10/12/21

OS BRASÕES DO BRASIL HOLANDÊS: PERNAMBUCO

O brasão atribuído à capitania de Pernambuco foi, na verdade, dado à câmara de Olinda, depois transferida para a cidade Maurícia.

A vila de Olinda foi fundada aos 12 de março de 1537 por Duarte Coelho, a quem Dom João III doara a capitania de Pernambuco com o poder de "fazer vilas todas e quaesquer povoações que se na dita terra fizerem e lhe a eles parecer que o devem ser, as quaes se chamarão vilas e terão termo e jurdição, liberdades e insínias de vilas", como estabelece a carta de doação, passada aos 10 de março de 1534, transcrita por José Gerardo Barbosa Pereira na sua tese de doutorado. O capitão escolheu situá-la sobre um outeiro porque aí brotava água fresca (as famosas bicas), ficaria mais segura e estava perto de um porto natural. Da prosperidade desse porto, que é o estuário do Capibaribe, surgiu um povoado: o Recife.

Os holandeses tomaram Olinda aos 16 de fevereiro de 1630 e aos 2 de março caíram as defesas do porto, onde a esquadra sob o comando do almirante Hendrick Lonck fundeou. Como era de se esperar, o primeiro governo da conquista foi instalado em Olinda, mas durante os primeiros anos a resistência portuguesa era tão aguerrida que a mesma facilidade com que a vila caíra se tornara uma fragilidade para os conquistadores: aos 25 de novembro de 1631, após a despojar de tudo que se pudesse aproveitar, incendiaram-na. A administração colonial estabeleceu-se definitivamente no Recife.

Contudo, segundo Fernanda Trindade Luciani na sua dissertação de mestrado, é provável que a sede da câmara de vereadores tenha permanecido na vila, o que parece ser confirmado pelo fato de se ter instalado aí em 1637 a câmara de escabinos, a sua sucessora sob o domínio holandês. Mas isso não fazia sentido, já que o lugar estava pouco menos que abandonado. Daí que em setembro de 1639 o governo tenha resolvido transferi-la, com o aumento de cinco escabinos para nove, para Maurícia. Deu-se esse nome (Mauritsstad) à povoação que, por iniciativa de Maurício de Nassau, se edificava na ilha de Antônio Vaz. Assim, no Recife ficavam as sedes do Alto e Secreto Conselho e do Conselho Político, depois de Justiça, e em Maurícia, o paço do governador e a câmara de escabinos. Hoje, o povoado do Recife corresponde aproximadamente ao bairro do Recife Antigo e Maurícia, ao de Santo Antônio.

Selo da câmara de justiça de Olinda, depois de Maurícia, ou de Pernambuco, identificada como Capitania van Pernambuco (xilogravura atribuída a H. Breckenveld, publicada por Alfredo de Carvalho (1904); imagem disponível na Wikimedia Commons).
Selo da câmara de justiça de Olinda, depois de Maurícia, ou de Pernambuco, identificada como Capitania van Pernambuco (xilogravura atribuída a H. Breckenveld, publicada por Alfredo de Carvalho (1904); imagem disponível na Wikimedia Commons).

Esses fatos esclarecem alguns aspectos do brasão atribuído a Pernambuco. Primeiro, que, tendo sido, na verdade, concedido à câmara de justiça de Olinda, a figura de uma donzela arrebatada na sua lindeza faz armas falantes. Depois, esclarece por que, mesmo havendo outras câmaras na capitania, esta tenha sido dita de PernambucoCom efeito, ao longo desta série de postagens, tem-se demonstrado cada vez mais que os holandeses não só desconheciam a diferença entre cidades e vilas, que os portugueses faziam (1), mas também não viam relação necessária entre o nome da jurisdição e o da povoação que lhe servia de sede.

Brasão da câmara de justiça de Olinda, depois de Maurícia, ou de Pernambuco, identificada como Mauritiopolis (gravura n.º 35 da Rerum per octennium in Brasilia..., de Gaspar Barleu (1647); desenho de Frans Post, gravado por Johan van Brosterhuysen; disponível na Wikimedia Commons).
Brasão da câmara de justiça de Olinda, depois de Maurícia, ou de Pernambuco, identificada como Mauritiopolis (gravura n.º 35 da Rerum per octennium in Brasilia..., de Gaspar Barleu (1647); desenho de Frans Post, gravado por Johan van Brosterhuysen; disponível na Wikimedia Commons).

Assim, as armas dadas à câmara de Olinda, depois de Maurícia, ou simplesmente de Pernambuco, são de ... com uma donzela de ..., vestida de ..., segurando com a mão direita um espelho de ..., em que se admira, e com a esquerda uma cana-de-açúcar de .... Os exemplares coloridos da Rerum per octennium in Brasilia... apresentam os esmaltes seguintes:

  • Biblioteca Nacional: de prata com uma donzela de carnação, vestida de prata, o corpete de ouro e a saia de azul, segurando com a mão direita um espelho de ouro, em que se admira, e com a esquerda uma cana-de-açúcar de sua cor;
  • Colección Patricia Phelps de Cisneros: de ouro com uma donzela de carnação, vestida de prata, segurando com a mão direita um espelho do mesmo, em que se admira, e com a esquerda uma cana-de-açúcar de sua cor;
  • Oliveira Lima Library: de azul com uma donzela de carnação, vestida de ouro, segurando com a mão direita um espelho do mesmo, em que se admira, e com a esquerda uma cana-de-açúcar de sua cor.

Esse brasão já demonstra que reconstituir os esmaltes dos brasões do Brasil holandês é dificílimo, senão vão. Ao longo das próximas postagens, observaremos no máximo que há mais coincidências do exemplar da Biblioteca Nacional com o da Colección Patricia Phelps de Cisneros.

Nota:
Após o domínio holandês, Olinda foi reconstruída e elevada à categoria de cidade em 1676, quando se tornou sé episcopal (leiam-se as postagens de 28/02 e 23/04), e o Recife só se emancipou em 1709, quando foi ereto a vila. Ganhou o título de cidade já sob o Império (1823), quando também arrebatou a condição de capital a Olinda (1827).

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