A tricolor francesa é uma das insígnias mais influentes da história humana.
Que os homens nascem livres e iguais; que a soberania reside na nação; que a lei é a expressão da vontade geral; que a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; que para as despesas administrativas uma contribuição comum é necessária e deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos são alguns dos princípios que a Assembleia Nacional Constituinte da França estabeleceu em agosto de 1789 e dividem a história da civilização ocidental em antes, o Antigo Regime, e depois, a Era Contemporânea, apesar das distorções às quais os ataques e experimentos autoritários os submetem permanentemente.
Bandeira da França. |
Tendo a Revolução Francesa desenvolvido o conceito de nação, o próprio fato de os estados soberanos assumirem normalmente três símbolos — uma bandeira, um emblema e um hino — é-lhe devedor, seja o emblema heráldico ou de outra espécie, tenha a bandeira cores heráldicas ou outra origem. Mas algumas bandeiras são, por si, revolucionárias, já que desde a dita revolução as cores receberam nova significação, servindo para mostrar adesão à causa nacional, depois mera manifestação de patriotismo. A bandeira da França é prototípica dessas novidades.
"A Festa da Federação, aos 14 de julho de 1790, no Champ-de-Mars, atual 7.º Distrito" (1792), de Charles Thévenin (conservado no Musée Carnavalet). Veem-se as cores nacionais por toda a parte: nos topes, uniformes, estandartes e também em bandeiras hasteadas no alto do pavilhão à direita. |
Com efeito, antes de empunharem bandeiras, os revolucionários franceses faziam-se reconhecer por um adereço de chapéu: o tope. Chamado também cocar ou roseta, consiste num laço de fitas em forma de flor e com as cores vermelha, branca e azul apareceu já a 14 de julho, quando o povo tomou a Bastilha. No dia 17 na prefeitura de Paris foi o próprio rei que a apôs ao seu chapéu e em outubro a Assembleia Nacional declarou por decreto que o tope com as ditas cores era o único que os cidadãos deviam trazer.
"O Brunswick e o Vengeur du Peuple na Batalha do 1.º de junho de 1794" (1795), de Nicholas Pocock (conservado no National Maritime Museum). |
Um ano depois, na Festa da Federação que se celebrou aos 14 de julho de 1790, arvoraram-se bandeiras com diferentes arranjos das cores nacionais em faixas horizontais. Em outubro, a Assembleia Nacional fixou por decreto a disposição dessas cores nos pavilhões franceses: o jaque ("pavillon de beaupré") tinha três faixas verticais, vermelha, branca e azul, e o pavilhão ("pavillon de poupe"), tanto da marinha de guerra como da mercante, era branco e tinha o referido jaque no cantão, este com um perfil duplo, o interno branco e o externo vermelho. Evitar confusão com o pavilhão holandês foi decisivo na opção pela posição vertical das faixas.
Finalmente, por decreto da Convenção Nacional em 15 de fevereiro de 1794 (27 de pluvioso do ano 2), em vigor desde 20 de maio (1.º de pradial) rearranjaram-se as cores: "Le pavillon national sera formé des trois couleurs nationales, disposées en trois bandes égales, posées verticalement, de manière que le bleu soit attaché à la gaule du pavillon, le blanc au milieu et le rouge flottant dans les airs" ("O pavilhão nacional será formado pelas três cores nacionais, dispostas em três faixas iguais, postas verticalmente, de modo que o azul fique preso à tralha do pavilhão, o branco no meio e o vermelho tremulando nos ares").
No entanto, todos esses atos estavam expressamente voltados à navegação. O primeiro que abrangeu o uso civil em terra foi uma ordenação do imperador Napoleão I em março de 1815 (portanto durante os Cem Dias): "Le pavillon tricolore sera arboré à la maison commune des villes et sur les clochers des campagnes". Apesar do termo pavilhão, se seria arvorado nas casas de câmara das cidades e nas torres sineiras do campo, não se tratava de uma signa naval, mas de uma bandeira nacional.
Muito se tem dissertado sobre a origem das cores nacionais francesas, mas a meu ver cabe buscá-la na espontaneidade da própria Revolução, a partir de referências comuns para aqueles que primeiro as tomaram. Se não, vejamos.
O rei da França no Armorial de l'Europe et de la Toison d'or (conservado na Bibliothèque de l'Arsenal, ms. 4790, fol. 47v). |
O azul é a cor do campo das armas reais: de azul com três flores de lis de ouro (França moderno), antes semeado das mesmas figuras (França antigo). Na forma de um chefe, o chef de France, honrava as armas das bonnes villes, inclusive as de Paris, onde a Revolução começara. Além disso, azuis eram igualmente algumas insígnias régias ou partes delas, como o manto e o forro da coroa, e a banda da Ordem do Espírito Santo (cordon bleu), como se vê no retrato de Luís XV que Hyacinthe Rigaud pintou em 1730.
"Novo pavilhão dos navios mercantes franceses" em La connaissance des pavillons... (1737). |
Com relação a vexilos, uma cruz branca, dita de São Miguel, distinguiu os soldados do rei francês durante a Guerra dos Cem Anos, em contraposição à cruz de São Jorge, que traziam os soldados do rei inglês. Em campo azul, às vésperas da Revolução estava presente no estandarte do Regimento do Rei e servira de pavilhão à marinha mercante. Numa ordenação de 1661, Luís XIV chama-lhe "l'ancien pavillon de la nation françoise" ("o antigo pavilhão da nação francesa").
"Pavilhão da França" em La connaissance des pavillons... (1737). |
Na verdade, a ordenação de 1661 visava a reprimir o abuso dos mercadores, que vinham arvorando o pavilhão reservado aos navios do rei. Este era um pano branco, precisamente a segunda das cores nacionais depois da Revolução. O branco extrapolou a cruz de São Miguel no reinado de Henrique IV, quem já em 1590 editou uma ordenação impondo aos seus "bons e leais súditos" trazer uma faixa branca (écharpe blanche), como se vê no seu retrato, pintado no ateliê de Frans Pourbus (1601-25). Desde 1690, faixas brancas foram atadas às pontas das lanças dos estandartes regimentais, os quais mostravam cruzes da mesma cor. Finalmente, por ordenação em 1765 Luís XV permitiu o uso do pavilhão branco à marinha mercante.
Portanto, antes da Revolução o pavilhão branco era o mais próximo a uma bandeira nacional, tanto que foi restabelecido durante a Restauração dos Bourbons (1814-30, com o hiato dos Cem Dias em 1815), agora também nos estandartes regimentais. Isso e mais o uso em terra, onde às vezes o carregavam as armas reais e às vezes o ornavam lises dourados, caracterizam efetivamente uma bandeira nacional.
Armas reais da França e de Navarra em Les noms et surnoms, qualités, armes et seigneuries de tous les cardinaux, prélats et commandeurs de l'Ordre du Saint-Esprit (séc. XVII). |
Quanto ao vermelho, é a cor do campo das armas reais navarras: de vermelho com um brocal de ouro, carregado de uma esmeralda de sua cor, depois correntes desse metal em cruz, aspa e orla. Henrique IV, o mesmo que fez do branco a cor da monarquia, era rei de Navarra antes de sê-lo também da França, o primeiro da Casa de Bourbon. Diferentemente de outros monarcas europeus, que ostentavam verdadeiras coleções de títulos, os franceses intitularam-se desde 1589 reis da França e de Navarra e traziam as armas de um reino e do outro unidas.
Registro das armas de Paris no Armorial général de France, de Charles d'Hozier, 1699 (fac-similado em Les armoiries de la ville de Paris, do conde Anatole de Coëtlogon e Lazare-Maurice Tisserand, 1874). |
Vermelho é também o campo das armas de Paris: de vermelho com um navio de vela enfunada de prata, vogando num rio do mesmo, e um chefe de azul, semeado de flores de lis de ouro. Originariamente o selo da Corporação dos Mercadores da Água, na forma de um escudo iluminado estão atestadas desde 1416. Com efeito, a guarda parisiense (depois nacional), instituída aos 13 de julho de 1789, trazia um tope vermelho e azul. Gilbert du Motier, marquês de La Fayette e comandante dessa milícia desde o dia 15, conta nas suas memórias que esse tope foi o que o rei recebeu na visita ao paço municipal no dia 17 e ele, La Fayette, foi quem, juntando o branco da monarquia às cores burguesas, engenhou o tope tricolor e o apresentou dez dias depois ao Comitê Militar da cidade.
Seja como for, das Três Gloriosas em diante o azul-branco-vermelho consagrou-se independentemente do regime político em voga: a Carta Constitucional de 1830 diz que a França retomava as suas cores (art. 67) e, à falta de brasão, a Constituição de 1958 (art. 2.º), que "l'emblème national est le drapeau tricolore, bleu, blanc, rouge" ("o emblema nacional é a bandeira tricolor, azul, branca, vermelha"). Essa consagração é tão sólida que o decreto editado pelo governo provisório da Segunda República em março de 1848 permanece a norma infraconstitucional mais recente sobre a forma da bandeira francesa.
Pavilhões da França no Album des pavillons... (1858), de Alexandre Le Gras. O nacional é o III. |
Contudo, faixas verticais têm duas desvantagens. Quando a bandeira tremula, a faixa do lado do batente parece diminuir para o observador, mormente na navegação; quando não há vento, é a faixa do lado da tralha que as dobras do pano escondem em grande parte, o que atinge qualquer uso em recinto fechado. O primeiro problema foi resolvido durante o Segundo Império (1852-70): deram-se respectivamente as proporções de 30%, 33% e 37% às faixas, como se constata na primeira edição do Album des pavillons, guidons, flammes de toutes les puissances maritimes (1858), de Alexandre Le Gras. Para resolver o segundo problema, desde a presidência de François Mitterrand até a de François Hollande adotou-se a solução de reduzir a faixa branca, de modo que as três parecessem ter o mesmo tamanho em enquadramentos para transmissões audiovisuais. Essa prática cessou sob Emmanuel Macron, quem também reaproximou a tonalidade do azul à mais escura, de que as forças armadas usam.
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