27/11/23

BANDEIRAS REVOLUCIONÁRIAS: ROMÊNIA

Bandeiras revolucionárias tornam-se muito potentes quando representam povos que lutam por união e soberania.

Não à toa, é frequente confundir A liberdade guiando o povo com uma cena da Revolução Francesa ou mesmo da Primavera dos Povos, quando o autor, Eugène Delacroix, pintou uma cena das Três Gloriosas. É que essa segunda revolução se releva tanto quanto a primeira e preparou a terceira. Com efeito, a de 1789 findou uma era e a de 1830 firmou que já não se aceitava sequer a outorga de carta constitucional pelo soberano, pois se a república ainda lembrava o terror revolucionário, era à nação que o monarca devia a sua dignidade. Em 1848, até a abolição da escravidão, o sufrágio universal (masculino) ou a liberdade de expressão se fizeram valores inegociáveis e o regime republicano deixou de ser um tabu.

Bandeira da Romênia.
Bandeira da Romênia.

A bandeira da Romênia surgiu precisamente nesse momento, em que já não se podiam conter os ideais revolucionários. As cores foram concedidas em 1835 por edito do sultão Mamude II a pedido de Alexandre II Ghica, príncipe da Valáquia: aos navios mercantes, "steag cu fața galbenă și roșie, având pe dânsul și stele și la mijloc pasăre albastră cu un cap" ("bandeira com a face amarela e vermelha, tendo nela estrelas e no meio um pássaro azul com uma cabeça"); ao exército, "alt steag însă: pe jumătatea cea de sus roșie iar cealaltă jumătate albastră și galbenă, având și aceste stele și pasăre cu un cap la mijloc" ("outra bandeira, porém: na metade de cima vermelha e a outra metade azul e amarela, tendo também essas estrelas e um pássaro com uma cabeça no meio") (1). Mas Anuarul Prințipatului Țări Rumânești testemunha em 1842 que a bandeira militar sofrera alterações: as faixas horizontais tinham o mesmo tamanho, com o amarelo no meio e o brasão valaco sobreposto.

"Oștirea pământenească" ("Exército nacional") no Anuarul Prințipatului Țări Rumânești (1842).
"Oștirea pământenească" ("Exército nacional") no Anuarul Prințipatului Țări Rumânești (1842).

Os três impérios que dominavam então a Europa oriental dividiam os romenos: os principados da Moldávia e da Valáquia estavam sob suserania otomana e proteção russa e o principado da Transilvânia fazia parte da monarquia dos Habsburgos. Na verdade, a Moldávia e a Valáquia tinham um status muito particular, já que pelo Tratado de Adrianópole (1829) o sultão e o tsar acordaram outorgar-lhes um "regulamento orgânico" que, sob a aparência de uma constituição, mantinha a sujeição de ambos às duas potências, de modo mais direto à Rússia.

No entanto, à medida que o nacionalismo romeno se desenvolvia, incomodava mais e mais a ideia do protetorado russo sobre os cristãos ortodoxos do Império Otomano, porque à diferença dos sérvios e búlgaros, que são, como os russos, povos eslavos, os romenos foram percebendo-se falantes de uma língua neolatina, tanto que os seus historiadores chamam a esse período Renașterea ('o Renascimento'), dando a entender que a consciência nacional se tinha perdido e então novamente recobrado. (2)

"Constituição em Bucareste de 11 de junho, ano de 1848", de Costache Petrescu, 1848 (imagem disponível no catálogo da exposição Revoluția Română de la 1848).
"Constituição em Bucareste de 11 de junho, ano de 1848", de Costache Petrescu, 1848 (imagem disponível no catálogo da exposição Revoluția Română de la 1848).

Assim, em 11 de junho de 1848 Jorge III Bibescu, príncipe da Valáquia, viu-se forçado a assinar a Proclamação de Islaz, que em meio a um extenso programa diz: "Adunați-vă cu toții sub steagurile patriei. Cele trei culori naționale vă sunt curcubeul speranțelor. Crucea ce e deasupra lor va aduce aminte Rusiei că e creștină" ("Uni-vos com todos sob as bandeiras da pátria. As três cores nacionais são o vosso arco-íris de esperanças. A cruz que está acima delas lembrará a Rússia de que é cristã"). Dois dias depois o príncipe abdicou e a 14 o primeiro decreto do governo provisório estabeleceu a bandeira nacional: azul, amarela e vermelha com a "divisa romena", isto é, Dreptate și Frăție ("Justiça e Fraternidade"). Como a descrição falhava, no mês seguinte editou-se outro decreto, que precisou: "Lângă lemn vine albastru, apoi galben și apoi roșu fâlfâind" ("Ao lado da haste vem o azul, depois o amarelo e depois o vermelho tremulando").

Pavilhão mercante da Valáquia no Album des pavillons... (1858), de Alexandre Le Gras.
Pavilhão mercante da Valáquia no Album des pavillons... (1858), de Alexandre Le Gras.

Vencida a revolução, o Império Otomano e a Rússia firmaram em 1849 a Convenção de Balta Liman, que anulou a autonomia da Moldávia e da Valáquia, mas em 1853 estourou outra guerra entre aquelas potências — a Guerra da Crimeia — que os otomanos ganharam graças à aliança com a França e a Grã-Bretanha. Seguiram-se a Paz e a Convenção de Paris, respectivamente em 1856 e 1858, que prepararam a união dos dois principados: em janeiro do ano seguinte, tanto os moldavos como os valacos elegeram Alexandre João Cuza príncipe. O novo estado, que se chamava oficialmente Principados Unidos Romenos e comumente Romênia, foi reconhecido pelo Estatuto de 1864.

Bandeira do Regimento 7.º de Infantaria de Linha, modelo de 1863 (conservada em Muzeul Național de Istorie a României).
Bandeira do Regimento 7.º de Infantaria de Linha, modelo de 1863 (conservada em Muzeul Național de Istorie a României).

Entrementes, consta que em junho de 1861 Alexandre João decretou o modelo do pavilhão para os navios mercantes de ambos os principados e Monitorul, o jornal oficial, registra que em setembro de 1863 ele distribuiu as bandeiras novas ao exército: "aquelas que foram adotadas ao se efetuar a União: elas trazem as três cores e a gravata azul; têm por cima a inscrição Honra, Pátria e a águia romena trazendo a cruz na boca". Essas cores dispunham-se horizontalmente, o vermelho em cima, o amarelo no meio e o azul em baixo.

Pavilhões da Romênia no Flags of maritime nations (1914).
Pavilhões da Romênia no Flags of maritime nations (1914).

Finalmente, em fevereiro de 1866 um golpe de estado forçou Alexandre João a abdicar, em seguida a assembleia dos deputados elegeu Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen príncipe e adotou uma constituição (3), cujo artigo 124 diz que "as cores dos Principados Unidos continuam a ser azul, amarelo e vermelho". No ano seguinte, passou-se uma lei que estabeleceu as armas e a bandeira da Romênia (agora oficialmente assim denominada): "albastru perpendicular și alături cu hampa (lemnul stindardului), galbenul în mijloc, roșul la margine flotând" ("o azul perpendicular e junto ao mastro (a haste do estandarte), o amarelo no meio, o vermelho na borda flutuando").

Desde então, o arranjo cromático da bandeira romena permaneceu inalterado; o que se alterou várias vezes foi o brasão/emblema estatal e a sua presença na bandeira. A lei de 1867 punha-o no meio das bandeiras do príncipe (rei desde 1881) e do exército, também no pavilhão de guerra, mas o omitia na bandeira "das autoridades civis" e no pavilhão mercante. O regime socialista, instaurado com o apoio da União Soviética por um golpe de estado que forçou a abdicação do rei Miguel em 1947, carregou o centro da bandeira nacional com o emblema da república, que mudou por três vezes.

Bandeira com buraco em Bucareste, 23 de dezembro de 1989 (imagem disponível no blog Republica).

Durante a Revolução de 1989, que ocorreu de 15 a 22 de dezembro, os manifestantes cortavam o emblema comunista, fazendo um buraco na faixa amarela da bandeira. Após a queda e execução do ditador Nicolae Ceaușescu, a Frente de Salvação Nacional estabeleceu no dia 27 pelo seu segundo decreto-lei que "a bandeira do país é a tricolor tradicional da Romênia", sem emblema, o que foi confirmado pela Constituição de 1991 (revista em 2003). A lei vigente sobre a forma e o uso da bandeira, do hino e do selo nacionais data de 1994.

Armas da Romênia (imagem disponível no website do presidente da Romênia).

Quanto ao brasão, foi restaurado por lei em 1992. Digo "restaurado" porque o ordenamento é quase o mesmo das pequenas armas de cem anos antes: por lei de 1921, modificaram-se as armas estatais pela segunda vez (a primeira se dera em 1872), agora para refletir a Grande União (Marea Unire), isto é, a união da Bessarábia, da Bucovina e da Transilvânia com o Reino da Romênia na sequência das dissoluções dos impérios russo e austro-húngaro, em 1919. As diferenças reduzem-se a três: hoje é a coroa de aço que cinge a cabeça da águia e não há escudete dinástico sobre o todo nem coroa acima do escudo.

Além disso, as armas da Romênia têm uma curiosa relação com a bandeira. Como noutras partes da Europa ortodoxa, a heráldica romena desenvolveu-se tardiamente, embora o uso do selo seja antigo. Assim, tanto a águia valaca como o encontro de uro moldavo estão atestados desde a segunda metade do século XIV, mas as suas iluminuras apresentam grande variação até a lei de 1872, que demonstra terem servido as cores nacionais à fixação dos esmaltes: o primeiro e quarto quartéis são de azul, o segundo e terceiro de vermelho e todas as figuras de ouro. No ordenamento de 1921 e atual, apenas o encontro de uro e a águia transilvana têm cor diferente, preto, também algumas figuras secundárias de prata.

Ressalvadas as tonalidades, a bandeira da Romênia é igual à do Chade. Contra isso, as autoridades do país africano protestaram mais de uma vez, entendendo que a sua tricolor precede, dado que à época da adoção, em 1959, a romena trazia o emblema estatal. Debalde, já que os romenos remontam a sua bandeira ao Renascimento Nacional, no século XIX, e falta direito aplicável.

Notas:
(1) A expressão "cu un cap" ("com uma cabeça") provavelmente visava a distinguir a águia valaca da águia dicéfala bizantina.
(2) A própria língua reflete a construção da identidade nacional romena, pois enquanto preponderava a religião e vigorava o protetorado russo, o léxico culto do romeno tinha tantos vocábulos de origem eslava que torna qualquer discurso oficial completamente ininteligível para falantes de outras línguas românicas. Mas depois que o nacionalismo romeno enveredou pelo historicismo, buscou-se na França não só um modelo de estado e sociedade, mas na língua francesa a referência para "relatinizar" o romeno. Por exemplo, até o principado de Alexandre João Cuza os textos citados aqui trazem a palavra steag para 'bandeira', do eslavo eclesiástico stěgŭ, mas da lei de 1867 em diante se preferem pavilion e drapel, do francês pavillon e drapeau.
(3) Ainda que essa constituição não mencione a vassalagem ao sultão nem tenha sido submetida à Sublime Porta, o parlamento romeno só declarou a independência do país em maio de 1877, quando começava a derradeira guerra russo-turca. Foi reconhecida pelo Tratado de Berlim (1878), que pôs fim a essa guerra.

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