26/09/23

BANDEIRAS DE CORES HERÁLDICAS: ESPANHA

A navegação marítima durante a Idade Moderna foi fundamental para o desenvolvimento do conceito de bandeira nacional.

Uma bandeira é um signo que tem a vantagem de ser reconhecido ao longe, por vezes de muito longe. Disso se aproveita especialmente a navegação nos mares e nos grandes rios, o meio de transporte mais conveniente a longa distância até o desenvolvimento da aviação. Daí que a própria palavra pavilhão se tenha generalizado, vindo designar qualquer bandeira. A rigor, o pavilhão (ensign em inglês) é uma signa naval. Dependendo do país, há um pavilhão nacional único ou pavilhões diferentes para a marinha de guerra ou a mercante.

Bandeira da Espanha.
Bandeira da Espanha.

Com efeito, enquanto o rei de Leão trouxe um leão de púrpura em campo de prata, o de Castela um castelo de ouro em campo de vermelho ou o de Aragão quatro palas de vermelho em campo de ouro, essas armas puderam distingui-los nos menores objetos, como um selo, e também numa bandeira, a ser divisada a distância. Contudo, cada união dinástica diminuiu as figuras e deu lugar a uma composição que servia mais a transmitir certa visão do poder e menos ao fim prático da identificação. Desde Carlos I, a bandeira real, como o brasão, comportou nos seus quartéis as armas de Castela, Leão, Aragão, Sicília, Granada, Áustria, Borgonha (antigo e moderno), Brabante, Flandres e Tirol, nem sempre ordenados da mesma forma.

Estandarte de Filipe VI, rei da Espanha (imagem disponível no Boletín Oficial del Estado).
Estandarte de Filipe VI, rei da Espanha (imagem disponível no Boletín Oficial del Estado).

A maior prova de que o estandarte real (também dito pendão real) exprimia cada vez mais a soberania da Coroa é que, precisamente a partir de Filipe II, em vez do recurso à bandeira heráldica se começou a reproduzir o brasão sobre um pano carmesim (a cor real castelhana), porque assim se podiam mostrar as insígnias régias: a coroa, o colar da Ordem do Tosão de Ouro, a águia de São João. Consequentemente, o uso desse vexilo reduziu-se paulatinamente a cerimônias estatais, algumas das quais se celebram até hoje, como a Tomada de Granada.

Pavilhão real da Espanha (1700-85) em La connaissance des pavillons... (exemplar da Bibliothèque nationale de France).
Pavilhão real da Espanha (1700-85) em La connaissance des pavillons... (1737).

Em compensação, a Casa de Borgonha legou à Coroa espanhola a cruz de Santo André, o padroeiro do ducado que lhe dava nome e da Ordem do Tosão de Ouro: uma aspa nodosa vermelha, que desde então distinguiu os exércitos, a armada e a frota mercante da Espanha, amiúde combinada com outros emblemas em campos de diferentes cores. Para os regimentos de infantaria, sucessores dos velhos terços, Filipe V ordenou que esse campo fosse branco, a cor preferida da nova casa reinante, daí que também a tenha escolhido para o novo pavilhão de guerra, que passou a ser um pano liso, carregado das armas reais.

Aí está. Branca com as armas reais era a bandeira de Portugal desde o reinado de Dom Manuel I (1495-1521) e o pavilhão francês de guerra desde 1661. Além disso, em 1731 os Bourbons espanhóis vieram herdar o ducado de Parma e em 1734 e seguinte reconquistaram os reinos de Nápoles e da Sicília, aonde levaram a preferência pelo pavilhão branco com as armas do monarca. Esse monarca era o infante Carlos, o quarto filho de Filipe V e o que sucedeu ao trono espanhol em 1759.

Bandeiras escolhidas por Carlos III em 1785 (documento conservado no Archivo Histórico Nacional, n.º 986; imagem disponível em La bandera, de Luis Grávalos).
Bandeiras escolhidas por Carlos III em 1785 (conservado no Archivo Histórico Nacional, n.º 986; imagem disponível em La bandera, de Luis Grávalos).

Foi precisamente Carlos III quem encarregou Antonio Valdés, secretário de estado da Marinha, de remediar "los inconvenientes y perjuicios que ha hecho ver la experiencia puede ocasionar la bandera nacional de que usa mi Armada Naval y demás embarcaciones españolas, equivocándose a largas distancias o con vientos calmosos con las de otras naciones" ("os inconvenientes e prejuízos que fez ver a experiência pode ocasionar a bandeira nacional de que usa a minha Armada Naval e demais embarcações espanholas, equivocando-se a longas distâncias ou com ventos calmosos com as de outras nações"), como diz o Real Decreto de 28 de maio de 1785. Para tanto, o secretário Valdés apresentou doze propostas de pavilhões ao rei, quem pelo referido ato fez saber a escolha dos seguintes:

[...] en adelante usen mis buques de guerra de bandera dividida a lo largo en tres listas, de las que la alta y la baja sean encarnadas y del ancho cada una de la cuarta parte del total, y la de en medio amarilla, colocándose en esta el escudo de mis reales armas, reducido a los dos cuarteles de Castilla y León, con la corona real encima [...]. Y de las demás embarcaciones usen sin escudo los mismos colores, debiendo ser la lista de en medio amarilla y del ancho de la tercera parte de la bandera, y cada una de las restantes partes dividida en dos listas iguales, encarnada y amarilla alternativamente. (1)

Por que o vermelho e o amarelo? Simplesmente porque já eram habituais, afinal iluminavam, como ainda iluminam, as citadas armas de Castela e de Aragão, dois dos títulos régios de maior precedência, por nomearem as coroas cuja união fundara a monarquia espanhola. Segue-se que consiste numa bandeira de cores heráldicas, uma modalidade destinada ao sucesso, tanto que nos anos seguintes o seu uso se estendeu às praças, fortalezas e defesas costeiras e em 1808 o próprio povo a tremulou na luta contra a ocupação francesa. Finalmente, em 1843 foi declarada "el verdadero símbolo de la monarquía española" (Real Decreto de 13 de outubro) e foi prescrita ao conjunto das forças armadas.

Armas da Espanha (imagem disponível no portal da Presidência do Governo espanhol).
Armas da Espanha (imagem disponível no portal da Presidência do Governo espanhol).

A bandeira da Espanha está descrita no artigo 4.º da Constituição de 1978 sem o brasão. Com o brasão, está regulada por lei de 1981. Este mesmo foi e está ordenado por outra lei, passada alguns dias antes daquela. Sem o escudo, é o pavilhão mercante desde que um Real Decreto estabeleceu isso em 1927. Ademais, o Reglamento de banderas y estandartes, guiones, insignias y distintivos dispõe vários pavilhões para o Exército, o Exército do Ar, o Ministério da Fazenda, os correios marítimos, os serviços portuários de saúde e as embarcações de recreio, nos quais o brasão é substituído por letras iniciais e outras figuras.

Nota:
(1) "[...] 
em diante usem os meus navios de guerra de bandeira dividida no comprido em três listras, das quais a alta e a baixa sejam encarnadas e de largura, cada uma da quarta parte do total, e a do meio amarela, colocando-se nesta o escudo das minhas reais armas, reduzido aos dois quartéis de Castela e Leão, com a coroa real em cima [...]. E das demais embarcações usem sem escudo as mesmas cores, devendo ser a lista do meio amarela e de largura da terceira parte da bandeira, e cada uma das restantes partes, dividida em duas listras iguais, encarnada e amarela alternativamente." (tradução minha)

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