01/11/23

CRUZES NÓRDICAS: FINLÂNDIA

A cruz nórdica é fácil de fabricar e reconhecer e, como tal, era uma alternativa a uma bandeira heráldica de figura complexa, como um leão.

Ao longo das postagens anteriores, o leitor terá percebido que as cruzes nórdicas apresentam relações muito diferentes com os brasões: a originária, a Dannebrog, não se vincula de modo algum com as armas reais dinamarquesas; em contrapartida, a sueca tem cores heráldicas; já a islandesa, ela mesma foi convertida em brasão de armas. Seja como for, em todos os casos essa espécie de cruz oferece um pavilhão independente das armas estatais, fácil de fabricar e reconhecer.

Bandeira da Finlândia.
Bandeira da Finlândia.

A bandeira finlandesa é a cruz nórdica mais recente dentre os estados soberanos e aquela que definitivamente consolidou esse grupo vexilar, pois a sua adoção foi antecedida pelo debate mais longo nessa região sobre diferentes opções e propostas.

Com efeito, a Dinamarca cedeu a Noruega à Suécia em 1814 também como compensação pela perda da Finlândia, que os suecos tinham conquistado e convertido à fé cristã desde meados do século XIII, inclusive povoando os arquipélagos e as costas adjacentes. Em 1807, a vitória francesa sobre a Quarta Coalizão levou Alexandre I da Rússia a fazer a paz com Napoleão I. Como a Suécia permanecia inimiga da França, a Rússia aproveitou a conjuntura para invadir e ocupar a Finlândia, o que se legitimou por tratado em 1809.

Armas da Finlândia.
Armas da Finlândia (imagem disponível na Wikimedia Commons).

A Finlândia tornou-se, então, um grão-ducado em união dinástica com a Rússia. Até 1611 o ducado finlandês foi um apanágio da Casa Real sueca e desde então o título de grão-duque pertenceu ao monarca. Como característico dos apanágios, nenhumas armas se vinculavam a esses títulos, já que os titulares usavam as suas próprias, mas certas armas representam o território desde que foram reproduzidas em 1583 sobre o túmulo do rei Gustavo Vasa (onde se lê "Arma Magni Ducatus Finlandiæ"), juntamente com as armas reais suecas e as demais provinciais. Mais que isso: essa reprodução foi tomada por exemplar a partir da Finlands ridderskaps och adels vapenbok (1888): de vermelho com um leão coroado de ouro com um braço armado, empunhando uma espada levantada e sustido por um sabre, tudo de prata, guarnecido de ouro, e acompanhado de nove rosas de prata, três, duas, três, uma.

O debate da bandeira finlandesa começou em 1861, quando o iate clube de Uusimaa (Nyländska Jaktklubben) assumiu por pavilhão uma cruz azul em campo branco com o brasão dessa província no cantão. Sem brasão, esse era o pavilhão do Imperial Iate Clube de São Petersburgo. À sua vez, este se inspirava no pavilhão naval russo: uma aspa azul em campo branco. Mais uma vez, num tempo em que ainda não se costumava hastear a bandeira nacional sobre os edifícios públicos nem agitá-la por ocasião de eventos esportivos, foi a navegação que popularizou certo vexilo em meio ao crescimento do nacionalismo.

Não obstante, o uso do branco e azul topou com a defesa das cores heráldicas vermelha e amarela. Sob o domínio russo, não se permitiu um regime constitucional, mas havia uma dieta, depois parlamento, e um "senado", que tinha os poderes executivo e judiciário e era chefiado por um governador-geral. No plano semiótico, as armas do grão-ducado apareciam até mais do que sob o domínio sueco, porém não se concedeu pavilhão. Daí que o debate da bandeira se tenha prolongado até o fim do século, quando a política de russificação se tornou cada vez mais opressiva.

Contudo, nem mesmo a independência trouxe consenso. O imperador Nicolau II foi forçado pela Revolução Russa a abdicar em março de 1917, deixando a dignidade grão-ducal vacante. Em dezembro, o senado declarou a Finlândia independente e ressurgiu o dissenso entre os partidários do vermelho-amarelo e os do branco-azul. Por enquanto prevaleceu uma bandeira que não era propriamente de armas, já que as figuras não ocupavam o campo como se fosse um escudo, mas ficavam no meio de um pano vermelho, como se os bordos do escudo tivessem sido apagados. Finalmente, em maio de 1918 o parlamento passou uma lei adotando uma cruz nórdica azul em campo branco.

Bandeira estatal da Finlândia.
Bandeira estatal da Finlândia.

Mesmo assim, aparentemente como meio-termo e a pretexto de distinguir a bandeira estatal, carregou-se o centro da cruz com o escudo das armas, o qual seguia coroado, afinal o país ainda era uma monarquia, tanto que em outubro de 1918 o parlamento elegeu o príncipe Frederico Carlos de Hesse rei da Finlândia, mas sendo ele cunhado do imperador Guilherme II, a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial levou à sua abdicação já em dezembro. Apesar da instauração da república em julho de 1919, a coroa heráldica persistiu até fevereiro de 1920, ocasião em que se deu forma quase quadrada ao escudo.

Bandeira de guerra da Finlândia.
Bandeira de guerra da Finlândia.

A lei vigente sobre a forma e o uso da bandeira finlandesa data de 1978. Plenamente de acordo com o costume nórdico, a Finlândia tem também uma bandeira de guerra, que se distingue da estatal pelo recorte do batente em três pontas. Em ambas e desde a dita lei, o escudo é quadrado e toca os ângulos da cruz.

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