27/04/21

O LIVRO DO ARMEIRO-MOR

O Livro do Armeiro-Mor não é apenas uma obra-prima da iluminura em Portugal, mas também o armorial oficial português mais antigo dentre os preservados.

Damião de Góis, na quarta parte da Crônica do felicíssimo rei Dom Emanuel (1566-67, fl. 112), narra que esse rei:

Mandou ver tôdalas sepulturas do Reino pera delas se notarem as armas e insígnias e letreiros que nelas havia, das quaes armas mandou nos Paços de Sintra pintar tôdolos escudos com suas cores e timbres, em ũa fermosa sala que pera isso mandou fazer, além do que mandou fazer um livro muito bem iluminado, em que estão pintados os mesmos escudos das linhagens da nobreza destes Reinos. E pera se melhor ordenar e dar regimento aos reis d'armas, heraus e porsuivãs, mandou às cortes do emperador Maximiliano, reis de França e Inglaterra Antônio Rodríguez, rei d'armas Portugal, bacharel em leis, pera saber na verdade o modo que nisto estes príncipes tinham, com as quaes informações lhes deu regimento e fez nota do modo em que se hão de fazer as cartas dos ofícios de cada um deles, o que depois de ser ordenado fez em Lisboa, nos Paços da Ribeira, um auto público muito solene, em que deu nome a tôdolos reis d'armas, heraus, porsuivãs destes Reinos, a cada um deles separadamente de sua província.

Da Sala dos Brasões e do Regimento da nobreza dos reis de armas já tratei neste blog, destacando que a própria existência da heráldica gentilícia portuguesa, com tudo o que a distinguiu sob o Antigo Regime, se deve a Dom Manuel I. Agora se demonstra que a regulação estatal da armaria foi ainda mais estruturada do que aparentava, pois abrangeu não só a elaboração do armorial monumental do Paço de Sintra, mas também de códices iluminados. Mais que isto: a Coroa investiu até mesmo na formação dos oficiais de armas.

Ao contrário da citação, digo códices, no plural, porque efetivamente foram dois os armoriais produzidos sob esse reinado, possivelmente três: o chamado Livro antigo dos reis de armas, o conhecido como Livro do armeiro-mor e o intitulado Livro da nobreza e perfeição das armas. É ao terceiro que Damião de Góis refere, pois além de corresponder à Sala de Sintra, era o tombo de luxo à época. Com efeito, a história do Livro do Armeiro-Mor renderia uma novela.

Mas quem era o armeiro-mor? A primeira revelação dessa novela é que a palavra armeiro pode induzir à suposição de que o livro é conhecido por tal título porque brasões são ditos armas, a arte dos brasões é dita armaria e a própria coleção de brasões é dita armorial. Ledo engano: esse ofício da Casa Real nada tinha a ver com a heráldica. O armeiro-mor encarregava-se do armamento do país: a regulação do mister de armeiro, a fiscalização da fabricação de armas, o controle dos arsenais etc. Por que se lhe confiou, então, um armorial? Porque o seu ofício abarcava certa dimensão cerimonial: guardava o armamento pessoal do rei, bem como os vexilos régios. Com efeito, Antônio Caetano de Sousa, no primeiro tomo da sua História genealógica da Casa Real portuguesa (1735, p. 194), dá os aditamentos que se fizeram ao regimento do armeiro-mor, dentre o quais o seguinte:

Ordenamos que o livro que mandamos fazer das armas dos fidalgos de nossos Reinos o traga sempre o dito nosso armador-mor em uma das arcas em que andarem as armas de nossa pessoa para que, cada vez que o quisermos ver ou cumprir de ser visto por algum caso, no-lo possa mostrar e dar.

Daí que não tarde a segunda revelação: ainda que se tenha tornado celebérrimo na comunidade heráldica, dentro e fora do mundo lusófono, após a sua entrada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, permaneceu sob os cuidados de Álvaro da Costa, investido no cargo de armeiro-mor em 1511, desde que lhe foi entregue, depois passou à guarda dos descendentes dele (viscondes de Mesquitela desde 1754, condes desde 1818 e duques de Albuquerque desde 1886) até o fim do século XIX. Ou seja, por quase quatro centênios ficou longe não só da vista do público, mas também da dos próprios oficiais de armas e estudiosos. Anselmo Braamcamp Freire, no primeiro tomo dos Brasões da Sala de Sintra (1921), conta como se salvou o códice de um destino incerto:

Também concorri um pouco para que precioso livro das armas se não perdesse, e de façanhas destas ninguém levará a mal gabar-me.
Estava eu um dia num grande armazém de leilões e vendas na Avenida da Liberdade, quando apareceu o marquês da Foz, também frequentador da casa e grande comprador de objetos valiosos. Conversamos um bocado e de repente pregunta-me o Foz se eu conhecia um livro em pergaminho com brasões iluminados. O coração estremeceu-me logo, mas, não dando nada a conhecer, fui puxando e ouvindo, e já persuadido de que se tratava do Livro do Armeiro-Mor, adquiri a certeza quando o marquês se me referiu a outro precioso manuscrito, um livro de horas, revelando haverem-lhe sido ambos oferecidos.
Não podia haver dúvidas. O duque de Albuquerque, armeiro-mor, tinha o livro na sua mão e havia morrido pouco antes; eram, pois, os herdeiros que tratavam de fazer dinheiro das duas preciosidades, ambas minhas conhecidas. Amicus Foz, sed magis amica heraldica: corri ao Terreiro do Paço, subi ao Ministério do Reino, falei ao ministro, então António Cândido Ribeiro da Costa, e preveni-o.
Este, ou outra pessoa, mandou pedir o livro da parte d'el-Rei aos herdeiros do falecido armeiro-mor e salvou-se a preciosidade. Posteriormente, por uma carta de 25 de junho de 1899, do atual conde de Mesquitela, um daqueles herdeiros, soube com exatidão como teve lugar a entrega do precioso códice. Foi o conde de São Mamede, secretário d'el-Rei, e não o ministro do Reino, quem, em nome de Dom Carlos e da sua parte, manifestou o desejo de consultar o livro, desejo imediatamente satisfeito. Não obstante, acrescentava eu em 1899 era para a Torre do Tombo que o livro precisava ir, não só por ser lá o seu lugar, mas também por a forma como ele saíra da mão dos herdeiros do penúltimo conde de Mesquitela assim o exigir.
Na Torre do Tombo já ele se encontra, tendo sido para lá remetido em setembro de 1912, segundo lacónica informação do atual diretor.

Portanto, o Livro do Armeiro-Mor não foi elaborado para constituir um grande tombo estatal, mas para servir de armorial privado ao rei, o que, de resto, materializa a virada do sistema heráldico clássico para o moderno que, precisamente, as Ordenações manuelinas consolidaram: de identificador individual, acessíveis a qualquer um, o brasão converteu-se em marcador de fidalguia e honra, ao tempo que a Coroa, erigindo-se em fonte de toda a nobreza, por ele controlava quem integrava esse estamento e quem ingressava nele. Não à toa quem assina a autoria do livro é o oficial de armas principal, rei de armas Portugal.

Com efeito, a autoria é o capítulo polêmico da novela. O autor identifica-se ao melhor estilo heráldico: reproduz o seu brasão e assina Rei d'Armas Portugal. Assim, descobrindo-se quem exercia esse cargo à data registrada — 15 de agosto de 1509 — conhecer-se-ia o nome do autor. O problema é que os documentos não batem: cartas de brasão apontam que pelo menos desde 1508 até 1559 esse ofício pertenceu a Antônio Rodrigues, mas não são as suas as armas que figuram no prólogo do Livro do Armeiro-Mor. Harvy L. Sharrer, em artigo de 2015, cita um relato de Francisco Coelho, rei de armas Índia, sobre a "viagem de estudos" à qual Dom Manuel enviou os oficiais de armas e Damião de Góis menciona:

[...] mandando primeiro três oficiais d'armas, chamados Antônio Rodrigues, que era rei de armas Portugal, e Martim Vaz, arauto, e João do Cró, passavante (a estes últimos dous lhe foram dadas armas de nobreza, como consta dos livros delas), os quais foram às cortes de alguns reis de Europa, a saber, do imperador, d'el-rei de França, de Inglaterra e de Castela, pera que muito na verdade se informassem e certificassem de todos os reis de armas daqueles reis e príncipes, de seus estatutos, costumes antigos, e da ordem e maneira em que na paz e na guerra serviam seus ofícios, de que lhe deu apontamentos, os quais reis de armas gastaram alguns anos nas cortes destes príncipes, e pelo que viram e pela boa informação que de tudo trouxeram, e também pelo que se achou que se usava de muito antigo no Reino, ordenou el-Rei novo regimento aos reis de armas, o qual se guarda no Tesouro da Casa Real, donde estão as cotas dos mesmos reis de armas, que vestem nos atos reais.

Como indica esse pesquisador no mesmo trabalho, o códice 1118atribuído a Antônio Soares de Albergaria e conservado na Biblioteca Nacional de Portugal, traz ao fólio 129r as armas de "João de Cró, rei d'armas: campo azul, três faixas d'ouro; cheve (sic) vermelho com águia de prata estendida". O brasão que se vê junto à assinatura do prólogo do Livro do Armeiro-Mor é cortado, o primeiro de vermelho com uma águia de prata, bicada e armada de negro; o segundo faixado de ouro e azul de oito peças. Não há dúvida de que uma reprodução e a outra consistem do mesmo brasão, divergente a mais recente por equívocos habituais. Ainda segundo o mesmo pesquisador, essa assinatura coincide com a de João do Cró em cartas de brasão que sabidamente foi ele quem passou. Até mesmo a incoerência de ter encontrado uma carta de brasão passada por Antônio Rodrigues aos 15 de março de 1508 Sharrer procura solver hipotetizandocom base numa carta datada de 6 de junho desse ano, que talvez este se achasse convalescente, de modo que João do Cró assumiu a elaboração do armorial e o assinou.

Diante de dados tão pouco dúbios, por que desde Braamcamp Freire até Manuel Artur Norton se disputa tanto sobre a autoria do Livro do Armeiro-Mor, um atribuindo-a a Antônio Rodrigues, o outro ao irmão deste, João Rodrigues? É que talvez João do Cró fosse, na verdade, Jean du Cros, ou seja, um arauto oriundo de terras francófonas. Já em comunicação de 1933, António Machado de Faria observava:

Suspeitamos que sob os olhos de Braamcamp passaram as descrições das armas de João du Cros, de António Rodrigues e de Martim Vaz em qualquer dos manuscritos do padre Soares de Albergaria, mas que talvez uma injustificada ideia patriótica o levasse a fingir ignorá-las a fim de poder dar a um português a glória de iluminador do códice, porque, como já dissemos no nosso estudo sobre este heraldista, Braamcamp não pode ter desconhecido o índice manuscrito das obras heráldicas e genealógicas da Biblioteca Nacional, onde aquelas armas vêm apontadas.

A revelação final da novela é que, por mais primoroso que seja, o estilo do Livro do Armeiro-Mor não é o heráldico clássico. Como observa Laurent Hablot em artigo de 2018, a heráldica compartilha diversas características essenciais com a arte românica:

La composition par superposition des plans — partant du fond de l'image vers le premier plan  ; l'horror vacui qui conduit à emplir les cadres ; l'usage de couleurs absolues, sans dégradé ni ombre ; la stylisation des figures donnant la priorité à l'idée sur la forme ; le gout pour les arrangements géométriques ; la hiérarchisation du contenu dans le contenant sont autant de grandes caractéristiques qui se retrouvent dans toutes les productions picturales des années 1150-1200 telles que les peintures murales ou les miniatures. (1)

Já a iluminura do Livro do Armeiro-Mor é claramente gótica, o que é muito natural, por predominar tal estilo então nesse tipo de arte. Um armorial elaborado por um arauto português em estilo heráldico clássico é o chamado De ministerio armorum, intitulado Livro de arautos pelo seu editor, do qual tratei em postagens anteriores.

O Livro do Armeiro-Mor não foi o primeiro armorial cuja feitura foi promovida pela Coroa. Já a carta de Dom Afonso V, que fez do rei de armas Portugal o oficial de armas principal e publiquei na postagem de 11/01, estabelecia: "E assi tenha, como agora tem, o livro do registro e tombo das ditas armas per mim novamente dadas e per ele ordenadas e das armas de todos os fidalgos antigos e de linha direita". Mas cartas de brasão deixam ver que esse tombo já existia ao menos desde 1471. Além disso, o chamado Livro antigo dos reis de armas também precedeu o Livro do Armeiro-Mor, possivelmente sob o reinado de Dom Manuel I. Em particular, foi dele que Frei Manuel de Santo Antônio e Silva, reformador do Cartório da Nobreza, se serviu principalmente para elaborar o seu Tesouro da nobreza de Portugal a partir de 1783, o armorial oficial até o fim da monarquia. Felizmente, pois tanto o tombo afonsino como o Livro antigo se perderam. Isso torna o Livro do Armeiro-Mor o armorial oficial português mais antigo dentre os preservados.

O Livro do Armeiro-Mor contém 365 brasões, ordenados em cinco capítulos de dimensão bastante desigual:

  • Capítolo primeiro dos Nove da Fama: compreende as armas imaginárias dos Nove da Fama;
  • capítulo seguinte dos brasões: compreende 49 armas, tanto reais como imaginárias, de diversos príncipes cristãos e muçulmanos;
  • capítolo da enlição do emperador d'Alemanha: compreende as armas dos sete príncipes eleitores do Sacro Império;
  • capítolo da sacra d'el-rei de França: compreende as armas dos doze pares de França;
  • capítulo da nobreza e geração de Purtugal: compreende as armas do rei de Portugal, da rainha, do príncipe, de títulos, fidalgos e linhagens nobres do Reino, perfazendo 287. Dá-las-ei em 24 postagens:
    • II: Duques de Bragança e Coimbra, marquês de Vila Real e condes de Penela, Odemira, Valença, Marialva, Monsanto e Atouguia;
    • III: Eça, Meneses, Castro, Cunha, Sousa, Pereira, Vasconcelos, Melo, Silva e Albuquerque;
    • IV: Freire de Andrade, Almeida, Diogo de Almeida, Pedro da Silva, Manuel, Moniz de Lusignan, Lima, Távora, Henriques e Mendonça;
    • V: Albergaria, Almada, Azevedo, Castelo Branco, Baião Resende, Abreu, Brito, Moniz, Moura e Lobo;
    • VI: Sá, Lemos, Ribeiro, Cabral, Cerveira, Miranda, Silveira, Falcão, Goios e Góis;
    • VII: Sampaio, Malafaia, Tavares, Pimentel, Sequeira, Costa, Lago, Corte Real, Meira e Aboim;
    • VIII: Pessanha, Teixeira, Pedrosa, Bairros, Mascarenhas, Mota, Vieira, Bethencourt, Aguiar e Faria;
    • IX: Borges, Pacheco, Soutomaior, Serpa, Barreto, Arca, Nogueira, Pinto, Coelho e Queirós;
    • X: Sem, Guivar, Duarte Brandão, Gama, Vasco da Gama, Fonseca, Ferreira, Magalhães, Fogaça e Valente;
    • XI: Boto, Lobato, Gorizo, Caldeira, Tinoco, Barbudo, Barbuda, Beja, Valadares e Larzedo;
    • XII: Galvão, Nóbrega, Barbosa, Godinho, Barbato, Aranha, Gouveia, Francisco de Beja, Jácome e Vogado;
    • XIII: Diogo Rodrigues Botilher, Maia, Serrão, Pedroso, Mexia, Grã, Pestana, Vila Lobos e Pedro de Alcáçova;
    • XIV: Gabriel Gonçalves, Gil vant Vistet, Afonso Garcês, Rolão d'Aussi, Xira, Pina, Pedro Lourenço de Guimarães, Matos, Dornelas e Cerqueira;
    • XV: Martim Leme, Antônio Leme, Vilhegas, Pedro Rodrigues, Figueira de Chaves, Veiga, Pau, Taveira, Ortiz e Azinhal;
    • XVI: Paim, Porras, Viveiro e João Lopes de Leão;
    • XVII: Frazão, Teive, Alcoforado, Homem, Dantas, Godim, Barradas, Leitão, Varejola, João Álvares Colaço, João Afonso de Santarém, Fernão Gomes da Mina, Vila Nova, Barba Longa, Privado, João da Fazenda, Gomide, Chacim, Taborda e Paiva;
    • XVIII: Filipe, Filgueira, Amaral, Casal, Velho, Lordelo, Peixoto, Novais, Carvoeiro, Gatacho, Borrego, Vale, Barroso, Fafes, Ulveira, Carregueiro, João Garcês, Gonçalo Pires Bandeira, Calça e Rabelo;
    • XIX: Portocarreiro, Azambuja, Paio Rodrigues, Matela, Botelho, Correia, Barbedo, Freitas, Carvalho, Negro, Pinheiro de Andrade, Pinheiro, Campos, Gil vant Ouvistet, Albernaz, Cardoso, Perdigão, Vinhal e Alpoim;
    • XX: Carvalhal, Búzio, Magalhanes, Maracote, Fróis, Lobeira, Frielas, Antão Gonçalves, Fuseiro, Morais, Unha, Alma, Martim Rodrigues, Refoios, Barbança, Moreira, Nicolau Coelho, Teive, Cordovil e Boteto;
    • XXI: Alvelos, Avelar, Chaves, Beça, Montarroio, Farinha, Cotrim, Figueiredo, Oliveira, Cogominho, Carreteiro, Marinho, Brandão, Sodré, Machado, Sardinha, Diogo Fernandes, João Lopes e André Rodrigues;
    • XXII: Jorge Afonso, Lobia, Guedes, Franca, Gramaxo, Castanheda, Trigueiros, Barboso, Revaldo, Outiz, Bulhão, Azeredo, Travaços, Leis, Quintal, Canto, Lagarto, Picanço, Feio e Rodrigo Esteves;
    • XXIII: Correão, Rocha, Rego, Galhardo, Drago, Corbacho, Camelo, Tourinho, Diogo Cão, Lanções, Araújo, Monteiro, Gavião, Carrilho, Arrais, Barros, João Fernandes do Arco, Fagundes, Caiado de Gamboa e Dom João Lobo;
    • XXIV: Severim, Presno, Dom Henrique de Coimbra, Luís Álvares de Aveio, Estêvão Martins, Riba Fria e Diogo de Torres.

Com a exceção daqueles timbrados com coroa e mitra e alguns outros, os escudos estão ao balão, isto é, figuram inclinados, pendentes de correias que saem dos elmos. Não há timbres (cimeiras) no Livro do Armeiro-Mor. Na verdade, os ornamentos externos não tinham, em geral, passado pela codificação que veio regulá-los. Até o fólio 116, cada brasão figura numa página. Talvez aí esteja um diferencial que contribuiu com a qualidade da obra: não tendo de reduzir tanto o tamanho do desenho, mas dispondo de uma superfície de 403 × 315 mm, o artista pôde desenvolver um trabalho de grande beleza.

Enfim, o meu próximo projeto neste modesto blog será dar a conhecer o Livro do Armeiro-Mor mostrando a digitalização que o Arquivo Nacional da Torre do Tombo levou a cabo, transcrevendo os textos com ortografia atual, brasonando as armas e tecendo um breve comentário aqui e acolá. A começar pelo prólogo:

Prólogo do Livro do Armeiro-Mor.
Prólogo do Livro do Armeiro-Mor.

Livro das armas que o muito Alto, muito Excelente e muito Poderoso Príncepe el-Rei Dom Manuel I, nosso Senhor, per graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves d'aquém e d'além-Mar em África e Senhor de Guiné e da Conquista, Navegaçom e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, mandou a mi, Rei d'Armas Portugal, Juiz da Nobreza, que composesse e ordenasse e nele assentasse tôdalas armas dos reis e príncepes cristãos e assi judeus, mouros e gentios, donde primeiramente decende e começou a nobreza. E assi assentasse e posesse tôdalas armas dos nobres destes Reinos e Senhorios, cada ũas em seu lugar própio e ordem, como fôrom dadas antigamente a cada um. E pera elo me mandou dar juramento sobre os Santos Avangelhos per Pero de Lemos, seu capelão, e Afonso Mexia, escrivão da sua Câmara, que bem e verdadeiramente a cada um guardasse sua justiça, assi no lugar e antiguidade como todo al, e o assinasse de meu própio sinal e armas.

Feito em Lisboa, a 15 dias de agosto de 1509 anos.

Nota:
(1) "A composição por sobreposição dos planos — partindo do fundo da  imagem para o primeiro plano —; o horror vacui que conduz a preencher os quadros; o uso de cores absolutas, sem gradação nem sombra; a estilização das figuras, dando prioridade à ideia sobre a forma; o gosto pelos arranjos geométricos; a hierarquização do conteúdo no continente são tantas grandes características que se encontram em todas as produções pictóricas dos anos 1150-1200, como as pinturas murais ou as miniaturas." (tradução minha)

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