29/11/23

BANDEIRAS REVOLUCIONÁRIAS: ANDORRA

A bandeira tornou-se um símbolo imprescindível ao estado soberano.

Como diz o Manual Digest de les Valls Neutres d'Andorra (1748, cap.s III e XII), de Antoni Fiter i Rossell, os andorranos são "verdaders, propis i llegítims catalans", "no dependint en lo domini i governatiu ni en la via judicial de ningú altre que de sos amantíssims prínceps" ("verdadeiros, próprios e legítimos catalães", "não dependendo no domínio e governativo nem na via judicial de nenhum outro, a não ser de seus amantíssimos príncipes").

Bandeira de Andorra.
Bandeira de Andorra.

Os copríncipes de Andorra são o bispo de Urgell e o conde de Foix, que em 1278 firmaram, sob a fiança régia e a aprovação pontifícia, um pariatge, pelo qual partilharam "simul et comuniter" o senhorio dos vales. Os direitos e deveres do copríncipe laico passaram em 1479 ao rei de Navarra, em 1589 ao rei da França e em 1806 ao chefe do estado francês, independentemente do regime político, hoje presidente da República.

A identidade dos andorranos não se fundamentava, pois, na língua ou na religião, mas sim na defesa dos seus privilégios, usos, preeminências e prerrogativas, que os tornavam livres e cujos guardiães eram os copríncipes. Com efeito, ao entoar o seu hino, eles ainda cantam "creient i lliure vull ser: / siguin el furs mos tutors / i mos prínceps defensors!" ("crente e livre quero ser: / sejam os forais meus tutores / e meus príncipes defensores!").

Portanto, durante séculos Andorra não precisou de bandeira, mas Guillem d'Areny-Plandolit, barão de Senaller, percebeu que o mundo estava mudando. Eleito síndico geral dos Vales com a promessa de levar a cabo a reforma política que Josep Caixal, bispo de Urgell, já aprovara, viajou a Compiègne para obter a ratificação do imperador Napoleão III. Foi lá onde lhe apresentou também a bandeira tricolor, azul, amarela e vermelha. Tudo isso aconteceu no ano de 1866 e no seguinte Andorra participou da Exposição Universal de Paris. Compartilhando o mesmo pavilhão com Luxemburgo, Mônaco e San Marino, pode-se imaginar o quão estranho teria parecido aos visitantes um país sem nenhuma bandeira.

Contudo, acham-se tão poucos testemunhos da bandeira de Andorra pelo resto do século que é razoável supor um uso ocasional e vacilante entre o arranjo horizontal e o vertical, a tal ponto que em 1887, pouco depois de ser nomeado vicário (veguer) do copríncipe francês, Charles Romeu se viu constrangido a questionar o seu bailio (batlle) se as três cores da bandeira andorrana se dispunham como as da bandeira espanhola ou como as da bandeira francesa. Dele mesmo conserva-se uma descrição que fez em 1902 e coincide com a forma hodierna.

N.º 11 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que mostra a bandeira doada por essa entidade ao Conselho Geral dos Vales. As letras R.A. significam República Andorrana (imagem disponível no perfil da Biblioteca Nacional d'Andorra no Facebook).
N.º 11 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que mostra a bandeira doada por essa entidade ao Conselho Geral dos Vales. As letras R.A. significam República Andorrana (imagem disponível no perfil da Biblioteca Nacional d'Andorra no Facebook).

Deve-se a um novo movimento reformista a difusão da bandeira andorrana. Em 1930, a Societat Andorrana de Residents a Barcelona doou ao Conselho Geral dos Vales uma bandeira que contribuiu com a fixação das cores na vertical e o brasão no meio. Também foi essa sociedade que mormente propagou as ideias que levaram aos feitos de 1933: populares ocuparam a Casa de la Vall e forçaram o Conselho Geral a aprovar o sufrágio universal masculino (até então censitário).

N.º 12 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que ilustra a bandeira andorrana (imagem disponível na Brevíssima història de la premsa andorrana, de Alba Doral).
N.º 12 do Butlletí de la Societat Andorrana de Residents a Barcelona, que ilustra a bandeira andorrana (imagem disponível na Brevíssima història de la premsa andorrana, de Alba Doral).

Todavia, o pariatge que fundou e sustentou a "neutralidade" de Andorra também refreou o desenvolvimento das suas instituições, porque amiúde um copríncipe encarava com desconfiança o apoio do outro a certa medida modernizante, temendo que encobrisse um plano expansionista. Assim, Andorra chegou ao fim do século XX sem sequer manter relações diplomáticas com outros países além da Espanha e da França. Cabia, pois, ajustar o regime do coprincipado à contemporaneidade e torná-lo inteligível à comunidade internacional. Para tanto, era evidente que faltava uma constituição.

A constituição do Principado de Andorra foi adotada em 1993. O artigo 2 diz que o hino, a bandeira e o brasão são "os tradicionais". A lei que desenvolve esse dispositivo foi passada em 1996 e é um tanto curiosa, porque todo o articulado versa sobre o uso (e ainda se desdobra em um "regulamento de execução", a versão mais recente de 2022), enquanto as formas do brasão e da bandeira se acham no anexo. Sobre esta, permite-se a omissão do brasão "em certos formatos reduzidos ou específicos, como as fitas". Para a reprodução e aplicação desses dois símbolos, há um "livro de normas gráficas" (1999), pelo qual se fica sabendo que as faixas da bandeira não têm o mesmo tamanho, já que a central é ligeiramente maior.

Já a Revue moderne (tomo 40.º), ao noticiar a recepção do barão de Senaller em Compiègne, explica que a bandeira andorrana combina as cores francesas e espanholas"le bleu représentera la France, le jaune, la République, le rouge, l'Espagne" ("o azul representará a França, o amarelo, a República, o vermelho, a Espanha"; o termo "República" deve-se à dificuldade de entender o regime andorrano). Para um estado que subsistia equilibrando-se entre essas duas potências, fazia e ainda faz muito sentido.

Armas de Andorra (imagem disponível no portal do governo andorrano).
Armas de Andorra (imagem disponível no portal do governo andorrano).

É, porém, igualmente verdadeiro que o ouro, o vermelho e em muito menor medida o azul estão presentes no brasão de Andorra. É que neste caso os esmaltes das armas do condado de Foix (três palas de vermelho em campo de ouro) e daquelas do viscondado de Béarn (duas vacas de vermelho, armadas, unhadas, coleiradas e chocalhadas de azul, uma sobre a outra, em campo de ouro) coincidem com o amarelo e o vermelho da bandeira espanhola, que em parte vêm das armas do reino de Aragão (quatro palas de vermelho em campo de ouro), também presentes no brasão andorrano. Até a mitra e o báculo no primeiro quartel, alusivos à sé de Urgell, acabaram iluminados dessa cor e metal.

Indubitável é que a forma da bandeira andorrana replica a francesa. Se por um lado isso a assemelha às bandeiras da Romênia, da Moldávia e do Chade, por outro a vertical dá mais espaço ao brasão, o elemento distintivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário