10/10/23

BANDEIRAS DE CORES HERÁLDICAS: LETÔNIA

Às vezes, uma bandeira de faixas evoca tanto certo mito de fundação como, tacitamente, as armas nacionais.

Segundo a Crônica rimada da Livônia, que relata as cruzadas da Ordem Teutônica para converter os povos bálticos entre 1143 e 1291, em 1280 um freire socorreu Riga contra os pagãos semigalos, conduzindo cem homens de Cēsis "mit einer banier rôtgevar, | daß was mit wîße durch gesniten" ("com uma bandeira vermelha, que estava cortada através de branco", versos 9.224 e 9.225). O verso 9.233 afirma que "die banier der Letten ist" ("é a bandeira dos letões").

Bandeira da Letônia.
Bandeira da Letônia.

O conhecimento dessa obra difundiu-se no século XIX e foi traduzida do alemão para o letão por Matīss Siliņš em 1893. Em 1916, portanto durante a Primeira Guerra Mundial e pouco antes da queda do Império Russo, o professor Jānis Lapiņš pediu a sua noiva que fizesse a bandeira mencionada na crônica. Ela fez, então, uma bandeira vermelha com uma faixa estreita branca e acrescentou um sol ao cantão. Tombada a monarquia, foi arvorada pelo Conselho Provisório da Livônia em março de 1917. Sem o sol, foi nos meses seguintes amplamente adotada pelos nacionalistas letões.

A adoção espontânea causou, não obstante, uma natural diversidade na proporção do retângulo, na tonalidade do vermelho e na largura da faixa. Foi, pois, preciso aguardar a constituição do estado letão para que se regulassem esses pormenores. Assim, em junho de 1921 a Assembleia Constituinte estabeleceu o tamanho da faixa branca — um quinto da largura da bandeira — e em janeiro de 1923 a Saeima, isto é, o parlamento letão, definiu a proporção de 2:1 e o tom carmesim. Com efeito, essas escolhas consagraram as propostas de Oskars Voits e Linards Laicens para as cores e de Ansis Cīrulis e Valdemārs Tone para o desenho, todas produzidas na sequência da Revolução de Fevereiro de 1917.

Pavilhão naval da Letônia.
Pavilhão naval da Letônia.

Além da bandeira nacional, que também serve de pavilhão civil, a lei de 1923 adotou uma série de pavilhões e estandartes, entre os quais o pavilhão de guerra: uma cruz carmesim, carregada de outra branca na mesma proporção de 2:1:2, em campo dessa segunda cor. A legislação vigente sobre a forma e o uso da bandeira letã data de 2009.

Grandes armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros).
Grandes armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros).

Na narrativa do nacionalismo letão, a bandeira não tem, portanto, relação com o brasão, mas na prática sim. Ora, como nunca houve um estado letão unificado e soberano antes de 1918, a república ordenou um escudo que combina esse projeto e duas referências do passado: cortado, o primeiro de azul com um sol de ouro, movente da partição; o segundo partido, o primeiro de prata com um leão de vermelho em cortesia; o segundo de vermelho com um grifo de prata, empunhando uma espada do mesmo. O sol era a insígnia letã durante a Primeira Guerra Mundial e depois na luta pela liberdade, como o demonstra a bandeira de Lapiņš; o leão evoca o ducado da Curlândia e Semigália e o grifo, o da Livônia.

Esses dois ducados foram fundados por Sigismundo II, rei da Polônia e grão-duque da Lituânia, que venceu a Ordem Livônica em 1561. Ao derradeiro mestre dela ele deu o território ao sul do rio Daugava — a Semigália e a Curlândia — e uniu o território ao norte — a Livônia — ao grão-ducado. Aquele durou até a aniquilação da Polônia-Lituânia em 1795, quando a Rússia o anexou. Este passou a condomínio polaco-lituano em 1569 e foi em grande parte cedido à Suécia em 1629, retendo a república a Latgália, mas tudo acabou sob domínio russo: a Livônia sueca em 1721 e a Latgália em 1772.

Ora, o leitor atento já terá percebido que um leão de vermelho em campo de prata e um grifo de prata em campo de vermelho têm, em termos de correspondência heráldico-vexilar, as mesmas cores de uma bandeira vermelha e branca. No fim, tudo parece uma feliz coincidência, mas será mesmo?

Médias armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros).
Médias armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros).

A legislação vigente sobre a forma e o uso do brasão letão data de 1998. Há três versões: grandes, médias e pequenas armas. As grandes armas têm por timbre três estrelas de ouro, postas em arco e unidas, as quais representam as regiões da Latgália, Livônia e Curlândia; por suportes, um leão de vermelho e um grifo de prata; por terraço, ramos frutados de carvalho de verde, atados por uma fita da forma da bandeira nacional; podem trazê-las as altas autoridades do estado. As médias omitem o leão e o grifo e a fita, ordenando os ramos de carvalho como suportes; podem trazê-las os órgãos e instâncias de segundo escalão. As pequenas consistem no escudo com o timbre e podem trazê-las os demais órgãos e instâncias da administração pública.

Nenhum comentário:

Postar um comentário