Sob a monarquia constitucional, a justificação de nobreza reduziu-se à petição e um ou outro comprovante para os titulados e fidalgos filhados.
O último processo de justificação de nobreza que transcreverei aqui tem por justificante Arnaldo Ribeiro Barbosa e tramitou em julho de 1864. A instrução foi ainda mais simplificada que a do anterior, porque neste caso o suplicante era moço-fidalgo: bastou-lhe juntar a sua certidão de batismo, os alvarás do seu foro e, como lhe parecesse pouco, um atestado de antecedentes.
[Certidão de batismo do suplicante:]
Eu, abaixo assinado, certifico que, examinando os livros dos batizados desta freguesia, em um deles, a folhas 410, verso, está o assento seguinte:
Arnaldo, filho legítimo de Marcelino Ribeiro Barbosa e de Ana Rosa do Sacramento, da Rua das Hortas, nasceu a vinte e quatro de julho próximo passado e foi batizado no primeiro de agosto de mil oitocentos trinta e cinco. Foi padrinho Jacinto da Silva, da freguesia de Cedofeita, e assistiu Joaquina Rosa, da mesma. Neto paterno de Custódio Ribeiro de Beça, natural da freguesia de São Miguel de Cristelo, e de Maria de Oliveira Barbosa, natural da mesma, e materno de José da Silva, natural de São Pedro de Avioso, e de Ana do Sacramento, natural de Cedofeita. De que fiz este assento. O Abade Francisco d'Ave-Maria Leal.
E não contém mais o dito assento, ao qual me reporto. Porto, Santo Ildefonso, 17 de junho de 1864. O Coadjutor José Pereira da Cunha.
[Reconhecimento do tabelião:]
Reconheço o sinal supra. Porto, 21 de junho de 1864. Em testemunho da verdade. João Almeida Pinto.
[Alvará do foro de moço-fidalgo do suplicante:]
PÚBLICA FORMA. ALMEIDA PINTO.
MORDOMIA-MOR. SECRETARIA DOS FILHAMENTOS.Eu, el-Rei, faço saber a vós, António de Melo, Marquês de Ficalho, Par do Reino, do meu Conselho, Grã-Cruz da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e de outras ordens estrangeiras, Comendador da Antiga e muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, Gentil-Homem da minha Real Câmara, servindo interinamente de meu Mordomo-Mor, que, em atenção às circunstâncias que concorrem em Arnaldo Ribeiro Barbosa, natural da cidade do Porto, filho de Marcelino Ribeiro Barbosa, hei por bem e me praz fazer-lhe mercê do foro de moço-fidalgo da minha Real Casa, com mil réis de moradia por mês e um alqueire de cevada por dia, paga segundo a Ordenança. Pagou no Ministério da Fazenda em títulos de dívida fundada, como mostrou pelo recibo de talão número cento e trinta, datado de dezesseis do corrente mês, a quantia de trinta mil réis, de direitos de mercê. E satisfez mais a de três mil réis em metal, de imposto de criação, como também provou pelo recibo de talão número três mil cento e oito, datado de catorze do mesmo mês. Mando-vos o façais assentar no Livro da Matrícula dos Moradores da minha Casa em seu título, com a dita moradia e cevada. Paço, em dezoito de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. El-Rei. Marquês de Ficalho, servindo de Mordomo-Mor. Alvará pelo qual Vossa Majestade há por bem fazer mercê a Arnaldo Ribeiro Barbosa do foro de moço-fidalgo da sua Real Casa. Para Vossa Majestade ver. Passou-se em virtude de Despacho de dez de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. Veríssimo Máximo de Almeida o fez escrever. Leopoldo Augusto Correia de Sá o fez. Pagou dezessete mil e seiscentos réis de selo. Lisboa, vinte de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. Vinha. Lobo. Número quarenta e cinco. Lugar do selo de armas reais da causa pública. Registado a folhas duzentas e sete, verso, do Livro Quinto de Cartas e Alvarás da Secretaria dos Filhamentos, em vinte e sete de maio de mil oitocentos sessenta e quatro. José Maria Leote. Registado a folhas vinte e cinco do Livro Oitavo da Matrícula dos Moradores da Casa Real. Pagou mil oitocentos e quarenta réis. Lisboa, o primeiro de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. Leopoldo Augusto Correia de Sá. Registado no Real Arquivo, a folhas duzentas quarenta e uma do Livro Sétimo de Registo de Mercês. E pagou mil oitocentos e quarenta réis. Lisboa, quatro de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. Tomás Caetano Rodrigues Portugal. Pagou mil oitocentos e quarenta com verba. Portugal.
Não contém mais o dito alvará, que fiz copiar aqui do próprio, que conferi com a presente e a ele, em poder do apresentante, me reporto, a qual cópia vai fielmente e na verdade. Porto, dezessete de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. E eu, José d'Almeida Pinto, tabelião, que a subscrevi e assino em público e raso. Em testemunho de verdade. João d'Almeida Pinto e Silva.
Do selo, 350 réis.
[Alvará de dispensa do suplicante do exercício do foro:]
PÚBLICA FORMA. ALMEIDA PINTO.
MORDOMIA-MOR. SECRETARIA DOS FILHAMENTOS.
Eu, el-Rei, faço saber a vós, António de Melo, Marquês de Ficalho, Par do Reino, do meu Conselho, Grã-Cruz da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e de outras ordens estrangeiras, Comendador da Antiga e muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, Gentil-Homem da minha Real Câmara, servindo interinamente de meu Mordomo-Mor, que, tendo em consideração as circunstâncias que concorrem em Arnaldo Ribeiro Barbosa, meu Moço-Fidalgo, e atendendo a que, pela sua maior idade, não pode ter o exercício do seu foro, como lhe competia, hei por bem e me praz fazer-lhe mercê de todas as honras e prerrogativas de que gozam os moços-fidalgos com exercício na minha Real Casa, servindo-lhe este alvará de suplemento à falta do referido exercício, o que lhe concedo por graça especial. Mando-vos o façais assentar no Livro da Matrícula dos Moradores da minha Casa para em todo o tempo constar desta mercê. Paço, em dezoito de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. El-Rei. Marquês de Ficalho, servindo de Mordomo-Mor. Alvará pelo qual Vossa Majestade há por bem conceder a Arnaldo Ribeiro Barbosa, seu Moço-Fidalgo, todas as honras de que gozam os moços-fidalgos com exercício na sua Real Casa. Para Vossa Majestade ver. Passou-se em virtude do Despacho de dez de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. Veríssimo Máximo de Almeida o fez escrever. Leopoldo Augusto Correia de Sá o fez. Pagou vinte e dous mil réis de selo. Lisboa, vinte de abril de mil oitocentos sessenta e quatro. Vinha. Lobo. Número quarenta e seis. Lugar do selo de armas reais da causa pública. Registado a folhas duzentas e oito do Livro Quinto de Cartas e Alvarás da Secretaria dos Filhamentos, em vinte e sete de maio de mil oitocentos sessenta e quatro. José Maria Leote. Registado a folhas vinte e cinco, verso, do Livro Oitavo da Matrícula dos Moradores da Casa Real. Pagou mil oitocentos e quarenta réis. Lisboa, em o primeiro de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. Leopoldo Augusto Correia de Sá. Registado no Real Arquivo, a folhas duzentas quarenta e duas do Livro Sétimo de Registo de Mercês. E pagou mil oitocentos e quarenta réis. Lisboa, quatro de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. Tomás Caetano Rodrigues Portugal. Pagou mil oitocentos e quarenta com verba. Portugal.
Não se contém mais no supradito alvará, o qual fiz trasladar aqui na verdade, bem e fielmente do próprio, que conferi com a presente pública forma e ao mesmo me reporto e dele fiz entrega à pessoa que mo apresentara. Porto, dezessete de junho de mil oitocentos sessenta e quatro. E eu, João d'Almeida Pinto e Silva, tabelião, que a subscrevi e assino em público e raso. Em testemunho da verdade. José d'Almeida Pinto e Silva.
Do selo, 350 réis.
[Petição do suplicante à Câmara Municipal do Porto:]
Ilustríssima e Excelentíssima Câmara,
Diz Arnaldo Ribeiro Barbosa, proprietário e negociante matriculado na praça desta cidade, que para mostrar aonde lhe convier, precisa que Vossa Excelência lhe ateste qual é e tem sido o seu comportamento moral, civil e religioso e o mais que souber a respeito do suplicante. Pede a Vossa Excelência seja servida atestar-lho. E receberá mercê.
[Atestado da Câmara Municipal do Porto:]
Presidente e Vereadores da Excelentíssima Câmara Municipal desta Antiga e muito Nobre, sempre Leal e Invicta Cidade do Porto. Atestamos em como o requerente, Arnaldo Ribeiro Barbosa, proprietário e negociante, morador na Rua de Santa Catarina, freguesia de Santo Ildefonso, desta cidade, tem tido e tem um comportamento exemplar, moral e civil, sendo a bem disto pessoa em quem concorrem todas as qualidades que constituem um honrado cidadão. E por ser verdade o referido, mandamos passar o presente, que assinamos depois de selado com o selo da cidade. Porto e Paços do Concelho, 25 de junho de 1863. António Augusto Alves de Sousa, escrivão, o subscrevi. O Presidente Visconde de Lagoaça. Visconde de Figueiredo. José Carlos Lopes. Raimundo Joaquim Martins. Alexandre Soares Pinto d'Andrade. António Venceslau da Costa Dourado.
Senhor,
Diz Arnaldo Ribeiro Barbosa, moço-fidalgo com exercício na Casa de Vossa Majestade, negociante matriculado da praça do Porto e proprietário, que, sendo descendente das famílias de seus apelidos, que sempre se trataram à lei da nobreza e usaram de armas, recorre mui respeitosamente a Vossa Majestade para que se digne ordenar ao Rei de Armas Portugal que, tomando conhecimento deste negócio, lhe mande passar o seu respetivo brasão, na forma do estilo e para este fim. Pede a Vossa Majestade se digne deferir-lhe como súplica. E receberá mercê.
[Despacho do mordomo-mor em nome de Sua Majestade:]
Assine o Rei d'Armas Portugal. Paço de Sintra, 6 de julho de 1864. Ficalho.
Da forma como o processo está conservado, não consta o despacho do rei de armas, mas a carta de brasão foi passada em 13 de julho de 1864. O texto seguinte transcrevi de um dos livros, o nono (folha 67), em que essas cartas eram copiadas.
Dom Luís, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves. Faço saber aos que esta minha carta de brasão de armas, de nobreza e fidalguia virem que Arnaldo Ribeiro Barbosa, moço-fidalgo com exercício na minha Real Casa, negociante matriculado da praça da cidade do Porto e proprietário, me fez petição dizendo que pelos documentos justificativos a ela juntos se mostrava que ele é filho legítimo de Marcelino Ribeiro Barbosa e de sua mulher, Dona Ana Rosa do Sacramento, neto por parte paterna de Custódio Ribeiro de Beça e de sua mulher, Dona Maria de Oliveira Barbosa, neto por parte materna de José da Silva e de sua mulher, Dona Ana do Sacramento, e que os referidos seus pais, avós e mais ascendentes são pessoas nobres e ilustres das famílias dos Barbosas e, como tais, se trataram sempre à lei da nobreza, com armas, criados e cavalos e toda a mais ostentação própria dela, sem que em tempo algum cometessem crime de lesa-majestade, divina ou humana. Pelo que me pediu ele, suplicante, por mercê que para a memória de seus progenitores se não perder e para clareza de sua antiga nobreza, lhe mandasse dar minha carta de brasão de armas das ditas famílias para delas também usar, na forma que as trouxeram e foram concedidas aos ditos seus progenitores. E vista por mim a dita sua petição e documentos e constar de tudo o referido que a ele, como descendente das mencionadas famílias, lhe pertence usar e gozar de suas armas, segundo o meu Regimento e Ordenação da Armaria, lhe mandei passar esta minha carta de brasão delas, na forma que aqui vão brasonadas, divisadas e iluminadas com cores e metais, segundo se acham registadas no Livro do Registo das Armas da Nobreza e Fidalguia destes meus Reinos, a saber, um escudo com as armas dos Barbosas, que são em campo de prata um listão azul, posto em banda, carregado de três crescentes de ouro, com as pontas para cima, entre dous leões de púrpura batalhantes, armados da mesma cor, postos em contrabanda; elmo de prata aberto, guarnecido de ouro; paquife dos metais e cores das armas; timbre: um leão das armas nascente, armado de prata; e, por diferença, uma brica de ouro com um farpão verde. O qual escudo e armas poderá trazer e usar tão somente o dito Arnaldo Ribeiro Barbosa, assim como as trouxeram e usaram os ditos nobres e antigos fidalgos, seus antepassados, em tempo dos senhores reis, meus antecessores, e com elas poderá exercitar todos os atos lícitos da guerra e da paz. E, assim mesmo, as poderá mandar esculpir em seus firmais, anéis, sinetes e divisas, pô-las em suas baixelas, reposteiros, telizes, casas, capelas e mais edifícios e deixá-las gravadas sobre sua própria sepultura. E, finalmente, se poderá servir, honrar, gozar e aproveitar delas em tudo e por tudo, como à sua nobreza convém. Com o que quero e me praz que haja ele todas as honras, privilégios, liberdades, graças, mercês, isenções e franquezas que hão e devem haver os fidalgos e nobres de antiga linhagem e como sempre de tudo usaram e gozaram os ditos seus antepassados. Pelo que mando a todos os juízes e mais justiças destes meus Reinos e, em especial, aos meus reis de armas, arautos e passavantes e a quaisquer outros oficiais e pessoas a quem esta minha carta for mostrada e o conhecimento dela pertencer que em tudo lha cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar como nela se contém, sem dúvida nem embargo algum que a ela seja posto, porque assim é minha mercê. El-Rei o mandou por Joaquim José Valentim, seu Rei de Armas Portugal. E não pagou direitos de mercê em virtude do disposto no artigo quinto da Carta de Lei de vinte e seis de março de mil oitocentos e quarenta e cinco. Henrique Carlos de Campos, Escrivão da Nobreza destes Reinos e seus Domínios, a fez escrever e subscrever em Lisboa, aos treze de julho de mil oitocentos e sessenta e quatro. E eu, Henrique Carlos de Campos, a fiz escrever e subscrevi. Rei de Armas Portugal Joaquim José Valentim. E eu, Henrique Carlos de Campos, a fiz registar e assinei. Henrique Carlos de Campos.
No século XVI, as armas direitas eram as mais nobres porque, como já sabemos, pertenciam ao chefe da linhagem. Custa crer que em 1864 um simples moço-fidalgo recebeu as armas dos Barbosas diferençadas unicamente por uma brica porque sobejava em nobreza a quem trazia um partido ou esquartelado. Antes, parece o contrário: as quebras das linhagens varonis e o prestígio das linhagens femininas fizeram com que os próprios títulos de juro e herdade acumulassem várias armas. Por exemplo, as primeiras armas da Casa de Castelo Melhor (condado desde 1611, marquesado desde 1766) eram as direitas dos Vasconcelos, mas por último era uma esquarteladura dessas armas (1) mais as dos Faros, condes de Odemira (2), e as dos Câmaras (3). Arnaldo Ribeiro Barbosa exemplifica, pois, o caso de alguém que não tinha um nome como João de Vasconcelos e Sousa Câmara Caminha Faro e Veiga, quinto marquês de Castelo Melhor e contemporâneo seu, mas, como era fidalgo filhado e podia pagar o que o estado cobrava pela mercê heráldica, a este restava conceder-lhe as armas "da linhagem" através da qual lhe vinha, alegadamente, a fidalguia.
(1) De negro com três faixas veiradas de prata e vermelho.
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