Às vezes, uma bandeira de faixas evoca tanto certo mito de fundação como, tacitamente, as armas nacionais.
Segundo a Crônica rimada da Livônia, que relata as cruzadas da Ordem Teutônica para converter os povos bálticos entre 1143 e 1291, em 1280 um freire socorreu Riga contra os pagãos semigalos, conduzindo cem homens de Cēsis "mit einer banier rôtgevar, | daß was mit wîße durch gesniten" ("com uma bandeira vermelha, que estava cortada através de branco", versos 9.224 e 9.225). O verso 9.233 afirma que "die banier der Letten ist" ("é a bandeira dos letões").
Bandeira da Letônia. |
O conhecimento dessa obra difundiu-se no século XIX e foi traduzida do alemão para o letão por Matīss Siliņš em 1893. Em 1916, portanto durante a Primeira Guerra Mundial e pouco antes da queda do Império Russo, o professor Jānis Lapiņš pediu a sua noiva que fizesse a bandeira mencionada na crônica. Ela fez, então, uma bandeira vermelha com uma faixa estreita branca e acrescentou um sol ao cantão. Tombada a monarquia, foi arvorada pelo Conselho Provisório da Livônia em março de 1917. Sem o sol, foi nos meses seguintes amplamente adotada pelos nacionalistas letões.
A adoção espontânea causou, não obstante, uma natural diversidade na proporção do retângulo, na tonalidade do vermelho e na largura da faixa. Foi, pois, preciso aguardar a constituição do estado letão para que se regulassem esses pormenores. Assim, em junho de 1921 a Assembleia Constituinte estabeleceu o tamanho da faixa branca — um quinto da largura da bandeira — e em janeiro de 1923 a Saeima, isto é, o parlamento letão, definiu a proporção de 2:1 e o tom carmesim. Com efeito, essas escolhas consagraram as propostas de Oskars Voits e Linards Laicens para as cores e de Ansis Cīrulis e Valdemārs Tone para o desenho, todas produzidas na sequência da Revolução de Fevereiro de 1917.
Pavilhão naval da Letônia. |
Além da bandeira nacional, que também serve de pavilhão civil, a lei de 1923 adotou uma série de pavilhões e estandartes, entre os quais o pavilhão de guerra: uma cruz carmesim, carregada de outra branca na mesma proporção de 2:1:2, em campo dessa segunda cor. A legislação vigente sobre a forma e o uso da bandeira letã data de 2009.
Grandes armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros). |
Na narrativa do nacionalismo letão, a bandeira não tem, portanto, relação com o brasão, mas na prática sim. Ora, como nunca houve um estado letão unificado e soberano antes de 1918, a república ordenou um escudo que combina esse projeto e duas referências do passado: cortado, o primeiro de azul com um sol de ouro, movente da partição; o segundo partido, o primeiro de prata com um leão de vermelho em cortesia; o segundo de vermelho com um grifo de prata, empunhando uma espada do mesmo. O sol era a insígnia letã durante a Primeira Guerra Mundial e depois na luta pela liberdade, como o demonstra a bandeira de Lapiņš; o leão evoca o ducado da Curlândia e Semigália e o grifo, o da Livônia.
Esses dois ducados foram fundados por Sigismundo II, rei da Polônia e grão-duque da Lituânia, que venceu a Ordem Livônica em 1561. Ao derradeiro mestre dela ele deu o território ao sul do rio Daugava — a Semigália e a Curlândia — e uniu o território ao norte — a Livônia — ao grão-ducado. Aquele durou até a aniquilação da Polônia-Lituânia em 1795, quando a Rússia o anexou. Este passou a condomínio polaco-lituano em 1569 e foi em grande parte cedido à Suécia em 1629, retendo a república a Latgália, mas tudo acabou sob domínio russo: a Livônia sueca em 1721 e a Latgália em 1772.
Ora, o leitor atento já terá percebido que um leão de vermelho em campo de prata e um grifo de prata em campo de vermelho têm, em termos de correspondência heráldico-vexilar, as mesmas cores de uma bandeira vermelha e branca. No fim, tudo parece uma feliz coincidência, mas será mesmo?
Médias armas da Letônia (imagem disponível no portal do Gabinete de Ministros). |
A legislação vigente sobre a forma e o uso do brasão letão data de 1998. Há três versões: grandes, médias e pequenas armas. As grandes armas têm por timbre três estrelas de ouro, postas em arco e unidas, as quais representam as regiões da Latgália, Livônia e Curlândia; por suportes, um leão de vermelho e um grifo de prata; por terraço, ramos frutados de carvalho de verde, atados por uma fita da forma da bandeira nacional; podem trazê-las as altas autoridades do estado. As médias omitem o leão e o grifo e a fita, ordenando os ramos de carvalho como suportes; podem trazê-las os órgãos e instâncias de segundo escalão. As pequenas consistem no escudo com o timbre e podem trazê-las os demais órgãos e instâncias da administração pública.
Nenhum comentário:
Postar um comentário