05/05/21

A SAGRAÇÃO DO REI DA FRANÇA

O imperador tinha auctoritas, mas o Império era uma confederação, enquanto o reino da França ia tornando-se a monarquia mais centralizada e potente do Ocidente.

A sagração consiste na unção do rei com óleo santo. As armas imaginárias de Carlos Magno, que constam do primeiro capítulo, ilustram bem que a monarquia carolíngia deu origem tanto ao reino da França como ao Sacro Império. Com efeito, o mesmo Pipino, que tomou ao imperador (oriental) a proteção da Santa Sé, abrindo caminho para que seu filho se tornasse o imperador (ocidental), foi o primeiro rei franco a ser ungido. A inspiração bíblica é evidente e daí evoluiu para a suntuosa cerimônia que inaugurava o reinado do monarca francês.

É, pois, uma mitificação o relato de que a sagração remonta a Clóvis, o rei franco que se converteu ao cristianismo, segundo o qual uma pomba desceu dos céus trazendo uma ampola de óleo a São Remígio, que então oficiou o batismo desse rei. Outra vez, a inspiração bíblica é evidente. A própria intervenção dos pares na cerimônia não vem documentada pela primeira vez já na sua plenitude: aparece citada em 1203 e codificada apenas em 1317.

Os Doze Pares de França eram seis senhores eclesiásticos e seis laicos. O conjunto daqueles era formado pelo arcebispo-duque de Reims e cinco bispos de dioceses sufragâneas desse arcebispado: o bispo-duque de Laon, o bispo-duque de Langres, o bispo-conde de Beauvais, o bispo-conde de Châlons e o bispo-conde de Noyon. O conjunto dos laicos era formado pelos grandes vassalos do rei: o duque da Borgonha, o duque da Normandia, o duque da Aquitânia, o conde de Toulouse, o conde de Flandres e o conde da Champanha. A cada um correspondia levar uma insígnia na cerimônia para a investidura, sagração e coroação do rei.

Curiosamente, no fim do século XV dos pariatos laicos somente o condado de Flandres tinha um titular. É que a própria evolução do estado francês no fim da Idade Média levou à reversão dos grandes feudos à Coroa, seja por aquisição, anexo ou conquista. Não obstante, para sustentar a aparência de permanência, os príncipes do sangue assumiram os lugares dos pares laicos na qualidade de "lugar-tenentes" destes.

João do Cró foi bastante preciso na reprodução das armas dos pariatos laicos, mas cometeu equívocos quanto àquelas dos pariatos eclesiásticos: deu o título de arcebispo aos bispos-duques de Laon e de Langres, as armas do bispo-conde de Châlons ao bispo-duque de Laon e armas desconhecidas aos demais, salvo o arcebispo-duque de Reims, cujas armas não dá.

Do Livro do Armeiro-Mor (1509):

Fólio 35r: O primeiro...
Fólio 35r: O primeiro...

O primeiro rei cristão em França foi Clóvis: começou a reinar no ano de 488 (1) e foi bautizado por São Romi, arcebispo de Raiens (2). E como foi bautizado, logo descendeu do ceo ũa pomba que trouve i ólio, com que o untou e sagrou. Foi esto em o tempo do papa Félis e de Justim Emperador (3).

Aqueste rei conquistou Saissões (4) e toda a comarca e matou um duque romão (5), que tinha aquela terra e a via sagrim (6). Conquistou Loreina (7) e depois Melun e desbaratou os alemães e o rei dos godos, e filhou Tolosa, que era a mestra cidade dele, e depois filhou Angoleima (8).

Aqueste rei fundou São Pedro. Chama-se Santa Geneviana (9) onde este rei jaz. E reinou trinta anos.

Notas:
(1) O reinado de Clóvis começou em 481.
(2) São Remígio (em francês Saint Remi), então bispo de Reims.
(3) Segundo São Gregório de Tours, o batismo aconteceu em 496: era, então, Félix III o pontífice romano e Zenão o imperador.
(4) Soissons.
(5) Siágrio.
(6) Não identifico qual seja o referente.
(7) Lorena, então Bélgica Primeira, ocupada pelos alamanos.
(8) Angoulême.
(9) Abadia de Santa Genoveva, dedicada primitivamente aos Santos Pedro e Paulo.

Fólio 35v: Arcebispo de Reims, duque.
Fólio 35v: Arcebispo de Rânis, duque.

A iluminura não contém as armas do arcebispo-duque de Reims, que trazia de azul, semeado de flores de lis de ouro, com uma cruz de vermelho, brocante sobre tudo. Sagrava e coroava o rei. Em 1509, o titular era Roberto I de Lenoncourt.

Fólio 36r: Duque da Borgonha.
Fólio 36r: Duque de Borgonha.

Duque da Borgonha: Bandado de ouro e azul de seis peças com uma bordadura de vermelho. Levava a coroa, cingia a espada ao rei e conferia-lhe a ordem da cavalaria. O ducado foi anexado pelo rei Luís XI em 1477, mas em 1509 Carlos de Habsburgo, o futuro imperador Carlos V, usava-o como pretendente.

Fólio 36v: Bispo de Beauvais, conde.
Fólio 36v: Bispo de Beauvois, conde.

Bispo de Beauvais, conde: Veirado de ouro e vermelho com um chefe de ouro, carregado de uma águia de negro. Não identifico estas armas. Esse bispo-conde trazia de ouro com uma cruz de vermelho, cantonada de quatro chaves do mesmo, adossadas par a par. Levava a cota de armas e o manto reais. Em 1509, o titular era Luís de Villiers de L'Isle-Adam.

Fólio 37r: Duque de Guiana.
Fólio 37r: Duque de Guiana.

Duque da Aquitânia (ou Guiana ou Guiena): De vermelho com um leopardo de ouro. Levava a segunda bandeira real. O ducado foi conquistado pelo rei Carlos VII em 1453.

Fólio 37v: Bispo de Châlons, conde.
Fólio 37v: Bispo de Chalon, conde.

Bispo de Châlons, conde: De azul com três cruzes trilobadas de pé aguçado de ouro e uma bordadura espiguilhada de vermelhoNão identifico estas armas. Esse bispo-conde trazia de azul com uma cruz de prata, cantonada de quatro flores de lis de ouro. Levava o anel real. Em 1509, o titular era Gil de Luxemburgo.

Fólio 38r: Conde de Flandres.
Fólio 38r: Conde de Frandes.

Conde de Flandres: De ouro com um leão de cauda forcada de negro, armado e lampassado de vermelho. Levava a espada real. Em 1509, o titular era Carlos de Habsburgo, o futuro imperador Carlos V. Atualmente, de cauda não forcada, são as armas de Flandres Oriental e compõem o segundo partido das armas de Flandres Ocidental e o primeiro e quarto quartéis das armas de Hainaut, todas províncias belgas.

Fólio 38v: Arcebispo de Laon, duque.
Fólio 38v: Arcebispo de Lam, duque.

Bispo de Laon, duque: De azul com uma cruz de prata, cantonada de flores de lis de ouro. Na verdade, estas eram as armas do bispo-conde de Châlons. O arcebispo-duque de Laon trazia de azul, semeado de flores de lis de ouro, com uma cruz de prata brocante sobre tudo, carregada de um báculo de vermelho. Levava a Santa Ampola. Em 15 de agosto de 1509, a sé estava vacante.

Fólio 39r: Duque da Normandia.
Fólio 39r: Duque de Normandia.

Duque da Normandia: De vermelho com dois leopardos de ouro, um sobre o outro. Levava a primeira bandeira real. O ducado foi anexado pelo rei Filipe II em 1204, mas o monarca inglês, depois britânico, seguiu usando o título por ter mantido a sua soberania sobre as ilhas do Canal.

Fólio 39v: Arcebispo de Langres, duque.
Fólio 39v: Arcebispo de Langre, duque.

Bispo de Langres, duque: De azul com um leão deitado de ouro, armado e lampassado de vermelho, acompanhado de duas estrelas de seis raios de ouro em chefeNão identifico estas armas. Esse bispo-duque trazia de azul, semeado de flores de lis de ouro, com uma aspa de vermelho, brocante sobre tudo. Levava o cetro real. Em 1509, o titular era João VI d'Amboise.

Fólio 40r: Conde da Champanha.
Fólio 40r: Conde de Champanha.

Conde da Champanha: De azul com uma banda de prata, coticada duplamente, potenciada e contrapotenciada de ouro. Levava o estandarte real. O condado foi adquirido pelo rei Filipe VI em 1336.

Fólio 40v: Bispo de Noyon, conde.
Fólio 40v: Bispo de Noyon, conde.

Bispo de Noyon, conde: Esquartelado, o primeiro e quarto de azul com um castelo de ouro, acompanhado de um lambel de três pendentes de prata; o segundo e terceiro de vermelho com três mãos de prataNão identifico estas armas. Esse bispo-conde trazia de azul, semeado de flores de lis de ouro, com dois báculos adossados de prata, brocantes. Levava o cinto real. Em 1509, o titular era Carlos II de Hangest.

Fólio 41r: Conde de Toulouse.
Fólio 41r: Conde de Toulosa.

Conde de Toulouse: De vermelho com uma cruz de Toulouse de ouro. Levava as esporas reais. O condado reverteu ao domínio real em 1271.

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