A heráldica é uma ars ou tékhnē tanto no sentido antigo como no moderno, pois é uma arte e também uma técnica.
Encerrando a série de propostas de brasões para as paróquias de Currais Novos, a "irmã mais nova" é a patrocinada por São Francisco. Como informei na primeira postagem desta série, Dom Antônio Carlos Cruz Santos, bispo diocesano de Caicó, erigiu-a em 24 de janeiro de 2015 por desmembramento da paróquia da Imaculada Conceição.
Igreja Matriz de São Francisco, Currais Novos (imagem disponível no perfil da paróquia no Facebook). |
Com relação ao emblema atual, choca ainda mais que o da paróquia da Imaculada Conceição, porque simplesmente alguém recortou uma foto do vulto de São Francisco que é venerado na igreja matriz, pegou o emblema da Santa Sé e o brasão da diocese de Caicó e os aplicou sobre a imagem de um escudo... marrom!
Emblema da Paróquia de São Francisco de Currais Novos (imagem disponível no perfil da paróquia no Facebook). |
Como, à falta de um trabalho artístico, não há sequer o que comentar, vou direto à proposta: de azul com dois braços de carnação passados em aspa, o esquerdo vestido do hábito franciscano, ambos com as mãos espalmadas e feridas de vermelho, moventes de nuvens de prata, rematados por uma cruz alta de ouro, o todo entre quatro cruzes de prata e acompanhado de uma cerca de ouro, firmada em ponta; sob o escudo, uma cruz processional; divisa: Felices qui perseverabunt, escrita de negro em listel de prata.
O conjunto que está por figura principal consiste no emblema franciscano. Cada um dos seus elementos pode apresentar variantes, mas essa versão é quase a padrão. Parece ter evoluído a partir do brasão assumido por São Boaventura quando Gregório X o criou cardeal. Nesse brasão, viam-se duas mãos, uma sobre a outra, unidas por um cravo. Conta-se que o seu brasão original trazia um sol de ouro, carregado do monograma de Jesus, em campo de azul, mas tendo recebido o capelo cardinalício, quis denotar que prezava mais a união com Cristo que as honras do mundo. Ao fim do século XV, começaram a aparecer dois braços cruzados, um despido e o outro vestido com o hábito da ordem, ambos com as mãos estigmatizadas, assinalando a "conformidade" excepcional de São Francisco com Cristo por meio das chagas abertas, a ponto de se converter num Alter Christus. Pouco tempo depois, no século seguinte, acrescentou-se a cruz ao centro, em diversa coloração e posição relativamente aos braços. O azul do campo é a cor que normalmente ilumina o escudo quando tal emblema integra um brasão. Ademais, exprime a devoção franciscana à Imaculada Conceição e evoca o céu que as nuvens sugerem.
Quanto à divisa, tirei-a da Vita secunda, mais precisamente do capítulo 162, em que Tomás de Celano narra a exortação e bênção de São Francisco àqueles que o assistiram no seu passamento:
"Valete", inquit, "filii omnes, in timore Domini (cf. Act., 9, 31) et permanete in ipso semper! Et quoniam futura tentatio et tribulatio (cf. Sir., 27, 6) appropinquat, felices qui perseverabunt in his quæ cœperunt. Ego enim ad Deum propero, cujus gratiæ vos omnes commendo".
Em vernáculo:
E disse: "Filhos todos, adeus no temor do Senhor! Permanecei sempre nele! E como a tentação e a tribulação estão para chegar, felizes os que perseverarem no que começaram. Eu vou para Deus, a cuja graça recomendo-vos todos" (tradução da Custódia São Francisco de Assis–Brasil Oeste).
Desse excerto do texto, a sentença Felices qui perseverabunt, ou seja, 'Felizes os que perseverarem', guarda especial força para se assumir, defender e difundir como divisa.
Sobre as cruzetas e a cerca, leia-se a primeira postagem da série, que citei no início desta.
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