A bandeira eslovena mostra como certo arranjo de cores pode ser interpretado e reinterpretado ao longo do tempo.
Assim como a história da bandeira croata semelha a da húngara, a da eslovena semelha a da croata, já que, da mesma maneira que uma e a outra, apareceu no revolucionário 1848, primeiro em abril por iniciativa de Lovro Toman, então estudante de direito, e desde setembro por portaria do Ministério do Interior, durante o gabinete constitucional do barão von Wessenberg.
Bandeira da Eslovênia. |
Curiosamente, foi o hasteamento de outra tricolor — a preta, vermelha e dourada — no Castelo de Liubliana que levou Toman a agitar a branca, azul e vermelha. Isso demonstra o quão justo é chamar Primavera dos Povos às revoluções daquele ano: o preto-vermelho-ouro não representava o velho Império Romano nem o novo Império Austríaco, de que os eslovenos faziam parte, mas a nacionalidade alemã. Daí que, da perspectiva eslovena, fosse inaceitável que tremulasse sobre o solar dos duques da Carniola.
Armas e cores da Carniola em Städte-Wappen von Österreich-Ungarn nebst den Landeswappen und Landesfarben (1885), de Karl Lind (imagem disponível no website da Društvo Heraldica Slovenica). |
Especialmente como a bandeira croata, a eslovena é hoje contada entre aquelas das cores pan-eslavas, mas no momento da sua adoção foi expressamente justificada como cores heráldicas. Na verdade, o caso esloveno foi favorecido pela ordenação nova das armas e dos títulos imperiais que Fernando I editou em 1836: as armas ducais da Carniola eram "em campo de prata uma águia coroada de azul, tendo sobre o peito um crescente xadrezado de vermelho e prata de dez peças em duas tiras" ("im silbernen Felde ein gekrönter blauer Adler, auf der Brust einen in zwei Reihen von roter und Silberfarbe zehn Mal geschachten Mond tragend"). Até então e desde 1463, quando Frederico III concedeu uma carta de acrescentamento de armas a esse ducado, o metal tanto do campo como do crescente fora o ouro.
Apesar da justificação heráldica, a adoção de uma bandeira gerou polêmica entre a elite germanófona de Liubliana, que preferia restaurar a honraria do imperador Frederico, e os nacionalistas eslovenos, que defendiam as "cores antigas". O meio-termo consta da própria portaria de 1848 e foi reafirmado pelo mesmo ministério em 1916: a bandeira da Carniola era branca, azul e vermelha, mas aos estados (ou seja, o parlamento provincial) e somente a eles permitiu-se o uso do ouro-azul-vermelho.
Bandeiras da Iugoslávia no Flags of maritime nations (1943-45). |
Outro fato curioso é que a bandeira eslovena veio perder amparo estatal após a dissolução da monarquia austro-húngara, sob o reino que se chamava precisamente dos Sérvios, Croatas e Eslovenos e, desde 1929, Iugoslávia ('Eslávia do Sul'), pois este adotou outra tricolor: a azul, branca e vermelha, proposta pelo Congresso Eslavo de 1848 para todos os povos eslavos.
Selos postais iugoslavos de 1980 com as bandeiras estatal e das repúblicas federadas. |
Durante a ocupação da Iugoslávia, desde abril de 1941, a província do Drava foi anexada ao Estado Independente da Croácia, o qual, apesar do nome, servia de fantoche à Alemanha e à Itália, mas depois da Segunda Guerra Mundial foi a monarquia iugoslava que deu lugar a uma república federativa socialista. Ao contrário dos bolcheviques em 1917, que julgavam o nacionalismo uma ideologia burguesa, em 1945 o socialismo já não impunha a destituição dos símbolos nacionais, ao menos a bandeira. Preservou-se, pois, a tricolor azul, branca e vermelha e para exprimir o ideal comunista sobrepôs-se uma estrela vermelha com um perfil amarelo. Como nesse período a Eslovênia era uma das repúblicas federadas, a Constituição de 1947 restaurou a tricolor branca, azul e vermelha com a mesma estrela sobreposta.
O regime socialista tombou em janeiro de 1990, porém os seus símbolos vigeram até o dia da independência, em 25 de junho de 1991, quando a Assembleia da República passou a Emenda C à Constituição de 1974, estabelecendo que a bandeira da Eslovênia é a tricolor branca, azul e vermelha com o brasão do país. Este foi criado por esse mesmo ato e ambos foram confirmados pela nova constituição, promulgada em dezembro daquele ano.
A lei vigente sobre a forma e o uso dos símbolos estatais data de 1994, mas na navegação o pavilhão civil é regulado por normas específicas e aí está a terceira curiosidade da bandeira eslovena: a referida lei diz que a bandeira nacional é arvorada em embarcações, mas a primeira dessas normas prescreve a proporção de 2:3 para navios (ladje), ao passo que a segunda prescreve a proporção de 1:2 para barcos (čolni).
Armas da Eslovênia (imagem disponível no portal do governo esloveno). |
A derradeira curiosidade que destaco é a relação com as armas estatais. Com efeito, as cores da Carniola puderam representar os eslovenos porque esse ducado estava no centro do território que habitavam, mas também eram maioria na Baixa Estíria, no condado principesco de Gorícia e Gradisca e no entorno da cidade imperial de Trieste e uma minoria grande no ducado da Caríntia. Assim, ao se ordenar o brasão do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, rejeitou-se a águia da Carniola e escolheram-se as armas da Casa de Vovbrški, herdadas pelos condes de Celje, os maiores senhores eslovenos no fim da Idade Média: três estrelas de seis raios de ouro em campo de azul, as quais encimavam um crescente de prata, alusivos às armas imaginárias da Ilíria.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a águia da Carniola distinguia a milícia colaboracionista (Slovensko domobranstvo), ao passo que o monte Triglav distinguia os partisans da resistência. Tendo estes vencido, o seu símbolo tornou-se a figura principal do emblema da república socialista e em 1991 Marko Pogačnik combinou-o com as estrelas da Casa de Celje num escudo, precisamente com as cores nacionais. Foi a proposta desse artista que a república recém-independente assumiu por armas, ainda que o seu alto grau de estilização desafie a heráldica convencional.
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