A coroa reforçava o sistema de diferenças da Casa Real, mas outra vez é preciso pesquisar o que de fato tem base histórica.
Para não alongar demais a postagem anterior, reservei para esta a questão dos ornamentos exteriores, que Antônio Godinho, autor do Livro da nobreza e perfeição das armas, não negligenciou e, no caso da Casa Real, resolveu de modo muito inventivo. Com efeito, todos os varões trazem:
- elmo de ouro, unicamente o do rei posto de frente, os demais virados três quartos para a destra;
- virol e paquifes de ouro e vermelho;
- coroa antiga de ouro, cuja riqueza em ornato e pedraria vai simplificando-se conforme diminui a dignidade;
- o timbre da Casa Real Portuguesa: a serpe, nascente da coroa.
A inventividade está, precisamente, na iluminura do timbre. Num esmero francamente excessivo, ainda que justificado no prólogo ("esta regra quis se guardasse primeiramente antre os senhores ifantes, vossos irmãos, segundo pelos labeos se mostra, mudaram-lhe os timbres, porque despois de Sua Alteza ter vistos os livros e parecer de seus reis d'armas, houve por bem o timbre real se nom trazer sem mudança, posto que nas outras linhagens assi nom fosse"), Antônio Godinho dá um esmalte a cada infante, seguindo a ordem tradicional. Assim, a serpe que timbra as armas do rei e as do príncipe é de ouro; a do primeiro infante, de prata (alada de ouro); a do segundo, vermelha; a do terceiro, azul; a do quarto, negra; a do quinto, púrpura; a do sexto, verde.
Contudo, sabe-se que durante o século XVI na Europa ocidental a forma da coroa real evoluiu, tomando os diademas que até então distinguiam a coroa imperial, daí que se brasone como antiga a coroa aberta. Em Portugal, essa evolução ocorreu durante o reinado de Dom Sebastião (1557-1578), por isso nenhum dos armoriais manuelinos a alcançou. No entanto, Frei Manuel de Santo Antônio e Silva recapitulou todo o sistema de diferenças da Casa Real no Tesouro da nobreza de Portugal, feito a partir de 1783 para servir de armorial oficial:
Fólio 2r: Monsenhor; Cônego; Rei; Rainha. |
Tanto o rei como a rainha traziam a coroa fechada por diademas que saem detrás dos florões e convergem sob um mundo, visíveis cinco.
Fólio 2v: Príncipe do Brasil; Princesa do Brasil; Príncipe da Beira; Primeiro Infante. |
Príncipe do Brasil foi o título do herdeiro presuntivo do trono português de 1645 a 1817 (depois príncipe real). Ele e sua esposa também traziam uma coroa fechada, mas o número de diademas visíveis ficava reduzido a três. Já os infantes, traziam a coroa aberta com o timbre da Casa Real: a serpe.
Notem-se três diferenças em relação ao Livro da nobreza e perfeição das armas: a primeira, o lambel não é de prata, mas de ouro; a segunda, os escudetes das armas maternas sobrepõem-se aos pendentes da sinistra à destra; a serpe é invariavelmente de ouro.
Fólio 3r: Segundo Infante; Terceiro Infante; Quarto Infante; Filho natural do rei. |
Curiosamente, os escudetes que diferençam as armas do segundo infante não se sobrepõem ao primeiro e segundo pendentes da sinistra à destra, como era de se esperar, nem saltando o do meio, mas ambos ficam sobre o primeiro da sinistra à destra, assim como nas armas do quarto infante, se bem que neste caso parece cumprir mais fielmente o regimento: "que havendo outros mais filhos, virão por suas precedências de mais velho a mais moço, ocupando as pontas do labéu com armas dobradas da parte da mãe ou outras diferenças nobres. E sempre começarão da primeira ponta da mão esquerda para a da mão direita, como dito é, em cada uma sua".
Fólio 3v: Filho bastardo do rei; Infante, filha do rei; Filhos bastardos dos infantes; Duque do Cadaval. |
Mais uma divergência em relação ao Livro da nobreza e perfeição das armas é que a lisonja da infanta também é timbrada com a coroa aberta. Mais que isso: o quarto brasão nessa página, pertencente ao duque do Cadaval, demonstra que o coronel de infante é igual ao de duque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário