A bandeira tornou-se um símbolo imprescindível ao estado soberano.
Como diz o Manual Digest de les Valls Neutres d'Andorra (1748, cap.s III e XII), de Antoni Fiter i Rossell, os andorranos são "verdaders, propis i llegítims catalans", "no dependint en lo domini i governatiu ni en la via judicial de ningú altre que de sos amantíssims prínceps" ("verdadeiros, próprios e legítimos catalães", "não dependendo no domínio e governativo nem na via judicial de nenhum outro, a não ser de seus amantíssimos príncipes").
Bandeira de Andorra. |
Os copríncipes de Andorra são o bispo de Urgell e o conde de Foix, que em 1278 firmaram, sob a fiança régia e a aprovação pontifícia, um pariatge, pelo qual partilharam "simul et comuniter" o senhorio dos vales. Os direitos e deveres do copríncipe laico passaram em 1479 ao rei de Navarra, em 1589 ao rei da França e em 1806 ao chefe do estado francês, independentemente do regime político, hoje presidente da República.
A identidade dos andorranos não se fundamentava, pois, na língua ou na religião, mas sim na defesa dos seus privilégios, usos, preeminências e prerrogativas, que os tornavam livres e cujos guardiães eram os copríncipes. Com efeito, ao entoar o seu hino, eles ainda cantam "creient i lliure vull ser: / siguin els furs mos tutors / i mos prínceps defensors!" ("crente e livre quero ser: / sejam os forais meus tutores / e meus príncipes defensores!").
Portanto, durante séculos Andorra não precisou de bandeira, mas Guillem d'Areny-Plandolit, barão de Senaller, percebeu que o mundo estava mudando. Eleito síndico-geral dos Vales com a promessa de levar a cabo a reforma política que Josep Caixal, bispo de Urgell, já aprovara, viajou a Compiègne para obter a ratificação do imperador Napoleão III. Foi lá onde lhe apresentou também a bandeira tricolor, azul, amarela e vermelha. Tudo isso aconteceu no ano de 1866 e no seguinte Andorra participou da Exposição Universal de Paris. Compartilhando o mesmo pavilhão com Luxemburgo, Mônaco e San Marino, pode-se imaginar o quão estranho teria parecido aos visitantes um país sem nenhuma bandeira.
Contudo, acham-se tão poucos testemunhos da bandeira de Andorra pelo resto do século que é razoável supor um uso ocasional e vacilante entre o arranjo horizontal e o vertical, a tal ponto que em 1887, pouco depois de ser nomeado vicário (veguer) do copríncipe francês, Charles Romeu se viu constrangido a questionar o seu bailio (batlle) se as três cores da bandeira andorrana se dispunham como as da bandeira espanhola ou como as da bandeira francesa. Dele mesmo conserva-se uma descrição que fez em 1902 e coincide com a forma hodierna.
N.º 11 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que mostra a bandeira doada por essa entidade ao Conselho Geral dos Vales. As letras R.A. significam República Andorrana (imagem disponível no perfil da Biblioteca Nacional d'Andorra no Facebook). |
Deve-se a um novo movimento reformista a difusão da bandeira andorrana. Em 1930, a Societat Andorrana de Residents a Barcelona doou ao Conselho Geral dos Vales uma bandeira que contribuiu com a fixação das cores na vertical e o brasão no meio. Também foi essa sociedade que mormente propagou as ideias que levaram aos feitos de 1933: populares ocuparam a Casa de la Vall e forçaram o Conselho Geral a aprovar o sufrágio universal masculino (até então censitário).
N.º 12 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que ilustra a bandeira andorrana (imagem disponível na Brevíssima història de la premsa andorrana, de Alba Doral). |
Todavia, o pariatge que fundou e sustentou a "neutralidade" de Andorra também refreou o desenvolvimento das suas instituições, porque amiúde um copríncipe encarava com desconfiança o apoio do outro a certa medida modernizante, temendo que encobrisse um plano expansionista. Assim, Andorra chegou ao fim do século XX sem sequer manter relações diplomáticas com outros países além da Espanha e da França. Cabia, pois, ajustar o regime do coprincipado à contemporaneidade e torná-lo inteligível à comunidade internacional. Para tanto, era evidente que faltava uma constituição.
A constituição do Principado de Andorra foi adotada em 1993. O artigo 2 diz que o hino, a bandeira e o brasão são "os tradicionais". A lei que desenvolve esse dispositivo foi passada em 1996 e é um tanto curiosa, porque todo o articulado versa sobre o uso (e ainda se desdobra em um "regulamento de execução", a versão mais recente de 2022), enquanto as formas do brasão e da bandeira se acham no anexo. Sobre esta, permite-se a omissão do brasão "em certos formatos reduzidos ou específicos, como as fitas". Para a reprodução e aplicação desses dois símbolos, há um "livro de normas gráficas" (1999), pelo qual se fica sabendo que as faixas da bandeira não têm o mesmo tamanho, já que a central é ligeiramente maior.
Já a Revue moderne (tomo 40.º), ao noticiar a recepção do barão de Senaller em Compiègne, explica que a bandeira andorrana combina as cores francesas e espanholas: "le bleu représentera la France, le jaune, la République, le rouge, l'Espagne" ("o azul representará a França, o amarelo, a República, o vermelho, a Espanha"; o termo "República" deve-se à dificuldade de entender o regime andorrano). Para um estado que subsistia equilibrando-se entre essas duas potências, fazia e ainda faz muito sentido.
Armas de Andorra (imagem disponível no portal do governo andorrano). |
É, porém, igualmente verdadeiro que o ouro, o vermelho e em muito menor medida o azul estão presentes no brasão de Andorra. É que neste caso os esmaltes das armas do condado de Foix (três palas de vermelho em campo de ouro) e daquelas do viscondado de Béarn (duas vacas de vermelho, armadas, unhadas, coleiradas e chocalhadas de azul, uma sobre a outra, em campo de ouro) coincidem com o amarelo e o vermelho da bandeira espanhola, que em parte vêm das armas do reino de Aragão (quatro palas de vermelho em campo de ouro), também presentes no brasão andorrano. Até a mitra e o báculo no primeiro quartel, alusivos à sé de Urgell, acabaram iluminados dessa cor e metal.
Indubitável é que a forma da bandeira andorrana replica a francesa. Se por um lado isso a assemelha às bandeiras da Romênia, da Moldávia e do Chade, por outro a vertical dá mais espaço ao brasão, o elemento distintivo.
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