Nem sempre um brasão é uma obra-prima da arte heráldica, mas o rigor técnico basta para torná-lo irrepreensível.
Ao contrário do Exército, a Marinha do Brasil tem uma armaria razoável. Mais que isso: no site de cada organização militar subordinada a essa força, dispõe-se uma página dedicada ao brasão da organização, onde se leem o brasonamento e um comentário simbológico bastante adequados, o que é algo excepcional nas práticas heráldicas nacionais. Mas como nem tudo é perfeito, não encontro se essa excepcionalidade se deve a uma regulação interna e/ou ao trabalho de um órgão assessor. As armas do 3.º DN exemplificam esse proceder.
O 3.º Distrito Naval foi criado pelo Decreto-Lei n.º 8.181, de 19 de novembro de 1945, na sucessão do Comando Naval do Nordeste, que remonta a três anos antes. Abrangia então os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, o território federal de Fernando de Noronha, o atol das Rocas e os penedos de São Pedro e São Paulo e o seu comando estava instalado no Recife. A sua jurisdição foi estendida aos estados do Maranhão e do Piauí em 1966, mas foi retraída à originária em 1986. A sua sede foi transferida para Natal em 1975. Respondem-lhe quinze organizações militares, das quais destaco as escolas de aprendizes-marinheiros do Ceará e de Pernambuco, os hospitais navais de Natal e do Recife e as capitanias dos portos dos estados abrangidos. Brasona as suas armas como segue:
Num escudo boleado, encimado pela coroa naval, colocado sobre uma âncora de vermelho, em campo de azul um bastião de ouro, lavrado de preto e sainte de faixado ondado de azul e prata; em chefe, estrela de cinco pontas, de prata, com cauda luminosa do mesmo metal.
E o comentário simbológico ou "explicação" diz o seguinte:
No campo de azul, esmalte clássico da Marinha — também memorada pelo faixado ondado de azul e prata — o bastião de ouro, lavrado de preto, recorda a célebre Fortaleza dos Reis Magos, em sua época a maior fortificação da América Portuguesa, construção iniciada por Manuel de Mascarenhas Homem em 6 de janeiro de 1598. A estrela de prata, em chefe, lembrando a de Natal, guia dos Reis Magos, como égide heráldica e característica simbólica da capital do Estado do Rio Grande do Norte a ela se reporta, como sede do Distrito Naval em apreço.
Essas armas não são lá brilhantes, mas perfeitamente corretas e aceitáveis. Ainda assim, creio que convém brasoná-las desse modo: de azul com um pano de muralha de ouro, lavrado de negro, firmado nos flancos e num pé ondado de azul e prata, acompanhado em chefe de uma estrela caudata de um raio curvilíneo de prata. Além disso, no desenho usado pelo comando do 3.º DN as figuras veem-se um tanto desproporcionais: o ondado ultrapassa um terço da altura do escudo, alcançando a metade. Ora, se a muralha constitui a figura principal, é ela que há de ocupar o terço médio do campo.
Desenho do brasão do 3.º DN usado pelo seu comando. |
Um brasão não precisa ineludivelmente ser uma obra-prima da arte heráldica. Deve "traduzir" apropriadamente o que se pretende dizer quando há tal pretensão, isto é, significar por meio da linguagem heráldica, entendida como sistema semiótico, o que noutro sistema se expressaria conforme a complexão desse outro sistema. Como explicado pelo próprio armígero, o brasão em tela evoca a visão do Forte dos Reis Magos a partir do mar: assente num recife junto à barra do rio Potenji, guarda a cidade do Natal, cujo centro histórico fica um pouco mais a montante. Na "tradução", a fortaleza é significada pela muralha, as águas pelo ondado e a cidade pela estrela caudata. Nada de muito engenhoso, mas tudo tecnicamente impecável.
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