram proscritas antes do fim daquele ano, já que o liberalismo de Fernando II das Duas Sicílias tinha durado apenas três meses e depois reconquistou a Sicília, a Casa de Habsburgo retomou o Reino Lombardo-Vêneto e também reconduziu os duques Francisco V a Módena e Carlos II a Parma e o grão-duque Leopoldo II à Toscana e uma expedição francesa devolveu Roma a Pio IX. A exceção era o Reino da Sardenha.

Pavilhões da Itália, segundo o Flags of maritime nations (1914).
Pavilhões da Itália, segundo o Flags of maritime nations (1914).

Com efeito, Vítor Manuel I, que sucedeu à abdicação de Carlos Alberto ainda em 1849, teve a longividência de preservar dois elementos que sustentariam a esperança na unificação da Itália: o estatuto outorgado em março de 1848 e a bandeira ordenada por decreto régio em abril do mesmo ano. Esta era a mesma que a proclamação de março dera às tropas sabaudas que apoiariam os insurgentes lombardos e vênetos, mas o seu uso ficava estendido às marinhas de guerra e mercante, para esta sem a coroa sobre o escudo. Um decreto em 1860 especificou para o exército o escudo "com contorno azul".

Vítor Manuel I acertou. Com Camillo Benso, conde de Cavour, à presidência do Conselho de Ministros, a Casa de Saboia encabeçou o Risorgimento, garantindo que a Itália unida fosse uma monarquia constitucional, moderadamente liberal. Ora, sendo a assunção do título de rei da Itália em 1861 um ato do estado sardo, a bandeira do novo reino permaneceu a mesma desse estado. Demorou até 1923 para que se renovasse a norma nessa matéria: um decreto régio, convertido em lei dois anos depois. Curiosamente, a redação é quase heráldica: "La bandiera nazionale è formata da un drappo di forma rettangolare, interzato in palo, di verde, di bianco e di rosso, col bianco coronato dallo stemma reale, bordato d'azzurro" ("A bandeira nacional é formada por um pano de forma retangular, terciado em pala, de verde, de branco e de vermelho, com o branco coroado pelo brasão real, bordado de azul").

Pavilhão naval da Itália.
Pavilhão naval da Itália.

As armas reais foram suprimidas pela primeira vez em novembro de 1943, quando a República Social Italiana, estado fantoche da Alemanha no bojo do avanço aliado a partir da Sicília, regulou os seus símbolos, como se lê nas atas do Conselho de Ministros. No entanto, a sucessora legal do Reino da Itália é a república que se constituiu após o referendo de 2 de junho de 1946. No dia 19 desse mês, por decreto de Alcide de Gasperi, chefe provisório do estado, a tricolor verde, branca e vermelha permaneceu bandeira nacional, mas sem nenhum emblema, o que foi confirmado pela Constituição de 1948.

Pavilhão mercante da Itália.
Pavilhão mercante da Itália.

Atualmente, o uso da bandeira italiana é regulado por uma série de protocolos, compilados pela Presidência do Conselho de Ministros. Para a navegação, há três pavilhões: o naval e o mercante são ordenados por outro decreto de 1947, que carrega a faixa branca de um escudo esquartelado com as armas das repúblicas marítimas — Veneza, Pisa, Gênova e Amalfitana —, naquele encimado de uma coroa torreada e rostrada, neste sem essa coroa nem a espada empunhada pelo leão; o terceiro consta de um decreto presidencial de 2010, é reservado às embarcações governamentais e traz o emblema estatal na mesma faixa.

Pavilhão governamental da Itália.
Pavilhão governamental da Itália.

Portanto, a tricolor italiana já foi agitada por antagônicos regimes: republicanos e monárquicos, liberais e conservadores, extremistas e moderados, democráticos e autoritários. É possível que o seu sucesso se deva precisamente à indeterminação da sua origem, já que, para além da evidente semelhança à tricolor francesa, em nenhum lugar se vislumbra a fonte desse arranjo cromático. Ora, sem vínculo com esse ou aquele signo sectário, ela pôde ser aceita por todos os defensores da nação italiana, diferentemente dos emblemas estatais, como as armas do Reino da Itália, que pertencem, na verdade, à Casa de Saboia.

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