10/11/21

DISCURSO DE ÓDIO... HERÁLDICO

A heráldica é uma matéria incomum, mas a hostilidade da sua comunidade tampouco contribui com a sua difusão.

Quem beija a cruz na sexta-feira deveria procurar aperfeiçoar-se como pessoa para deixar, um dia, de ceder ao ímpeto de malhar o judas no sábado. Trocando em miúdos, pejorar pode até ser um impulso do ser humano, mas o desenvolvimento material deveria andar com a abstenção progressiva de atitudes pouco ou nada edificantes.

Há cerca de um mês, voltou a circular em um dos grupos da comunidade heráldica no Facebook o emblema do Cardeal Álvaro Leonel Ramazzini Imeri. Como eu não tinha mais perfil nessa rede sociopática, tomei conhecimento dele por meio desse último engajamento, agora que refiz um perfil estritamente para participar dessa comunidade, enquanto não emerge um meio mais sadio.

Álvaro Leonel Ramazzini Imeri nasceu em 1947 na Cidade da Guatemala. Foi ordenado presbítero em 1971. Foi nomeado bispo diocesano de San Marcos, na Guatemala, e ordenado em 1989. Em 2012 foi nomeado bispo de Huehuetenango, também na Guatemala. Em 2019 o papa Francisco criou-o cardeal do título de São João Evangelista em Spinaceto. Eis o seu emblema pessoal:

Emblema de Álvaro Leonel Cardeal Ramazzini Imeri, bispo diocesano de Huehuetenango (imagem disponível no Heraldry of the World).
Emblema de Álvaro Leonel Cardeal Ramazzini Imeri, bispo diocesano de Huehuetenango (imagem disponível no Heraldry of the World).

Na postagem a que referi, leem-se comentários como "de fato, heráldica de terror", "indolente e horrível", "uma vergonha", "é uma excrecência", "é o cúmulo", sem falar das carinhas enjoadas ou vomitando. Até uma assinalada instituição espanhola, com reconhecida autoridade em matéria heráldica, engajou-se publicando numa seção do seu site um artigo de opinião sobre o caso. Na verdade, semelha mais uma birra grandíloqua contra uma porção de coisas desconexas do que uma avaliação técnica de um emblema, como se esperaria pelo lugar onde se publicou. Parece que as ênfases pastorais do Cardeal Ramazzini — "um ponto de referência sobretudo para as populações indígenas que sofrem violências e injustiças", segundo a síntese biográfica da própria Santa Sé —, em um dos países mais pobres do continente, são o verdadeiro alvo de quem rasga as vestes diante do seu emblema.

O ponto é: esse emblema não é um brasão. Inventei até uma palavra para dar conta desses casos, que ocorrem há muito tempo por toda a parte: "insignoide". Portanto, não se trata de defender o indefensível, como pensaria o fanático que julga ser seu inimigo quem discorda dele. Mas por que as excelentes armas de Guido Marini, recentemente nomeado e ordenado bispo de Tortona, na Itália, receberam muito menos comentários no mesmo grupo? Para mim, tudo que engaja as pessoas pelo mal é discurso de ódio. Não à toa, em data próxima o papa Francisco pediu "aos gigantes da tecnologia que parem de explorar a fragilidade humana, as vulnerabilidades das pessoas, para obter lucros". Na verdade, calarei sobre aqueles que tentaram até mesmo relacionar o emblema do Cardeal Ramazzini ao próprio pontificado em curso, porque acho já estar sobejamente provado que a heráldica serviu apenas de pretexto a outros fins.

Para não alongar esta postagem, na próxima vou demonstrar que o esforço de cingir a crítica à técnica não alivia a dureza da reprimenda, mas em vez de demolir, edifica.

2 comentários:

  1. Prezado Sr Linhares. Pra ens por sua postura. Como a heraldica, para alguns, é hobby e paixão. Um pouco de atenção e dedicação permite-se aos leigos o domínio de seus postulados. Daí muitos se se declararem doutos no tema e começar a julgar. Diante dos erros a orientação fraterna. É necessário levá-la a academia e dar publicidade de estudos sobre o tema.

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    1. Muito obrigado pela leitura e pelo comentário gentil e concorde com as ideias apontadas. De fato, orientação fraterna faz muito falta na comunidade heráldica.

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