Brasão de armas de Lopo Esteves.
O nono brasão mais antigo desta série foi dado a Lopo Esteves em 1471. Eis a carta de Dom Afonso V:
Armas de Lopo Esteves: "Ũu escudo de color de púrpura ou d'amatista e ũa águia estendida branca ou de prata com o bico e pernas pretas". |
Dom Afonso etc. A quantos esta carta patente virem, fazemos saber que, consirando nós nos muitos, continuados e estremados serviços que recebidos temos de Lopo Estévẽez, nosso cavaleiro, morador na nossa vila d'Olivença, assi nestes nossos Reinos d'aaquém-mar como aalém do mar, nas partes d'África, a saber, nas tomadas de nossa vila d'Alcácer e da nossa vila d'Arzila e da nossa cidade de Tânger, que com a graça de Nosso Senhor filhamos aos mouros, sendo sempre connosco per pessoa e com hómẽes d'armas, beesteiros e outra gente e assi na cidade de Ceita, continuando a dita frontaria, onde mui bem e lealmente nos serviu, e consirando em sua bondade, indústria e descriçom e no bõo desejo e vontade com que sempre continoou em nosso serviço, assi nos feitos das guerras como em tôdolos outros a nosso serviço tocantes, e querendo-lhe esto agalardoar, como a nós cabe fazer a aqueles que bem e fielmente nos servem, e por lhe fazermos graça e mercee, teemos por bem e de nosso moto própio, querer, vontade, poder absoluto queremos e nos praz lhe darmos ũu escudo d'armas novas, a saber, ũu escudo de color de púrpura ou d'amatista e ũa águia estendida branca ou de prata com o bico e pernas pretas, segundo aqui, nesta nossa carta patente, são pintadas e ablasonadas, as quaes estabelecemos e queremos que dês agora e sempre o dito Lopo Estévẽez possa trazer e teer e delas per custume dos outros que as têm usar e gouvir em batalhas, torneos, cercos de vilas, combates de castelos, arroídos, bandos e escaramuças e em firmaes e em anees e sinetes e em quaesquer outros lugares, assi de guerra como de paz, como per qualquer outro modo que lhe aprouver, sem outro embargo que lhe sobre elo seja posto. E isso meesmo queremos que seus filhos e descendentes, que dele descenderem per legítimo matrimônio, hajam as ditas armas e delas possam gouvir, como sobredito é. E porém mandamos ao nosso Primeiro Rei d'Armas e oficiaes delas que assi o proviquem e em seus livros registem, porque assi é nossa mercee e vontade. E em testemunho desto lhe mandamos dar esta nossa carta patente, por lembrança e memória delo, assinada per nós e asseelada do nosso seelo do chumbo. Dada em a nossa vila de Sintra, 8 dias de novembro. Antão Gonçálvez a fez. Ano do Nosso Senhor Jesu-Cristo de 1471. (em leitura nova, Míst., liv. 3, fl. 12v; na Chanc. de D. Afonso V, liv. 21, fl. 14v)
Mesmo considerando que o hiato de doze anos entre a primeira carta de brasão (de Gil e Vicente Simões) e a segunda (de Fernão Gil de Montarroio) se deva à menoridade de Dom Afonso V, as cinco concessões que seguiram ocorreram num período de quinze anos. Em contraste, no mesmo dia — 8 de novembro de 1471 — ele concedeu não só as presentes armas, mas também as antecedentes (a Álvaro Afonso Frade) e, quatro dias depois, as sucedentes (a Antônio Leme).
Como o escudeiro Álvaro Afonso Frade, o cavaleiro Lopo Esteves morava em Olivença. Mais que isso: pela primeira vez, um escrivão copiou o mesmo texto para lavrar outro diploma. Assim, ambos estiveram nas conquistas de Alcácer Ceguer, Arzila e Tânger, aonde levaram "hómẽes d'armas, beesteiros e outra gente", se bem que Lopo serviu ademais em Ceuta. Portanto, eram burgueses ricos e tornaram-se chefes de casas nobres.
A bem da verdade, desde a mercê de Martim Esteves Boto falta explicitar o estado social do recebedor. Deduz-se ser plebeu porque não se tem notícia de que a mercê de armas novas se tenha nalgum momento despojado da propriedade de nobilitar. Além disso, embora houvesse armas plebeias, nesse período é inconcebível nobreza sem brasão. Parece, pois, premeditada certa ambiguidade que acabava por mostrar deferência a alguém que arriscara o seu cabedal ao serviço da Coroa. Esta interpretação acha-se na própria literatura heráldica, como se lê nos Triunfos de la nobleza lusitana (1631), do padre Antônio Soares de Albergaria:
Lope Esteves, vecino de Olivenza, fue armado caballero por el Rey Don Alfonso V, a quien sirvió con ballesteros a su costa en la conquista de Alcácer, Arcila y Tánger y en la frontera de Ceuta muchos años, por lo cual le hizo merced de cualificarlo por fidalgo de cota de armas, dándole por blasón en campo de púrpura un águila de plata extendida, armada de negro, y la misma por timbre. (1)
A respeito de Lopo Esteves, consta que tinha filhos em carta de 1490, pela qual Dom João II lhe perdoou ter mantido em cárcere privado a mulher e o filho de um judeu e tê-lo roubado. Esses fatos ocorreram na dita vila de Olivença, onde então dois bandos se batiam: de um lado, o dos Gamas e Lobos, ao qual Lopo pertencia; do outro, o do alcaide-mor Manuel de Melo (2). Seja como for, que se identifique o nosso armígero apenas por nome e patronímico, ambos frequentes no seu tempo, causa grande dificuldade (3).
Com efeito, no Livro do Armeiro-Mor acha-se um escudo de prata com uma flor de lis aberta de vermelho, cuja legenda diz ser de Rodrigo Esteves. Segundo a cópia na certidão que Algarve, servindo de rei de armas Portugal interino, lavrou a Vicente Machado de Brito em 1599, essas armas foram passadas em 1513 a seu bisavô, João Machado (4). Este era neto de João Esteves Carregueiro, a quem tal patronímico parece viera da parte de sua mãe. Para ligar um fato e o outro, cumpriria admitir que ela entroncava na linhagem cujo chefe era o dito Rodrigo em 1509. Contudo, o fato de ser chamado pelo nome (em vez da fórmula Esteves, chefe) sugere que se tratava do primeiro a trazer tais armas.
Depois, em 1540, foi Manuel Henriques Barreto quem recebeu essas mesmas armas, "como filho legítimo que é de Vasco Hanríquez Estévenz e neto de Hanrique Estévenz e bizneto de João Estévenz, que foi fidalgo muito honrado e o verdadeiro tronco desta geração" (5). Dois anos depois, a carta passada a Henrique da Veiga, seu tio, remonta um grau, revelando que o pai de João se chamava Leonardo Esteves (6). Observe-se que não há indício de parentesco nem com o Rodrigo Esteves nominado no Livro do Armeiro-Mor nem com a descendência de João Esteves Carregueiro.
O mais impressionante é a falta de memória desses atos, já que ao traçar uma síntese genealógica para os Esteves no Tesouro da nobreza de Portugal (1783), Frei Manuel de Santo Antônio e Silva recorreu à mercê de Gaspar Rodrigues Pais Estevens em 1666 (7), que esse mesmo reformador registrara num dos seus livros particulares:
Procedem de João Lourenço de Bubalde Estevens, alferes-mor d'el-Rei Dom João o I. Seus descendentes conservaram este apelido e se estabeleceram no Alentejo, onde viveu na vila de Veiros Gaspar Lopes Estevens, pai de Antônio Rodrigues Estevens, de que foi neto Gaspar Rodrigues Pais Estevens, morador em Lisboa, que no ano de 1666 tirou brasão de armas desta família, que são em campo de prata ũa flor de lis vermelha grande com duas espigas da mesma cor; timbre: um leão de prata nascente, armado de vermelho, com ũa flor de lis da mesma cor da espádua. Desta forma as achamos no registo do referido brasão. Alguns ramos desta família trazem por timbre a mesma flor de lis das armas.
Como se tudo isso não bastasse, na Beneditina lusitana (1651), de Frei Leão de Santo Tomás, e na Nobiliarquia portuguesa (1676), de Antônio de Vilas Boas e Sampaio, dão-se por armas dos Esteves aquelas que Dom João III concedeu após 21 de fevereiro de 1550 a Bernardim Esteves de Alte, a saber, nove flores de lis vermelhas em campo de prata e uma delas por timbre (8). À sua vez, como se fossem dos Altes na Nobiliarquia topa-se com as armas que Cristóvão Esteves da Espargosa recebeu do mesmo rei em 1533 (9).
Tudo isto demonstra como desde cedo a heráldica gentilícia portuguesa funcionou com base no sobrenome, de tal modo que não sabemos quais armas dos Esteves se passaram a José Tavares Esteves em 1755 (10), mas podemos ficar certos de que João Esteves da Fonseca Martins (11) e João Rodrigues Antunes Esteves de Carvalho (12) receberam em 1773 e 1797 cartas com estas de Lopo Esteves por mera coincidência onomástica.
(2) Chancelaria de D. João II, liv. 12, fl. 28.
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