15/11/23

CORES PAN-ESLAVAS: TCHÉQUIA

Bandeiras de duas cores heráldicas funcionam bem, mas num mundo onde cada país deve ter uma bandeira diferente, mostra-se um recurso limitado.

Tchéquia é a denominação que o governo desse país recomendou à Organização das Nações Unidas em 2016, se bem que República Tcheca continua usual. Embora o povo eslavo nativo já lhe chamasse Čechy antes da Primeira Guerra Mundial, era conhecido por Boêmia no Ocidente.

Bandeira da Tchéquia.
Bandeira da Tchéquia.

Em 1526, a dieta boêmia elegeu o arquiduque Fernando da Áustria rei. Desde então, a Coroa de São Venceslau — que de 1742 em diante abrangia o reino da Boêmia, os ducados da Alta e Baixa Silésias e a marca da Morávia — fez parte da monarquia dos Habsburgos, cujo derradeiro tempo, de 1867 a 1918, decorreu na forma do Compromisso Austro-Húngaro.

"Pavilhões e bandeiras", tábua XX do Österreichisch-ungarische Wappenrolle (1900), de Hugo Gerard Ströhl.
"Pavilhões e bandeiras", tábua XX do Österreichisch-ungarische Wappenrolle (1900), de Hugo Gerard Ströhl.

Na Áustria-Hungria, tornou-se habitual que cada uma das terras de ambas as Coroas (Kronländer) tivesse a sua bandeira ou cores (LandesfahneLandesfarben), normalmente duas em faixas horizontais, correspondentes aos esmaltes principais das suas armas (Landeswappen). É claro que um método tão singelo dava uma série de bandeiras iguais, como até hoje se observa entre os estados (Länder) da Alemanha e da Áustria:

  • Alta Áustria: partido, o primeiro de negro com uma águia de ouro, linguada e armada de vermelho; o segundo palado de prata e vermelho de quatro peças, daí uma bandeira branca e vermelha;
  • Tirol: de prata com uma águia de vermelho, bicada, membrada e coroada de ouro, cada asa carregada de um Kleestängel do mesmo, com uma coroa de louros de verde em volta da sua cabeça, daí uma bandeira branca e vermelha;
  • Turíngia: de azul com um leão faixado de vermelho e prata de oito peças, armado e coroado de ouro, acompanhado de oito estrelas de seis raios de prata, daí uma bandeira branca e vermelha.

Assim, o número 17 da prancha XX ("Pavilhões e bandeiras") da Österreichisch-ungarische Wappenrolle (1900), de Hugo Gerard Ströhl, ilustra a bandeira da Alta Áustria e do Tirol, mas também da Boêmia, cujas armas são de vermelho com um leão de cauda forcada de prata, armado, lampassado e coroado de ouro.

Pequenas armas da Tchéquia (imagem disponível no site do Ministério do Interior da República Tcheca).
Pequenas armas da Tchéquia (imagem disponível no site do Ministério do Interior da República Tcheca).

Enquanto a monarquia austro-húngara durou, essas coincidências não causavam estorvo, porque as "cores provinciais" serviam principalmente à decoração de ambientes em dias festivos. No entanto, após a Primeira Guerra Mundial outros eslavos ocidentais também se tornaram independentes: os polacos, que adotaram precisamente uma bandeira branca e vermelha, correspondente à sua águia de prata, bicada, membrada e coroada de ouro, em campo de vermelho. Como os polacos por muito tempo tiveram o seu próprio estado, essas armas e cores puderam simbolizar a sua república de forma bastante pacífica, diferentemente das armas e cores boêmias para a República Tchecoslovaca, de modo que foi a esta que conveio trocar a bandeira.

Proposta original de Jaroslav Kursa para a bandeira da Tchecoslováquia com o triângulo a um terço do comprimento (imagem disponível na Wikimedia Commons).

Com efeito, o próprio nome Tchecoslováquia assinala que esse estado nasceu com o fito de unir os eslavos que habitavam o norte da Áustria-Hungria: os tchecos, os eslovacos e também os rutenos da Transcarpátia. Assim, em abril de 1919 o Ministério do Interior designou uma comissão para examinar o assunto e em março de 1920 a Assembleia Nacional passou uma lei adotando a proposta do arquivista Jaroslav Kursa, que acrescentou um triângulo azul à bicolor branca e vermelha junto à tralha. Esse acrescentamento foi compreendido como alusivo à Eslováquia e, ao mesmo tempo, perfez as cores pan-eslavas.

Diferentemente dos tchecos, para quem o reino e coroa da Boêmia eram um referente comum, os eslovacos tinham sido habitantes e súditos do reino e coroa da Hungria. Ainda que falem idiomas bastante parecidos, isso lhes forjou identidades diferentes. Eles se uniram sob um mesmo e novo estado porque precisavam lidar com a presença substancial de alemães e húngaros dentro do seu território, os quais subitamente passaram de elites a minorias étnicas. Isso levou aos eventos da Segunda Guerra Mundial.

Tendo o Exército Vermelho libertado a Europa oriental, a República Tchecoslovaca, que subsistira no exílio, foi restaurada com os seus símbolos, mas a União Soviética lhe arrebatou a Rutênia transcarpática e em 1948 fomentou um golpe de estado que impôs o regime socialista. Ao contrário dos bolcheviques em 1917, que julgavam o nacionalismo uma ideologia burguesa, já não se impunha a destituição dos símbolos nacionais, ao menos a bandeira, que se preservou.

O socialismo caiu no fim de 1989 e em março do ano seguinte o Conselho Nacional Tcheco passou uma lei constitucional sobre os símbolos da República Tcheca, que retomou a bicolor branca e vermelha. A federação dos estados tcheco e eslovaco, constituída em 1969, caminhava então para a sua dissolução, que aconteceu no último dia de 1992. Curiosamente, em 1.º de janeiro de 1993 por força de outra lei do mesmo conselho, a Tchéquia seguiu usando a bandeira da Tchecoslováquia.

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