16/09/22

"LIGADOS PELO LAÇO DA NAÇÃO"

Bicentenário das armas nacionais"Será d'ora em diante o escudo de armas deste Reino do Brasil em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul, e firmada a coroa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas da sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na parte inferior pelo laço da Nação".

Como se lê na segunda parte da Coleção das leis de 1822, a 18 de setembro o regente Dom Pedro editou mais dois decretos sobre símbolos. Um versa sobre o laço nacional. Segue:

DECRETO DE 18 DE SETEMBRO DE 1822
Determina o tope nacional brasiliense e a legenda dos patriotas do Brasil.
Convindo dar a este Reino do Brasil um novo tope nacional, como já lhe dei um escudo d'armas, hei por bem e com o parecer do meu Conselho de Estado ordenar o seguinte: o laço ou tope nacional brasiliense será composto das cores emblemáticas — verde de primavera e amarelo de ouro — na forma do modelo anexo a este meu decreto. A flor verde no braço esquerdo, dentro de um ângulo de ouro, ficará sendo a divisa voluntária dos patriotas do Brasil que jurarem o desempenho da legenda Independência ou morte, lavrada no dito ângulo.
José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado e do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, o Senhor Rei Dom João VI, e meu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Brasil e dos Estrangeiros, o tenha assim entendido e o faça executar com os despachos necessários.
Paço, 18 de setembro de 1822.
Com a rubrica de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente.
JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

O outro "[c]oncede anistia geral para as passadas opiniões políticas e ordena o distintivo Independência ou morte e a saída dos dissidentes". Na parte que concerne ao uso desse distintivo, diz que "[t]odo português europeu ou o brasileiro que abraçar o atual sistema do Brasil e estiver pronto a defendê-lo usará por distinção da flor verde dentro do ângulo de ouro no braço esquerdo com a legenda Independência ou morte".

"Em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul, e firmada a coroa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas da sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na parte inferior pelo laço da Nação".
"Em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul, e firmada a coroa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas da sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na parte inferior pelo laço da Nação".

O decreto da mesma data que ordenou as armas nacionais é muito bem escrito sob qualquer aspecto, inclusive o heráldico. Há apenas um elemento dúbio: o "laço da Nação", que ata os ramos de cafeeiro e tabaco. Não porque tenha faltado dizer como é esse laço, mas porque as reproduções do brasão nunca obedeceram ao decreto que criou tal laço e a este mesmo se deram tantas formas que desvirtuaram o seu propósito.

"Guarda de honra do imperador". Observe-se o tope nacional, conforme o Decreto de 18 de setembro de 1822, no braço esquerdo do guarda. Desenho de Jean-Baptiste Debret e litografia de Thierry Frères, 1839 (imagem disponível na Biblioteca Nacional Digital).

Com efeito, o tope, cocar ou roseta é um laço de fitas em forma de flor, daí que o decreto citado refira a uma "flor verde". Até a Revolução Francesa, era um mero adorno de chapéu, mas coincidindo com a difusão da ideia de nação (leia-se a segunda postagem desta série), tornou-se um símbolo de adesão a essa ideia. Assim, até 1796 o laço que os soldados portugueses traziam nos seus chapéus era preto, mas por decreto de Dona Maria I desse ano em diante teve as cores escarlate e azul-escura, as mesmas da libré da Casa Real. Foram essas cores que as Cortes mudaram para branco e azul pela Lei de 23 de agosto de 1821 e foi o laço dessas segundas cores que Dom Pedro arrancou às margens do Ipiranga. Hoje se usa sob o broche da faixa presidencial e, com duas ínfulas, no topo dos mastros das bandeiras de interior ou de desfile.

"Uniforme militar". Observe-se o tope verde e amarelo no alto da barretina. Desenho de Jean-Baptiste Debret e litografia de Thierry Frères, 1839 (imagem disponível na Biblioteca Nacional Digital).

O primeiro problema é que o decreto que criou o laço nacional "brasiliense" não é propriamente claríssimo, pois começa dizendo que este é "composto das cores emblemáticas — verde de primavera e amarelo de ouro —", mas em seguida deixa claro que a flor, isto é, o laço propriamente dito, é verde; amarelo é o tal ângulo: uma peça na forma de filactério em com a legenda Independência ou morte. Seja como for, segundo Joaquim Norberto de Sousa Silva em artigo de 1890:

Anos depois, deixou-se de trazer esse laço no braço esquerdo e passou para o chapéu, sem o ângulo legendário, constando apenas de círculos verdes com centro amarelo ou vice-versa.
Nos dias agitados, próximos à revolução de 7 de abril e ainda depois, o laço nacional, sem mudar de cores, variou segundo a distribuição das mesmas e, bem assim, a sua colocação mais abaixo ou mais acima da copa do chapéu, como distintivo dos partidos corcunda, exaltado, moderado, republicano e, depois, restaurador e caramuru.

A revolução a que o autor refere é a agitação no Rio de Janeiro que levou à abdicação de Dom Pedro I nessa data de 1831. Alguns meses depois, a regência editou um decreto pondo fim a esse uso sectário do laço nacional:

DECRETO DE 5 DE OUTUBRO DE 1831
Designa o padrão do tope nacional brasileiro.
Acontecendo que o Decreto de 18 de setembro de 1822, que criou o tope nacional brasileiro, não tivesse apresentado o tipo que prometia e sendo mui conveniente e até necessário que este se determine e marque, a fim de que de sua alteração e diferença se não siga algum princípio de distinções e discórdias entre os súditos de um só e mesmo Império, como desgraçadamente já hoje se observa, a Regência, em nome do Imperador, querendo acabar com uma semelhante ofensa da união brasileira e fixar de uma vez o padrão do tope nacional, há por bem, esclarecendo o referido decreto, determinar o seguinte.
1.º O tope nacional será de ora em diante composto de uma superfície circular verde com uma estrela de cinco pontas amarela no centro e colocado do meio da copa do chapéu para cima, sendo redondo, e nos outros, no lugar do costume.
2.º O cidadão que contravier a disposição do artigo antecedente fica sujeito às penas do art. 301 do título 7.º do Código Penal, impostas aos que usam de um distintivo que lhes não compete.
José Lino Coutinho, do Conselho do mesmo Imperador, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro, em 5 de outubro de 1831, décimo da Independência e do Império.
FRANCISCO DE LIMA E SILVA
JOSÉ DA COSTA CARVALHO
JOÃO BRÁULIO MONIZ

O segundo problema e o principal é que os ramos de cafeeiro e tabaco das armas nacionais jamais foram atados por um tope, cocar ou roseta. Sempre os atou um laço de fitas em forma de borboleta. Nas moedas a partir de 1851 aparece uma estrela no centro desse laço, adequando-se, pois, ao citado decreto de 1831, mas a forma de borboleta se manteve até o fim da monarquia.

"Bandeira e pavilhão brasileiros". Desenho de Jean-Baptiste Debret e litografia de Thierry Frères, 1839 (imagem disponível na Biblioteca Nacional Digital).

Outra vez, faltam-nos reproduções coetâneas com o colorido original, se bem que, à diferença dos pormenores da coroa, no caso do laço não é necessário um desenho grande para divisar a sua cor. Assim, na bandeira desenhada por Jean-Baptiste Debret e gravada por Thierry Frères no Voyage pittoresque et historique au Brésil (tomo III, 1839), vê-se um laço todo verde, o que — é forçoso reconhecê-lo — obedece estritamente ao Decreto de 18 de setembro de 1822: "a flor verde".

De todo modo, parece aceitável iluminar o laço "das cores emblemáticas — verde de primavera e amarelo de ouro —", seja porque o laço das armas nunca foi propriamente o tope nacional, seja porque este mesmo foi oficiosamente trazido com essas cores durante o primeiro império, tanto pelos militares como pelos cidadãos. O que não parece aceitável é pintá-lo de vermelho, ainda que se veja assim em certas reproduções do período monárquico, talvez porque, como nunca teve a forma de um tope, tenha sido tomado por mero adorno.

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