03/05/21

A ELEIÇÃO DO IMPERADOR DA ALEMANHA

A dignidade de Imperator Romanorum conferia um enorme prestígio ao seu titular e a quem o elegia, embora fosse um império mais germânico que românico.

A eleição do rei fazia parte dos costumes germânicos: visigodos, anglo-saxões, francos, longobardos, todos fundaram monarquias eletivas após a queda do Império no Ocidente, mesmo que a sucessão ocorresse dentro de uma dinastia.

Desde meados do século VI, o imperador — o único, que imperava a partir do Oriente  era o protetor da Santa Sé, mas duzentos anos depois, sob a ameaça dos longobardos e a impotência de Constantinopla, o papa Estêvão II recorreu a Pipino, rei dos francos, que reconquistou os territórios bizantinos e em 754 doou o ducado romano a São Pedro, origem do Estado Pontifício, que perdurou até 1870 e foi recuperado como Cidade do Vaticano em 1929. Em contrapartida, o papa reconheceu a deposição da dinastia merovíngia e a instauração da dinastia carolíngia. No Natal de 800, depois de um concílio ter julgado vaga a dignidade imperial, por estar ocupada por uma mulher (a imperatriz Irene), o papa Leão III coroou o sucessor de Pipino, Carlos Magno, Imperator Romanorum, ou seja, 'Imperador dos Romanos'.

A nota histórica do Livro do Armeiro-Mor recua a regulação da eleição imperial ao pontificado de Gregório V e ao império de Otão III. De fato, Bruno, o nome de batismo desse papa, era não só germano (o primeiro a ascender ao sólio pontifício), mas também primo do rei Otão. Em 996, fazia parte da comitiva régia que viajava pela Itália, quando o papa João XV faleceu. O rei apresentou, então, a candidatura de Bruno, que foi eleito e assumiu o dito nome. No mesmo ano, coroou Otão imperador. No entanto, assim que este partiu de Roma, Crescêncio, o prefeito da cidade, conspirou contra Gregório, que teve de fugir, e fez ser eleito um antipapa: João Filagato, sob o nome de João XVI. Essa sedição foi refreada pelo imperador, que marchou sobre Roma em 998 e puniu duramente os rebeldes. Parece que João do Cró queria salientar o caráter germânico do Império. Terá sido porque em 1509 Carlos de Habsburgo, neto do imperador Maximiliano I, já era o príncipe das Astúrias, ou seja, o herdeiro da vizinha Coroa de Castela?

Na verdade, a regulação da eleição imperial deu-se por meio da célebre Bula de Ouro, promulgada por Carlos IV em 1356, após um longo período de disputas entre casas principescas e o papado, a mais cruenta aquela entre os guelfos e os gibelinos. Definiu-se um colégio de sete eleitores: três príncipes eclesiásticos, portanto eles mesmos eleitos pelos cabidos das suas catedrais, e quatro laicos, de domínio indivisível e sucessão agnatícia:

  • O arcebispo de Mogúncia;
  • o arcebispo de Tréveris;
  • o arcebispo de Colônia;
  • o rei da Boêmia;
  • o conde palatino do Reno;
  • o duque da Saxônia;
  • o marquês de Brandemburgo.

Em 1623 e 1692, foram respectivamente agregados ao colégio eleitoral o duque da Baviera e o de Brunsvique-Lüneburg (depois mais conhecido como eleitor de Hanôver). 

Por tradição, o imperador continuou a ser coroado pelo romano pontífice até a Reforma Protestante. Durante o intervalo desde a eleição até essa coroação, o eleito usava o título de rei dos Romanos.

Do Livro do Armeiro-Mor (1509):

Fólio 30r: A santificação...
Fólio 30r: A santificação...

A santificação da enleição do emperador fez Grigório V aos onze meses ante que morresse. Restetuído em Roma, tomou mui áspara vingança da injúria recebida dos romãos. E criado por emperador Otom o III por socedimento, no seu trabalho o mesmo papa, da mesma gente nascido, conhecendo a fraqueza do Empério e a mudança da furtuna, pera que perlongadamente acerca dos alemães a mui alta majestade do Empério pudesse remanecer, ajuntada a cleresia, fez um estatuto de enleger o emperador: que somente aos alemães conviesse enleger o príncipe, os quais daí são ditos enlegedores, a qual santificação até aqui, por mais de quinhentos anos, vemos guardada pera que no tempo por vĩir nom por socedimento de sangue o Empério fosse regido, mas somente pelos alemães nobres juntamente com o rei de Boêmia o emperador fosse enlegido, o qual entonce chamado Cézar e Rei dos Romãos; se do Padre Santo de Roma for coroado, seja chamado Emperador Augusto, da qual confirmação compridamente se trata fora daqui, no tratado da enleição, em o capítolo que começa Venerabilem.

E som enlegedores, segundo claramente adiante aparece nas feguras seguintes, os arcebispos de Magôncia, de Tréver, de Colonha e o marquês de Brandeburgo e o conde palatim de Reine e o duque de Xaxônia e el-rei de Boêmia. E antre eles, são ofícios destintos: que os três primeiros sejam chanceleres, o primeiro d'Alemanha, o segundo de França, o terceiro de Itália; o marquês de Brandemburgo, camareiro, e o conde palatim, servidor de toalha, e o duque de Saxônia, levador do estoque, e el-rei de Boêmia, o copeiro, o qual dizem ser acrecentado a estes pera tolher as discórdias dos sobreditos enlegedores.

Fólio 31r: Arcebispo de Tréveris.
Fólio 31r: Arcebispo de Treves.

Arcebispo de Tréveris: De prata com uma cruz de negro. João do Cró trocou as armas dos principados arquiepiscopais de Tréveris e Colônia: estas são daquele de Colônia. Era o arquichanceler para a Gália e o primeiro a votar. Em 1509, o titular era Jaime II, da Casa de Baden, daí, talvez, o escudete sobre a cruz (as armas da Casa de Baden são de ouro com uma faixa de vermelho). Atualmente, com o esmalte correto, são as armas da arquidiocese de Tréveris e compõem a primeira partição das armas do estado da Renânia-Palatinado e o segundo quartel das armas do estado do Sarre.

Fólio 31v: Arcebispo de Colônia.
Fólio 31v: Arcebispo de Colonha.

Arcebispo de Colônia: De prata com uma cruz de vermelhoJoão do Cró trocou as armas dos principados arquiepiscopais de Tréveris e Colônia: estas são daquele de Tréveris. Era o arquichanceler para a Itália e presidia a coroação do rei dos Romanos, que até 1562 acontecia na capela palatina de Aquisgrão, sob a sua jurisdição, depois na catedral de Colônia. Em 1509, o titular era Filipe II, da Casa de Daun. Atualmente, com o esmalte correto, são as armas da arquidiocese de Colônia.

Fólio 32r: O arcebispo de Mogúncia.
Fólio 32r: O arcebispo de Magúncia.

O arcebispo de Mogúncia: De vermelho com uma roda de seis raios de prata. Era o arquichanceler para a Germânia e o presidente do colégio eleitoral: convocava a eleição, votava por último e lavrava o resultado. Em 1509, o titular era Jaime de Liebenstein. Atualmente, são as armas da arquidiocese de Mogúnciacompõem a segunda partição das armas do estado da Renânia-Palatinado.

Fólio 32v: Duques.
Fólio 32v: Duques.

Imperador dos Romanos: De ouro com uma águia de duas cabeças de negro, armada e lampassada de vermelho. Atualmente, com a águia de uma só cabeça, bicada e membrada de vermelho, são as armas federais da Alemanha. Em 1509, o imperador era Maximiliano I, da Casa de Habsburgo.

Duque da Suábia: De ouro com três leopardos de negro, armados e lampassados de vermelho, alinhados em pala e postos em cortesia. O ducado da Suábia foi extinto em 1313. Atualmente, com três leões aleopardados, apenas lampassados de vermelho, são as armas do estado de Baden-Württemberg e compõem o quarto quartel das grandes armas do estado da Baviera.

Príncipe de Brunsvique-Wolfenbüttel: De vermelho com dois leopardos de ouro, armados de negro, coroados de ouro, um sobre o outro e postos em cortesia. Em 1509, o titular era Henrique V, da Casa de Welf.

Duque da Baviera: Fuselado em banda de prata e azul. Em 1509, os titulares eram Guilherme IV e Luís X, da Casa de Wittelsbach. Atualmente são as pequenas armas do estado da Baviera e compõem o escudete das suas grandes armas.

Duque de Lorena: De ouro com uma banda de vermelho, carregada de três aguietas de prata, postas no sentido da banda. Em 1509, o titular era Antônio de Lorena. Atualmente, com três aleriões, compõe o quarto quartel das armas do estado do Sarre.

Fólio 33r: Rei da Boêmia.
Fólio 33r: Rei de Boêmia.

Rei da Boêmia: De vermelho com um leão de cauda forcada de prata, coroado de ouroEra o arquicopeiro do Sacro Império, o primeiro que oferecia bebida ao imperador. Em 1509, o rei da Boêmia era Vladislau II, da Casa dos Jaguelões. Atualmente, com o leão armado e lampassado de ouro, compõe o primeiro e quarto quartéis das armas estatais da Tchéquia.

Fólio 33v: O conde palatino do Reno.
Fólio 33v: O conde palatim do Rim.

O conde palatino do Reno: De negro com um leão de prata, armado e lampassado de vermelho, coroado de ouro. Era o arquissenescal do Sacro Império, o primeiro que oferecia comida ao imperador, levava o orbe e podia acrescentar um escudete de vermelho com um mundo de ouro sobre as suas armas. Em 1509, o conde palatino do Reno era Oto Henrique, da Casa de Wittelsbach. Atualmente, compõe o primeiro quartel das grandes armas do estado da Baviera, a terceira partição das armas do estado da Renânia-Palatinado e o quarto quartel das armas do estado do Sarre.

Fólio 34r: O duque da Saxônia.
Fólio 34r: O duque de Saxônia.

O duque da Saxônia: Burelado de ouro e negro de dez peças com um crancelim de verde brocante sobre tudo. Era o arquimarechal do Sacro Império, levava a espada e podia acrescentar um escudete cortado de negro e prata com duas espadas de vermelho, passadas em aspa e brocantes. Em 1509, o duque da Saxônia era Frederico III, da Casa de Wettin. Atualmente, com o burelado de negro e ouro, são as armas do estado da Saxônia e compõem o primeiro cortado das armas do estado da Saxônia-Anhalt e o segundo quartel das armas estatais de Liechtenstein.

Fólio 34v: O marquês de Brandemburgo.
Fólio 34v: O marquês de Brandembur.

O marquês de Brandemburgo: De prata com uma águia de vermelho, linguada e membrada de azul, cada asa carregada de um Kleestängel do mesmo. Era o arquicamareiro do Sacro Império, levava o cetro, oferecia água para o imperador lavar as mãos e podia acrescentar um escudete de azul com um cetro de ouro às suas armas. Em 1509, o marquês de Brandemburgo era Joaquim I, da Casa de Hohenzollern. Atualmente, com a águia bicada e membrada de ouro, assim como o Kleestengel, são as armas do estado de Brandemburgo e compõem o terceiro quartel das armas do estado de Meclemburgo-Pomerânia Ocidental.

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