02/12/21

A ARTE HERÁLDICA (X)

Nem sempre um brasão é uma obra-prima da arte heráldica, mas o rigor técnico basta para torná-lo irrepreensível.

Ao contrário do Exército, a Marinha do Brasil tem uma armaria razoável. Mais que isso: no site de cada organização militar subordinada a essa força, dispõe-se uma página dedicada ao brasão da organização, onde se leem o brasonamento e um comentário simbológico bastante adequados, o que é algo excepcional nas práticas heráldicas nacionais. Mas como nem tudo é perfeito, não encontro se essa excepcionalidade se deve a uma regulação interna e/ou ao trabalho de um órgão assessor. As armas do 3.º DN exemplificam esse proceder.

Armas do 3.º Distrito Naval da Marinha do Brasil: de azul com um pano de muralha de ouro, lavrado de negro, firmado nos flancos e num pé ondado de azul e prata, acompanhado em chefe de uma estrela caudata de um raio curvilíneo de prata.
Armas do 3.º Distrito Naval da Marinha do Brasil: de azul com um pano de muralha de ouro, lavrado de negro, firmado nos flancos e num pé ondado de azul e prata, acompanhado em chefe de uma estrela caudata de um raio curvilíneo de prata.

O 3.º Distrito Naval foi criado pelo Decreto-Lei n.º 8.181, de 19 de novembro de 1945, na sucessão do Comando Naval do Nordeste, que remonta a três anos antes. Abrangia então os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, o território federal de Fernando de Noronha, o atol das Rocas e os penedos de São Pedro e São Paulo e o seu comando estava instalado no Recife. A sua jurisdição foi estendida aos estados do Maranhão e do Piauí em 1966, mas foi retraída à originária em 1986. A sua sede foi transferida para Natal em 1975. Respondem-lhe quinze organizações militares, das quais destaco as escolas de aprendizes-marinheiros do Ceará e de Pernambuco, os hospitais navais de Natal e do Recife e as capitanias dos portos dos estados abrangidos. Brasona as suas armas como segue:

Num escudo boleado, encimado pela coroa naval, colocado sobre uma âncora de vermelho, em campo de azul um bastião de ouro, lavrado de preto e sainte de faixado ondado de azul e prata; em chefe, estrela de cinco pontas, de prata, com cauda luminosa do mesmo metal.

E o comentário simbológico ou "explicação" diz o seguinte:

No campo de azul, esmalte clássico da Marinha — também memorada pelo faixado ondado de azul e prata — o bastião de ouro, lavrado de preto, recorda a célebre Fortaleza dos Reis Magos, em sua época a maior fortificação da América Portuguesa, construção iniciada por Manuel de Mascarenhas Homem em 6 de janeiro de 1598. A estrela de prata, em chefe, lembrando a de Natal, guia dos Reis Magos, como égide heráldica e característica simbólica da capital do Estado do Rio Grande do Norte a ela se reporta, como sede do Distrito Naval em apreço.

Essas armas não são lá brilhantes, mas perfeitamente corretas e aceitáveis. Ainda assim, creio que convém brasoná-las desse modo: de azul com um pano de muralha de ouro, lavrado de negro, firmado nos flancos e num pé ondado de azul e prata, acompanhado em chefe de uma estrela caudata de um raio curvilíneo de prata. Além disso, no desenho usado pelo comando do 3.º DN as figuras veem-se um tanto desproporcionais: o ondado ultrapassa um terço da altura do escudo, alcançando a metade. Ora, se a muralha constitui a figura principal, é ela que há de ocupar o terço médio do campo.

Desenho do brasão do 3.º DN usado pelo seu comando.
Desenho do brasão do 3.º DN usado pelo seu comando.

Um brasão não precisa ineludivelmente ser uma obra-prima da arte heráldica. Deve "traduzir" apropriadamente o que se pretende dizer quando há tal pretensão, isto é, significar por meio da linguagem heráldica, entendida como sistema semiótico, o que noutro sistema se expressaria conforme a complexão desse outro sistema. Como explicado pelo próprio armígero, o brasão em tela evoca a visão do Forte dos Reis Magos a partir do mar: assente num recife junto à barra do rio Potenji, guarda a cidade do Natal, cujo centro histórico fica um pouco mais a montante. Na "tradução", a fortaleza é significada pela muralha, as águas pelo ondado e a cidade pela estrela caudata. Nada de muito engenhoso, mas tudo tecnicamente impecável.

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