Bandeiras revolucionárias tornam-se muito potentes quando representam povos que lutam por união e soberania.
Não à toa, é frequente confundir A liberdade guiando o povo com uma cena da Revolução Francesa ou mesmo da Primavera dos Povos, quando o autor, Eugène Delacroix, pintou uma cena das Três Gloriosas. É que essa segunda revolução se releva tanto quanto a primeira e preparou a terceira. Com efeito, a de 1789 findou uma era e a de 1830 firmou que já não se aceitava sequer a outorga de carta constitucional pelo soberano, pois se a república ainda lembrava o terror revolucionário, era à nação que o monarca devia a sua dignidade. Em 1848, até a abolição da escravidão, o sufrágio universal (masculino) ou a liberdade de expressão se fizeram valores inegociáveis e o regime republicano deixou de ser um tabu.
Bandeira da Romênia. |
A bandeira da Romênia surgiu precisamente nesse momento, em que já não se podiam conter os ideais revolucionários. As cores foram concedidas em 1835 por edito do sultão Mamude II a pedido de Alexandre II Ghica, príncipe da Valáquia: aos navios mercantes, "steag cu fața galbenă și roșie, având pe dânsul și stele și la mijloc pasăre albastră cu un cap" ("bandeira com a face amarela e vermelha, tendo nela estrelas e no meio um pássaro azul com uma cabeça"); ao exército, "alt steag însă: pe jumătatea cea de sus roșie iar cealaltă jumătate albastră și galbenă, având și aceste stele și pasăre cu un cap la mijloc" ("outra bandeira, porém: na metade de cima vermelha e a outra metade azul e amarela, tendo também essas estrelas e um pássaro com uma cabeça no meio") (1). Mas Anuarul Prințipatului Țări Rumânești testemunha em 1842 que a bandeira militar sofrera alterações: as faixas horizontais tinham o mesmo tamanho, com o amarelo no meio e o brasão valaco sobreposto.
"Oștirea pământenească" ("Exército nacional") no Anuarul Prințipatului Țări Rumânești (1842). |
Os três impérios que dominavam então a Europa oriental dividiam os romenos: os principados da Moldávia e da Valáquia estavam sob suserania otomana e proteção russa e o principado da Transilvânia fazia parte da monarquia dos Habsburgos. Na verdade, a Moldávia e a Valáquia tinham um status muito particular, já que pelo Tratado de Adrianópole (1829) o sultão e o tsar acordaram outorgar-lhes um "regulamento orgânico" que, sob a aparência de uma constituição, mantinha a sujeição de ambos às duas potências, de modo mais direto à Rússia.
No entanto, à medida que o nacionalismo romeno se desenvolvia, incomodava mais e mais a ideia do protetorado russo sobre os cristãos ortodoxos do Império Otomano, porque à diferença dos sérvios e búlgaros, que são, como os russos, povos eslavos, os romenos foram percebendo-se falantes de uma língua neolatina, tanto que os seus historiadores chamam a esse período Renașterea ('o Renascimento'), dando a entender que a consciência nacional se tinha perdido e então novamente recobrado. (2)
"Constituição em Bucareste de 11 de junho, ano de 1848", de Costache Petrescu, 1848 (imagem disponível no catálogo da exposição Revoluția Română de la 1848). |
Assim, em 11 de junho de 1848 Jorge III Bibescu, príncipe da Valáquia, viu-se forçado a assinar a Proclamação de Islaz, que em meio a um extenso programa diz: "Adunați-vă cu toții sub steagurile patriei. Cele trei culori naționale vă sunt curcubeul speranțelor. Crucea ce e deasupra lor va aduce aminte Rusiei că e creștină" ("Uni-vos com todos sob as bandeiras da pátria. As três cores nacionais são o vosso arco-íris de esperanças. A cruz que está acima delas lembrará a Rússia de que é cristã"). Dois dias depois o príncipe abdicou e a 14 o primeiro decreto do governo provisório estabeleceu a bandeira nacional: azul, amarela e vermelha com a "divisa romena", isto é, Dreptate și Frăție ("Justiça e Fraternidade"). Como a descrição falhava, no mês seguinte editou-se outro decreto, que precisou: "Lângă lemn vine albastru, apoi galben și apoi roșu fâlfâind" ("Ao lado da haste vem o azul, depois o amarelo e depois o vermelho tremulando").
Pavilhão mercante da Valáquia no Album des pavillons... (1858), de Alexandre Le Gras. |
Vencida a revolução, o Império Otomano e a Rússia firmaram em 1849 a Convenção de Balta Liman, que anulou a autonomia da Moldávia e da Valáquia, mas em 1853 estourou outra guerra entre aquelas potências — a Guerra da Crimeia — que os otomanos ganharam graças à aliança com a França e a Grã-Bretanha. Seguiram-se a Paz e a Convenção de Paris, respectivamente em 1856 e 1858, que prepararam a união dos dois principados: em janeiro do ano seguinte, tanto os moldavos como os valacos elegeram Alexandre João Cuza príncipe. O novo estado, que se chamava oficialmente Principados Unidos Romenos e comumente Romênia, foi reconhecido pelo Estatuto de 1864.
Bandeira do Regimento 7.º de Infantaria de Linha, modelo de 1863 (conservada em Muzeul Național de Istorie a României). |
Entrementes, consta que em junho de 1861 Alexandre João decretou o modelo do pavilhão para os navios mercantes de ambos os principados e Monitorul, o jornal oficial, registra que em setembro de 1863 ele distribuiu as bandeiras novas ao exército: "aquelas que foram adotadas ao se efetuar a União: elas trazem as três cores e a gravata azul; têm por cima a inscrição Honra, Pátria e a águia romena trazendo a cruz na boca". Essas cores dispunham-se horizontalmente, o vermelho em cima, o amarelo no meio e o azul em baixo.
Pavilhões da Romênia no Flags of maritime nations (1914). |
Finalmente, em fevereiro de 1866 um golpe de estado forçou Alexandre João a abdicar, em seguida a assembleia dos deputados elegeu Carlos de Hohenzollern-Sigmaringen príncipe e adotou uma constituição (3), cujo artigo 124 diz que "as cores dos Principados Unidos continuam a ser azul, amarelo e vermelho". No ano seguinte, passou-se uma lei que estabeleceu as armas e a bandeira da Romênia (agora oficialmente assim denominada): "albastru perpendicular și alături cu hampa (lemnul stindardului), galbenul în mijloc, roșul la margine flotând" ("o azul perpendicular e junto ao mastro (a haste do estandarte), o amarelo no meio, o vermelho na borda flutuando").
Desde então, o arranjo cromático da bandeira romena permaneceu inalterado; o que se alterou várias vezes foi o brasão/emblema estatal e a sua presença na bandeira. A lei de 1867 punha-o no meio das bandeiras do príncipe (rei desde 1881) e do exército, também no pavilhão de guerra, mas o omitia na bandeira "das autoridades civis" e no pavilhão mercante. O regime socialista, instaurado com o apoio da União Soviética por um golpe de estado que forçou a abdicação do rei Miguel em 1947, carregou o centro da bandeira nacional com o emblema da república, que mudou por três vezes.
Bandeira com buraco em Bucareste, 23 de dezembro de 1989 (imagem disponível no blog Republica). |
Durante a Revolução de 1989, que ocorreu de 15 a 22 de dezembro, os manifestantes cortavam o emblema comunista, fazendo um buraco na faixa amarela da bandeira. Após a queda e execução do ditador Nicolae Ceaușescu, a Frente de Salvação Nacional estabeleceu no dia 27 pelo seu segundo decreto-lei que "a bandeira do país é a tricolor tradicional da Romênia", sem emblema, o que foi confirmado pela Constituição de 1991 (revista em 2003). A lei vigente sobre a forma e o uso da bandeira, do hino e do selo nacionais data de 1994.
Armas da Romênia (imagem disponível no website do presidente da Romênia). |
Quanto ao brasão, foi restaurado por lei em 1992. Digo "restaurado" porque o ordenamento é quase o mesmo das pequenas armas de cem anos antes: por lei de 1921, modificaram-se as armas estatais pela segunda vez (a primeira se dera em 1872), agora para refletir a Grande União (Marea Unire), isto é, a união da Bessarábia, da Bucovina e da Transilvânia com o Reino da Romênia na sequência das dissoluções dos impérios russo e austro-húngaro, em 1919. As diferenças reduzem-se a três: hoje é a coroa de aço que cinge a cabeça da águia e não há escudete dinástico sobre o todo nem coroa acima do escudo.
Além disso, as armas da Romênia têm uma curiosa relação com a bandeira. Como noutras partes da Europa ortodoxa, a heráldica romena desenvolveu-se tardiamente, embora o uso do selo seja antigo. Assim, tanto a águia valaca como o encontro de uro moldavo estão atestados desde a segunda metade do século XIV, mas as suas iluminuras apresentam grande variação até a lei de 1872, que demonstra terem servido as cores nacionais à fixação dos esmaltes: o primeiro e quarto quartéis são de azul, o segundo e terceiro de vermelho e todas as figuras de ouro. No ordenamento de 1921 e atual, apenas o encontro de uro e a águia transilvana têm cor diferente, preto, também algumas figuras secundárias de prata.
Ressalvadas as tonalidades, a bandeira da Romênia é igual à do Chade. Contra isso, as autoridades do país africano protestaram mais de uma vez, entendendo que a sua tricolor precede, dado que à época da adoção, em 1959, a romena trazia o emblema estatal. Debalde, já que os romenos remontam a sua bandeira ao Renascimento Nacional, no século XIX, e falta direito aplicável.
(1) A expressão "cu un cap" ("com uma cabeça") provavelmente visava a distinguir a águia valaca da águia dicéfala bizantina.
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