Bandeiras de duas cores heráldicas funcionam bem, mas num mundo onde cada país deve ter uma bandeira diferente, mostra-se um recurso limitado.
Tchéquia é a denominação que o governo desse país recomendou à Organização das Nações Unidas em 2016, se bem que República Tcheca continua usual. Embora o povo eslavo nativo já lhe chamasse Čechy antes da Primeira Guerra Mundial, era conhecido por Boêmia no Ocidente.
Bandeira da Tchéquia. |
Em 1526, a dieta boêmia elegeu o arquiduque Fernando da Áustria rei. Desde então, a Coroa de São Venceslau — que de 1742 em diante abrangia o reino da Boêmia, os ducados da Alta e Baixa Silésias e a marca da Morávia — fez parte da monarquia dos Habsburgos, cujo derradeiro tempo, de 1867 a 1918, decorreu na forma do Compromisso Austro-Húngaro.
"Pavilhões e bandeiras", tábua XX do Österreichisch-ungarische Wappenrolle (1900), de Hugo Gerard Ströhl. |
Na Áustria-Hungria, tornou-se habitual que cada uma das terras de ambas as Coroas (Kronländer) tivesse a sua bandeira ou cores (Landesfahne, Landesfarben), normalmente duas em faixas horizontais, correspondentes aos esmaltes principais das suas armas (Landeswappen). É claro que um método tão singelo dava uma série de bandeiras iguais, como até hoje se observa entre os estados (Länder) da Alemanha e da Áustria:
- Alta Áustria: partido, o primeiro de negro com uma águia de ouro, linguada e armada de vermelho; o segundo palado de prata e vermelho de quatro peças, daí uma bandeira branca e vermelha;
- Tirol: de prata com uma águia de vermelho, bicada, membrada e coroada de ouro, cada asa carregada de um Kleestängel do mesmo, com uma coroa de louros de verde em volta da sua cabeça, daí uma bandeira branca e vermelha;
- Turíngia: de azul com um leão faixado de vermelho e prata de oito peças, armado e coroado de ouro, acompanhado de oito estrelas de seis raios de prata, daí uma bandeira branca e vermelha.
Assim, o número 17 da prancha XX ("Pavilhões e bandeiras") da Österreichisch-ungarische Wappenrolle (1900), de Hugo Gerard Ströhl, ilustra a bandeira da Alta Áustria e do Tirol, mas também da Boêmia, cujas armas são de vermelho com um leão de cauda forcada de prata, armado, lampassado e coroado de ouro.
Pequenas armas da Tchéquia (imagem disponível no site do Ministério do Interior da República Tcheca). |
Enquanto a monarquia austro-húngara durou, essas coincidências não causavam estorvo, porque as "cores provinciais" serviam principalmente à decoração de ambientes em dias festivos. No entanto, após a Primeira Guerra Mundial outros eslavos ocidentais também se tornaram independentes: os polacos, que adotaram precisamente uma bandeira branca e vermelha, correspondente à sua águia de prata, bicada, membrada e coroada de ouro, em campo de vermelho. Como os polacos por muito tempo tiveram o seu próprio estado, essas armas e cores puderam simbolizar a sua república de forma bastante pacífica, diferentemente das armas e cores boêmias para a República Tchecoslovaca, de modo que foi a esta que conveio trocar a bandeira.
Proposta original de Jaroslav Kursa para a bandeira da Tchecoslováquia com o triângulo a um terço do comprimento (imagem disponível na Wikimedia Commons). |
Com efeito, o próprio nome Tchecoslováquia assinala que esse estado nasceu com o fito de unir os eslavos que habitavam o norte da Áustria-Hungria: os tchecos, os eslovacos e também os rutenos da Transcarpátia. Assim, em abril de 1919 o Ministério do Interior designou uma comissão para examinar o assunto e em março de 1920 a Assembleia Nacional passou uma lei adotando a proposta do arquivista Jaroslav Kursa, que acrescentou um triângulo azul à bicolor branca e vermelha junto à tralha. Esse acrescentamento foi compreendido como alusivo à Eslováquia e, ao mesmo tempo, perfez as cores pan-eslavas.
Diferentemente dos tchecos, para quem o reino e coroa da Boêmia eram um referente comum, os eslovacos tinham sido habitantes e súditos do reino e coroa da Hungria. Ainda que falem idiomas bastante parecidos, isso lhes forjou identidades diferentes. Eles se uniram sob um mesmo e novo estado porque precisavam lidar com a presença substancial de alemães e húngaros dentro do seu território, os quais subitamente passaram de elites a minorias étnicas. Isso levou aos eventos da Segunda Guerra Mundial.
Tendo o Exército Vermelho libertado a Europa oriental, a República Tchecoslovaca, que subsistira no exílio, foi restaurada com os seus símbolos, mas a União Soviética lhe arrebatou a Rutênia transcarpática e em 1948 fomentou um golpe de estado que impôs o regime socialista. Ao contrário dos bolcheviques em 1917, que julgavam o nacionalismo uma ideologia burguesa, já não se impunha a destituição dos símbolos nacionais, ao menos a bandeira, que se preservou.
O socialismo caiu no fim de 1989 e em março do ano seguinte o Conselho Nacional Tcheco passou uma lei constitucional sobre os símbolos da República Tcheca, que retomou a bicolor branca e vermelha. A federação dos estados tcheco e eslovaco, constituída em 1969, caminhava então para a sua dissolução, que aconteceu no último dia de 1992. Curiosamente, em 1.º de janeiro de 1993 por força de outra lei do mesmo conselho, a Tchéquia seguiu usando a bandeira da Tchecoslováquia.
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