11/05/24

TESOURO DE NOBREZA (VI)

Armas de alguns senhores potentados e dos sete eleitores do Império.

Do Tesouro de nobreza (1675):

Fólio 6 – 31. Macedônia; 32. Godos; 33. Castela; 34. Barcelona e Catalunha; 35. Aragão; 36. Leão; 37. Galiza; 38. Portugal; 39. Andaluzia. Armas de alguns senhores potentados. 1. Duque de Borgonha; 2. Duque de Normandia; 3. Duque de Quênia.
Fólio 6 – 31. Macedônia; 32. Godos; 33. Castela; 34. Barcelona e Catalunha; 35. Aragão; 36. Leão; 37. Galiza; 38. Portugal; 39. Andaluzia. Armas de alguns senhores potentados. 1. Duque de Borgonha; 2. Duque de Normandia; 3. Duque de Quênia.

Fólio 7 – 4. Arcebispo de Rems; 5. Bispo-Duque de Leam; 6. Bispo-Duque de Lengres; 7. Conde de Campanha; 8. Conde de Flandes; 9. Conde de Tolosa; 10. Conde de Beanvis; 11. Conde de Naiaut; 12. Conde de Clelon. Armas dos sete Eleitores do Império. 1. Rei de Boêmia; 2. Arcebispo de Colônia, Mestre das Cerimônias; 3. Arcebispo de Tréveri, Chancelário-Mor de França.
Fólio 7 – 4. Arcebispo de Rems; 5. Bispo-Duque de Leam; 6. Bispo-Duque de Lengres; 7. Conde de Campanha; 8. Conde de Flandes; 9. Conde de Tolosa; 10. Conde de Beanvis; 11. Conde de Naiaut; 12. Conde de Clelon. Armas dos sete Eleitores do Império. 1. Rei de Boêmia; 2. Arcebispo de Colônia, Mestre das Cerimônias; 3. Arcebispo de Tréveri, Chancelário-Mor de França.

Fólio 8 – 4. Arcebispo de Mogúncia, Chancelário-Mor de Itália; 5. Duque de Saxônia, Marechal-Mor do Império; 6. Duque de Beuburg (ficou no lugar do Palatinado desterrado); 7. Duque de Baviera, Camareiro-Mor. 1. Imperador de Elemanha; 2. Rei de Jerusalém; 3. Rei de França; 4. Rei de Portugal; 5. Rei de Inglaterra; 6. Rei de Aragão; 7. Índia Menor; 8. Índia Maior.
Fólio 8 – 4. Arcebispo de Mogúncia, Chancelário-Mor de Itália; 5. Duque de Saxônia, Marechal-Mor do Império; 6. Duque de Beuburg (ficou no lugar do Palatinado desterrado); 7. Duque de Baviera, Camareiro-Mor. 1. Imperador de Elemanha; 2. Rei de Jerusalém; 3. Rei de França; 4. Rei de Portugal; 5. Rei de Inglaterra; 6. Rei de Aragão; 7. Índia Menor; 8. Índia Maior.

Comentário:

Antes do primeiro trabalho heráldico que determinou, o rei Dom Manuel I mandou os seus oficiais de armas às principais cortes europeias para se instruírem na matéria (cf. a postagem de 27/04/21). É por isso que ao folhear o Livro do Armeiro-Mor, a ordem é impecável: espelha fielmente o modo como se concebia o mundo. Assim, começa-se pelos Nove da Fama, que encarnam os valores da cavalaria, tão antigos quanto perenes; em seguida, os reis de terras próximas e distantes; depois, o imperador, como dignitário secular supremo, e os seus eleitores; logo abaixo em dignidade, o rei da França e os seus pares; enfim, o senhor do reino que o armorial abarca com sua esposa e seus filhos, os titulares e os chefes das casas nobres, segundo as suas precedências.

Ao contrário, estes dois capítulos do Tesouro atestam a que ponto decaíra o ofício de armas no tempo de Francisco Coelho. Mesmo reconhecendo que a elaboração deste armorial reagia contra tal decadência, é impressionante que ao rei de armas Índia tenham faltado imagens de brasões tão difusos num momento em que já circulava boa quantidade de livros sobre a matéria, pois só uma recepção indireta, mediante descrições ambíguas ou insuficientes, explica tanta divergência, inclusive nos topônimos: Quênia por Guiena, Beanvis por Beauvais, Naiaut por Noyon, Clelon por Châlons, Beuburg por Neuburg. Em particular, esse grau de equivocação parece incompatível com a leitura de um texto impresso.

Outro indício de que Coelho não manuseou uma fonte primária é o anacronismo da referência ao exílio de Frederico V, conde palatino do Reno, e a confusão com a Baviera e o Palatinado-Neuburg, estados igualmente governados por ramos da Casa de Wittelsbach. Com efeito, a Paz de Vestfália (1648) confirmou o duque Maximiliano da Baviera no lugar do eleitor palatino, mas restaurou o Palatinado na pessoa de Carlos Luís, filho de Frederico V, e criou-lhe um oitavo eleitorado, enquanto o conde palatino de Neuburg era Wolfgang Guilherme.

É verdade que João do Cró comete vários erros no Livro do Armeiro-Mor, mas todos são mais compreensíveis para o início do século XVI, quando havia menos fontes e predominavam os manuscritos. De todo modo, esse armorial dá com bastante precisão os brasões dos eleitores do Império e dos pares laicos de França. O próprio Coelho poderia tê-lo consultado, já que seguia sob a guarda do armeiro-mor do Reino. Isso me faz suspeitar que até mesmo a lembrança dessa obra se perdera dentro do Juízo e Cartório da Nobreza. (1)

O preenchimento destes três fólios leva-me, ainda, a duvidar de que Coelho soubesse bem como fazer um armorial universal, dado que antepõe os pares de França aos eleitores do Império e completa o fólio 8 de modo que lhes ficam pospostos o próprio imperador e grandes reis. Essas coisas sugerem que, à falta de um plano correto, o uso do pergaminho preponderou à hierarquia.

Apesar de tudo isto, como somente os brasões das Índias são imaginários, vale a pena examinar um por um. Primeiro, os doze pares de França:

1. O duque da Borgonha trazia bandado de ouro e azul de seis peças e uma bordadura vermelha. Portanto, Coelho reproduziu bem estas armas.

2. O duque da Normandia trazia dois leopardos de ouro, um sobre o outro, em campo vermelho. Mas aqui não se sabe se são leões ou leopardos aleonados.

3. O duque da Aquitânia (ou Guiana ou Guiena) trazia um leopardo de ouro em campo vermelho. Mas aqui também não se sabe se é um leão ou leopardo aleonado.

4. O arcebispo-duque de Reims trazia em campo azul, semeado de flores de lis de ouro, uma cruz vermelha, brocante sobre tudo. Mas aqui a cruz está pintada de prata e solta e as lises são contáveis.

5. O bispo-duque de Laon trazia em campo azul, semeado de flores de lis de ouro, uma cruz de prata, brocante sobre tudo e carregada de um báculo vermelho. Mas aqui a cruz parece florenciada, as lises se reduzem a quatro e falta o báculo.

6. O bispo-duque de Langres trazia em campo azul, semeado de flores de lis de ouro, uma aspa vermelha, brocante sobre tudo. Mas aqui as lises são contáveis.

7. O conde da Champanha trazia uma banda de prata, coticada duplamente, potenciada e contrapotenciada de ouro, em campo azul. Mas Coelho não soube reproduzir estas armas.

8. O conde de Flandres trazia um leão negro, armado e lampassado de vermelho, em campo de ouro. Mas o leão está todo negro.

9. O conde de Toulouse trazia uma cruz de Toulouse de ouro em campo vermelho (2). Mas Coelho também não soube reproduzir estas armas.

10. O bispo-conde de Beauvais trazia uma cruz vermelha, cantonada de quatro chaves do mesmo, adossadas par a par, em campo de ouro. Mas aqui falta a cruz e as chaves se reduzem a duas.

11. O bispo-conde de Noyon trazia em campo azul, semeado de flores de lis de ouro, dois báculos adossados de prata e brocantes. Mas aqui em vez de báculos, há campas.

12. O bispo-conde de Châlons trazia uma cruz de prata, cantonada de quatro flores de lis de ouro, em campo azul. Mas Coelho reproduziu outras armas.

Depois, o sete eleitores do Império:

1. O rei da Boêmia, arquicopeiro do Império, trazia um leão de cauda forcada de prata, armado, lampassado e coroado de ouro, em campo vermelho. Mas aqui o leão está todo de prata e não cinge coroa.

2. O arcebispo de Colônia, arquichanceler para a Itália, trazia uma cruz negra em campo de prata. Mas aqui a cruz está maçanetada.

3. O arcebispo de Tréveris, arquichanceler para a Gália, trazia uma cruz vermelha em campo de prata. Mas aqui a cruz está solta.

4. O arcebispo de Mogúncia, arquichanceler para a Germânia, trazia uma roda de seis raios de prata em campo vermelho. Mas aqui os raios se reduzem a quatro.

5. O duque da Saxônia, arquimarechal do Império, trazia burelado de negro e ouro de dez peças e um crancelim verde, brocante sobre tudo. Mas aqui se fizeram quatro faixas negras em campo de ouro e o crancelim de prata.

6. O duque da Baviera (e não o de Neuburg), arquissenescal do Império, trazia esquartelado: no primeiro e quarto, as armas da Baviera, a saber, fuselado em banda de prata e azul; no segundo e terceiro, as armas do Palatinado, a saber, um leão de prata, armado, lampassado e coroado de vermelho, em campo negro. Mas aqui pelo fuselado se fez um lisonjado e o leão está todo de ouro e não cinge coroa.

7. O marquês de Brandemburgo (e não o duque da Baviera), arquicamareiro do Império, trazia uma águia vermelha, bicada e membrada de ouro, cada asa carregada de um Kleestängel do mesmo, em campo de prata. Mas aqui a águia está toda vermelha.

Finalmente, o imperador e alguns reis:

1. O imperador trazia em campo de ouro uma águia negra de duas cabeças, bicada e membrada de vermelho, e um escudete vermelho, carregado de uma faixa de prata, brocante sobre o peito da águia.

2. O rei de Jerusalém trazia uma cruz potenteia de ouro, cantonada de quatro cruzetas do mesmo, em campo de prata.

3. O rei da França trazia três flores de lis de ouro em campo azul.

4. O rei de Portugal trazia em campo de prata cinco escudetes azuis, carregados de cinco besantes do primeiro, e uma bordadura vermelha, carregada de sete castelos de ouro.

5. O rei da Inglaterra trazia esquartelado: o primeiro e quarto contraesquartelados, no primeiro e quarto as armas reais da França, a saber, três flores de lis de ouro em campo azul; no segundo e terceiro as armas reais da Inglaterra, a saber, três leopardos de ouro, alinhados em pala, em campo vermelho; no segundo, as armas reais da Escócia, a saber, um leão vermelho encerrado numa orleta dupla florenciada e contraflorenciada do mesmo em campo de ouro; no terceiro, as armas reais da Irlanda, a saber, uma harpa de ouro, cordada de prata, em campo azul. Mas Coelho não soube reproduzir as armas reais escocesas.

6. O rei de Aragão trazia quatro palas vermelhas em campo de ouro. Aqui Coelho se emenda, uma vez que à folha 6 faz cinco palas.

Notas:
(1) Até mesmo a instabilidade linguística no Livro do Armeiro-Mor (como enleição por eleição) é compatível com a evolução do português à época, mas escrever Elemanha em 1675 indicia letramento deficiente.
(2) Em francês, a cruz de Toulouse brasona-se assim: une croix cléchée, vidée et pommetée. Em português, por vidé e pommeté diz-se vazio e maçanetado, mas não há tradução para cléché, que parece referir à forma semelhante a uma chave (clef); talvez 'claviculado'.

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