22/02/21

AS ARMAS NACIONAIS DO BRASIL

Da esfera armilar manuelina à esfera celeste da bandeira, da cruz da Ordem de Cristo ao Cruzeiro do Sul da República: como evoluíram as armas do Brasil?

Agora que o leitor lusófono dispõe de uma tradução do Tractatus de insigniis et armis para a sua língua, gostaria, antes de empreender o próximo projeto, de fazer umas postagens avulsas, algumas das quais aventei nos comentários à obra do doutor de Sassoferrato. Hoje vou dissertar sobre as armas nacionais do Brasil.

Moeda de dois mil-réis, comemorativa do centenário da independência, 1922. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Moeda de dois mil-réis, comemorativa do centenário da independência, 1922. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Como eu disse na postagem de 02/02, o estudo do nosso vigente brasão é altamente contaminado pela confrontação depreciativa que sofre em relação às armas antecedentes, ou seja, as do Império. É que a maioria dos estudiosos desse objeto ou são monarquistas ou simpatizantes da monarquia e se deixa levar pelas suas convicções políticas, convertendo em panfleto partidário o que deveriam ser ponderações técnicas, tanto quanto possível. Não nego que a República se tenha imposto por um golpe de estado; na verdade, acho pior coisa: foi a primeira vez que a elite xucra deste país mostrou que a sua mentalidade nunca foi capaz de transpor o engenho colonial de açúcar, porque foi um golpe racista (vingança pela abolição da escravidão), machista (abortamento do vindouro reinado da princesa Isabel) e classista (tudo permaneceu igual no melhor interesse dessa elite, não no da sociedade). Tampouco eu sairia em defesa deste tal de presidencialismo, um erro tão grande que se perpetua pela sua mera enormidade. Mas é que tudo isto simplesmente não vem ao caso!

Parêntese fechado, começo pelo que considero uma lacuna na literatura: creio que se tem subestimado a elevação da colônia a reino  pouco menos de sete anos antes da independência  na construção da nação e da emblemática nacional. Com efeito, durante a maior parte da colonização, o delta do rio Parnaíba marcou uma divisa que corria continente adentro entre dois complexos administrativos: ao norte, o Maranhão e o Grão-Pará, reorganizados várias vezes (1); ao sul, o Brasil. A criação do reino coeriu pela primeira vez o território que veio conformar a nação brasileira. Isso se entrevê na Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 ("dando ao mesmo tempo a importância devida à vastidão e localidade dos meus domínios da América"), mas ficou patente na Constituição portuguesa de 1822, a qual, embora tenha sido promulgada dezesseis dias depois da independência, começara a ser elaborada em janeiro de 1821 com a participação de deputados brasileiros:

Art. 20. A Nação portuguesa é a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios. O seu território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e compreende:
I – Na Europa, o Reino de Portugal, que se compõe das províncias do Minho, Trás-os-Montes, Beira, Extremadura, Alentejo, e Reino do Algarve, e das ilhas adjacentes, Madeira, Porto Santo e Açores;
II – na América, o Reino do Brasil, que se compõe das províncias do Pará e Rio Negro, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, e das ilhas de Fernando de Noronha, Trindade e das mais que são adjacentes àquele reino;
III – na África ocidental, Bissau e Cacheu; na costa de Mina, o Forte de São João Batista de Ajudá; Angola, Benguela e suas dependências; Cabinda e Molembo; as ilhas de Cabo Verde e as de São Tomé e Príncipe e suas dependências; na costa oriental, Moçambique, Rio de Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane e as ilhas de Cabo Delgado;
IV – na Ásia, Salsete, Bardez, Goa, Damão, Diu e os estabelecimentos de Macau e das ilhas de Solor e Timor.
A Nação não renuncia o direito que tenha a qualquer porção de território não compreendida no presente artigo.
Do território do Reino Unido se fará conveniente divisão. (grifo meu)

Outra constatação que me parece necessária é que até a Carta de Lei de 13 de maio de 1816, o Brasil, entenda-se por tal estritamente o estado colonial desse nome ou amplamente o conjunto que veio integrar o estado independente, não teve armas nem bandeiras. Francisco Coelho, rei de armas Índia, dá umas armas ao estado do Brasil na seção intitulada Armas de algumas cidades das conquistas de Portugal do seu armorial, o Tesouro de nobreza (1675), a saber, de prata com uma árvore rematada por uma cruz alta, tudo de sua cor.

Pretensas armas do estado do Brasil, segundo Francisco Coelho no Tesouro da nobreza (1675): de prata com uma árvore rematada por uma cruz alta, tudo de sua cor.
Pretensas armas do estado do Brasil, segundo Francisco Coelho no Tesouro de nobreza (1675): de prata com uma árvore rematada por uma cruz alta, tudo de sua cor.

Claramente, são armas falantes: a árvore remete ao pau-brasil e a cruz, aos primeiros nomes da terra: Vera Cruz e Santa Cruz. Todavia, com toda a probabilidade foi o próprio autor que inventou esse brasão. Isso era muito comum desde a Idade Média: à falta de brasão conhecido, o oficial de armas tomava a "licença poética" de criar um para completar o plano do armorial, em geral pelo critério de mais fácil aceitação: justamente as armas falantes. Era tão normal que nalguns casos a invenção "pegou": por exemplo, o brasão da Galiza, comunidade autônoma da Espanha, é de azul com um cálice de ouro, rematado por uma hóstia de prata, acompanhado de sete cruzetas do mesmo, três a cada lado e uma em chefe. A origem dessas armas está nos armoriais de fins do século XIII, onde ao rei da Galiza se atribuía o mesmo escudo de azul com um ou mais cálices de ouro. São armas falantes: em francês, calice parece Galice!

Depois, Damião de Lemos de Faria e Castro no quinto tomo da sua Política moral e civil (1754), mais precisamente à página 408, descreve os pavilhões de Portugal como segue:

Portugal
Pavilhão real: é branco com as armas reais no meio; pavilhão no descobrimento da América: era branco com uma esfera de ouro, rematada em uma cruz; outros traziam a esfera vermelha; pavilhão para converter a América: junto à parte superior da hástea tem as armas reais, no meio uma esfera de ouro com o zodíaco vermelho, ao pé dela São Frei Pedro Gonçalves Telmo com uma cruz na mão, e todo o campo branco; pavilhão de guerra: é branco com um escudo no meio com quatro quadrados de vermelho com coroa e o vão dos diademas também de vermelho; pavilhão ordinário: é roto em bandas diagonais de azul, branco e vermelho, no meio uma cruz potente de negro e no quartel superior outra cruz de branco; pavilhão mercante: é cortado em sete faixas horizontais, quatro de verde e três de branco. A cidade do Porto também tem bandeira particular com as mesmas cores do pavilhão mercante, mas com onze faixas. (grifo meu)

Parece certo que os portugueses arvoraram bandeiras brancas com a esfera armilar nas embarcações mercantes que navegavam para a América. No entanto, desses pavilhões de usos circunstanciais difundiu-se a crença numa "bandeira do principado do Brasil". Presumo que tenha sido Eduardo Prado no livro A bandeira nacional (1903) quem engendrou essa ideia:

Depois que o Brasil foi elevado a principado (1647), começou a esfera armilar manuelina a servir de armas ao Brasil e a bandeira especial desta parte do império colonial português continuou a ser branca, mas com a esfera armilar de ouro no centro. Não é conhecida a data do alvará ou decreto que deu por armas ao estado ou principado do Brasil a esfera de Dom Manuel. Vemo-la, porém, desde o século XVII nas bandeiras do Brasil, nas primeiras moedas portuguesas cunhadas em fim daquele século no Brasil e para o Brasil e encontramo-la também nos selos. (grifo meu)

Não há um, mas dois problemas aí. O primeiro é reconhecido pelo próprio autor: faltam fontes que sustentem a afirmação inicial. Ele até refere um livro de 1737, intitulado Connaissance des drapeaux et pavillons, mas este apenas antecipa o mesmo que se lê na citada obra de Faria e Castro:

PLANCHE LIX
Pavillon de marchand portugais. Il est de sept bandes mêlées, qui sont, à commencer par la plus haute, l'une verte et l'autre blanche.
Pavillon blanc de Portugal. Il est blanc, chargé d'une sphère céleste d'or, surmontée d'une sphère du monde d'azur avec un horizon d'or et une croix de pourpre au-dessus. Ce pavillon et les deux suivants sont ceux que portent les vaisseaux qui vont aux Indes.

PLANCHE LX
Autre pavillon blanc de Portugal. Il est chargé d'une sphère céleste de pourpre, avec deux croix de gueules au côté et une de même au-dessus, placée sur une sphère du monde d'azur, avec un horizon d'or et au milieu de la sphère céleste est une autre sphère du monde d'azur su un pilier d'or.
Autre pavillon de Portugal. Il est blanc, chargé, vers le bâton, des mêmes armes du royaume et d'une sphère céleste de pourpre au milieu, surmontée d'une sphère du monde d'azur, avec un horizon d'or e une croix de gueules au-dessus, soutenue par un pilier d'or et ayant deux boules d'or aux deux côtés. Et vers l'autre bout il y a, au côté de la sphère, un moine vêtu de noir, qui tient une croix de gueules en sa main droite et un chapelet en sa gauche. (2)

O segundo é que o principado do Brasil, título da Casa Real, tinha natureza honorífica ou, noutras palavras, não constituía um senhorio. Se o príncipe — que era o herdeiro da Coroa — alguma vez usou dessa bandeira, fê-lo na condição de estandarte pessoal. As suas armas apresentei na postagem de 09/01as do Reino, diferençadas por um lambel de ouro de três pendentes.

Em suma, os fatos históricos são estes: por toda a parte nas colônias americanas, o brasão que se pintava ou se talhava e a bandeira que se hasteava para marcar o domínio português eram as reais. Portanto, o estudo das armas nacionais brasileiras deve começar estritamente pela citada Carta de Lei de 13 de maio de 1816: "Que o Reino do Brasil tenha por armas uma esfera armilar de ouro em campo azul". Na teoria, esse ordenamento supõe um escudo ou campo de qualquer forma (e, a rigor, não seria mesmo incorreto), mas na prática, a esfera ocupa todo o campo, de modo que dele se vê o que se vislumbra pelos espaços vazios entre as armilas. Por conseguinte, o ordenamento exato é uma esfera armilar de ouro firmada em campo azul.

Armas do reino do Brasil: de azul com uma esfera armilar de ouro firmada.
Armas do Reino do Brasil: de azul com uma esfera armilar de ouro, firmada.

De todo jeito, o segundo item da carta de lei estabelece que as armas brasileiras compõem as do Reino Unido: "Que o escudo real português, inscrito na dita esfera armilar de ouro em campo azul, com uma coroa sobreposta, fique sendo de hoje em diante as armas do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves e das mais partes integrantes da minha Monarquia". Apesar disso, há um ou outro testemunho de "decomposição", como o manto trajado por Dom João VI na sua aclamação, em 1818: de veludo carmesim, é semeado com torres douradas (pelos castelos) e escudos de Portugal antigo e do Brasil.

Manto da aclamação de Dom João VI, conservado no Palácio Nacional da Ajuda.
Manto da aclamação de Dom João VI, conservado no Palácio Nacional da Ajuda.

Por que a esfera armilar? Talvez a primeira pergunta deva ser: o que é uma esfera armilar? Como está fora da minha seara, prefiro citar uma definição de dicionário: "dispositivo formado por anéis fixos (armilas) que representam os círculos da esfera celeste (os trópicos, o equador, etc.) e em cujo centro se encontra uma pequena esfera que simboliza a Terra". Ou seja, a esfera armilar lembra um globo terrestre, e não duvido de que haja quem pense que é uma espécie de um, mas, na verdade, é um instrumento astronômico, útil em navegação, pois serve para simular o movimento aparente do sol e das estrelas em volta da Terra.

Agora respondendo por quê, a esfera armilar era o corpo da empresa de Dom Manuel I. As empresas ou divisas estiveram em voga durante os séculos XV e XVI, quando decrescia o caráter pessoal das armas principescas e senhoriais e acrescia o seu caráter dignitário. Ao contrário do brasão, a empresa não era constrangida por regras sintáticas, não era hereditária, tinha forte carga alegórica e compunha-se livremente de um "corpo" (figura) e uma "alma" (mote). A alma da empresa de Dom Manuel I era Spera in Deo, evidente jogo de palavras entre spera ('espera') e sphæra ('esfera').

Primeira página do foral do Porto, outorgado por Dom Manuel I em 1517, conservado no Arquivo Municipal. Veem-se as armas reais acima e as municipais abaixo, aquelas ladeadas pela bandeira da Ordem de Cristo e pelo estandarte pessoal do rei, que carrega a sua empresa, ou seja, a esfera armilar de ouro.
Primeira página do foral do Porto, outorgado por Dom Manuel I em 1517, conservado no Arquivo Municipal. Veem-se as armas reais acima e as municipais abaixo, aquelas ladeadas pela bandeira da Ordem de Cristo e pelo estandarte pessoal do rei, que carrega a sua empresa, ou seja, a esfera armilar de ouro.

Como Dom Manuel I foi, provavelmente, o maior de todos os reis portugueses (é possível discernir o seu legado em âmbitos tão diferentes como a economia, a administração, as artes e, muito especialmente, a heráldica), a sua empresa foi a única que perdeu o seu caráter original e se integrou à emblemática da própria Coroa. Já em 1500, Pero Vaz de Caminha relata na sua famosa carta sobre o "descobrimento" do Brasil que "chentada a cruz com as armas e devisa de Vossa Alteza, que lhe primeiro pregárom, armárom altar ao pee dela; ali disse missa o padre Frei Hanrique". Depois, em 1510, a moeda de um cruzado cunhada em Goa, capital do estado da Índia, traz a esfera armilar no reverso, daí que seja conhecida justamente como manuel.

Reverso da moeda de um cruzado (ou manuel) cunhado em Goa de 1510 a 1521. Imagem disponível no catálogo Colnect.
Reverso da moeda de um cruzado (ou manuel) cunhado em Goa de 1510 a 1521. Imagem disponível no catálogo Colnect.

No Brasil, a esfera armilar figura também no reverso das moedas de cobre desde 1715 até 1818. Mais que isso: o reverso das espécies de prata traz a esfera sobreposta à cruz da Ordem de Cristo desde as primeiras cunhagens nas casas da moeda luso-americanas, em 1695, até o mesmo ano de 1818. Portanto, uma composição muito semelhante ao ordenamento das futuras armas imperiais. Em suma, a esfera armilar evoluiu de insígnia pessoal de Dom Manuel I para símbolo da expansão além-mar, especialmente dos domínios americanos.

Reverso da moeda de dez réis (o B identifica a Casa da Moeda da Bahia), 1730. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de dez réis (o B identifica a Casa da Moeda da Bahia), 1730. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Assim, quando, onze dias depois de proclamar a independência, Dom Pedro I deu armas ao Reino do Brasil separado de Portugal, a esfera armilar de ouro não era apenas a figura principal das armas do Reino do Brasil unido a Portugal havia quase sete anos, mas uma figura representativa desse território havia mais de cem anos.

Reverso da moeda de quatro mil réis (o R identifica a Casa da Moeda do Rio de Janeiro), 1703. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de quatro mil réis (o R identifica a Casa da Moeda do Rio de Janeiro), 1703. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

A próxima pergunta é: por que a esfera armilar foi atravessada com a cruz da Ordem de Cristo? Esta é fácil: as conquistas além-mar ficavam sob a jurisdição espiritual dessa ordem, o chamado padroado. Era uma contrapartida pelo patrocínio da empresa ultramarina que a ordem assumia, mas na realidade esta e a Coroa acabavam confundindo-se, porque desde o mesmo Dom Manuel, o seu mestre era o rei. Além disso, à ordem estava ligada a própria justificação da conquista: a propagação da fé cristã.

Reverso da moeda de 640 réis, 1695. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de 640 réis, 1695. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Por tudo isto, a cruz da Ordem de Cristo tornou-se praticamente uma insígnia estatal: foi talhada nos padrões chantados nas praias, antes mesmo de se fundarem as primeiras povoações. Nas moedas, foi cunhada em espécies de ouro de 1695 a 1727, mas, como eu disse, nas de prata aparece sobposta à esfera armilar, inclusive sob as armas do Reino Unido, até a independência. Mais uma vez, quando Dom Pedro I ordenou a esfera armilar de ouro atravessada pela cruz da Ordem de Cristo, esta não só gozava de uma condição semioficial no ultramar, mas a própria combinação com aquela era corrente havia bastante tempo.

Reverso da moeda de 960 réis, 1821. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de 960 réis, 1821. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Para completar, pois, o brasão imperial, falta apenas a orla de azul, carregada de dezenove estrelas de prata. Não há que se desprezar o precedente da bandeira norte-americana. Do mesmo jeito que na Carta de Lei de 13 de maio de 1816 é manifesta a instrumentalização da heráldica para marcar o projeto político do Reino Unido ("da mesma forma que o Senhor Rei Dom Afonso III, de gloriosa memória, unindo outrora o Reino dos Algarves ao de Portugal, uniu também as suas armas respectivas, e ocorrendo que para este efeito o meu Reino do Brasil ainda não tem armas que caracterizem a bem-merecida preeminência a que me aprouve exaltá-lo"), o Império também precisava realçar a união das suas províncias, que era frágil, como viriam provar tantas insurreições. Nisso, a ideia de representá-las por estrelas tinha um grande apelo, afinal tudo se passava enquanto a América hispânica se dilacerava. De fato, o Decreto de 18 de setembro de 1822 não só está escrito em linguagem heráldica correta, mas também justifica convenientemente as escolhas:

DECRETO DE 18 DE SETEMBRO DE 1822
Dá ao Brasil um escudo de armas.
Havendo o Reino do Brasil, de quem sou Regente e Perpétuo Defensor, declarado a sua emancipação política, entrando a ocupar na grande família das nações o lugar que justamente lhe compete como nação grande, livre e independente, sendo, por isso, indispensável que ele tenha um escudo real de armas que não só se distingam das de Portugal e Algarves, até agora reunidas, mas que sejam características deste rico e vasto continente, e desejando eu que se conservem as armas que a este Reino foram dadas pelo Senhor Rei Dom João VI, meu augusto pai, na Carta de Lei de 13 de maio de 1816, e ao mesmo tempo rememorar o primeiro nome que lhe fora imposto no seu feliz descobrimento e honrar as dezenove províncias compreendidas entre os grandes rios, que são os seus limites naturais e que formam a sua integridade, que eu jurei sustentar, hei por bem e com o parecer do meu Conselho de Estado determinar o seguinte: será d'ora em diante o escudo de armas deste Reino do Brasil em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de dezenove estrelas de prata em uma orla azul, e firmada a coroa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas da sua riqueza comercial, representados na sua própria cor e ligados na parte inferior pelo laço da Nação. A bandeira nacional será composta de um paralelogramo verde e nele inscrito um quadrilátero romboidal cor de ouro, ficando no centro deste o escudo das armas do Brasil.
José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado e do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, o Senhor Dom João VI, e meu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessários.
Paço, em 18 de setembro de 1822.
Com a rubrica de Sua Alteza Real, o Príncipe Regente.
JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA (grifo meu)

Armas do Império do Brasil: de verde com uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, circulada por uma orla de azul, carregada de vinte estrelas de prata.
Armas do Império do Brasil: de verde com uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, circulada por uma orla de azul, carregada de vinte estrelas de prata. (3)

Enfim, o famigerado brasão republicano. Antes de mais, recobro duas considerações que já adiantei (em 09/11 e 02/02). Uma responde ao porquê da mudança. A meu ver, as armas nacionais estavam muito ligadas à monarquia, por dois fatos. O primeiro é que elas tinham sido ordenadas ainda num espírito meio absolutista meio constitucionalista: o soberano dá armas à nação. A concepção de um monarca que faz mercê é própria do Antigo Regime, ao passo que o conceito de nação é próprio da contemporaneidade. O segundo é que a dinastia não assumiu armas pessoais minimamente diferentes das nacionais: quando se queria ressaltar a pessoalidade de uma coisa ou ato, usava-se do monograma, ao passo que os Braganças portugueses tinham resgatado uma variante das armas primitivas da Casa para essa finalidade (4). A outra rebate o preconceito de que o da República não é verdadeiramente um brasão. De fato, reconheço que para isso contribuiu não só a sua forma singular, mas também a falta de brasonamento oficial por quase oitenta anos: quando o Decreto n.º 4, de 19 de novembro de 1899, o estabeleceu por meio de um desenho anexo, propiciou que qualquer um que não enxergasse aí escudo ou campo questionasse a sua condição heráldica. Só a partir da Lei n.º 5.443, de 28 de maio de 1968, o legislador, ao brasonar as armas nacionais, esclareceu que há, sim, um escudo nelas: é redondo. Nessa mesma ocasião, objetei que o defeito dessas armas é o excesso de ornamentos externos, mas que isso não está ausente de brasões principescos; pelo contrário: quando se trata de uma parafernália de elmo, coroa, colares, suportes, terraço, divisa, pavilhão etc., nenhum monarquista é tão ávido em julgar e condenar tal conjunto como rebuscado.

Armas nacionais do Brasil: de azul com cinco estrelas de prata, postas como a constelação do Cruzeiro do Sul; bordadura de azul, debruada de ouro, carregada de vinte e sete estrelas de prata.
Armas nacionais do Brasil: de azul com cinco estrelas de prata, postas como a constelação do Cruzeiro do Sul, e uma bordadura de azul, debruada de ouro, carregada de vinte e sete estrelas de prata.

Além disso, os símbolos nacionais republicanos são mais fiéis à história do que aparentam à primeira vista. Começando pela forma redonda do escudo, é a mesmíssima das armas do Reino do Brasil, até mesmo o esmalte: azul (5). Na verdade, essas próprias armas sofreram certa incompreensão, por não se ter discernido o predicativo firmado da esfera armilar de ouro num escudo de azul que, consequentemente, só pode ser redondo. Mais que isso: há precedentes de reproduções das armas reais portuguesas em escudos redondos desde a Idade Média, a mais recente em moedas de ouro cunhadas de 1727 a 1749 no Rio de Janeiro.

Anverso da moeda de 6$400 réis, 1727. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Anverso da moeda de 6$400 réis, 1727. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Depois, a figura principal — as cinco estrelas de prata postas como o Cruzeiro do Sul — dão continuidade à cruz da Ordem de Cristo, e nem mesmo se trata de um símbolo inovador. Com efeito, nomeava outra ordem, a honorífica nacional mais antiga: a Imperial do Cruzeiro. A justificação desse nome — veja só! — era a mesma da cruz da Ordem de Cristo no brasão:

em alusão à posição geográfica desta vasta e rica região da América austral que forma o Império do Brasil, onde se acha a grande constelação do Cruzeiro, e igualmente em memória do nome que teve sempre este Império desde o seu descobrimento, de Terra de Santa Cruz (Decreto de 1.º de dezembro de 1822; grifo meu). (6)

A sua insígnia era

esmaltada de branco, decorada com coroa imperial e assentando sobre uma coroa emblemática das folhas de tabaco e café, esmaltadas de verde [; ...] no centro, em campo azul-celeste, uma cruz formada de dezenove estrelas esmaltadas de branco, e na circunferência deste campo, em círculo azul-ferrete, a legenda Benemerentium Præmium em ouro polido.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Certamente, ante a laicidade do novo regime, uma cruz estelar era um meio-termo entre a conservação e a inovação, afinal o principal símbolo do país fora um instrumento astronômico (7) (8).

Ordens honoríficas brasileiras e as insígnias reais de Portugal, Brasil e Algarves e imperiais do Brasil. Desenho de Jean-Baptiste Debret e litografia de Thierry Frères, 1839. Imagem disponível na Biblioteca Nacional Digital do Brasil.
Ordens honoríficas brasileiras e as insígnias reais de Portugal, Brasil e Algarves e imperiais do Brasil. Desenho de Jean-Baptiste Debret e litografia de Thierry Frères, 1839. Imagem disponível na Biblioteca Nacional Digital do Brasil.

Quanto à esfera armilar, sem dúvida é a alteração mais sutil: ela continua na bandeira nacional. Estabelece o citado Decreto n.º 4, de 1889, que esta é

um losango amarelo em campo verde, tendo no meio a esfera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido oblíquo e descendente da esquerda para a direita com a legenda Ordem e Progresso, e ponteada por vinte e uma estrelas, entre as quais as da constelação do Cruzeiro, dispostas da sua situação astronômica quanto à distância e o tamanho relativos, representando os vinte estados da República e o Município Neutro (grifo meu).

Essa esfera celeste não é nada mais que o céu observado através de uma esfera armilar, o que ficou claro na inclusão da Lei n.º 8.421, de 11 de maio de 1992, na Lei n.º 5.700, de 1.º de setembro de 1971, a vigente sobre os símbolos nacionais:

As constelações que figuram na bandeira nacional correspondem ao aspecto do céu na cidade do Rio de Janeiro às 8 horas e 30 minutos do dia 15 de novembro de 1889 (doze horas siderais) e devem ser consideradas como vistas por um observador situado fora da esfera celeste (grifo meu).

Bandeira nacional do Brasil. Imagem disponível no portal da Presidência da República.
Bandeira nacional do Brasil. Imagem disponível no portal da Presidência da República.

É por isso que as constelações na nossa bandeira estão ao contrário. Com efeito, vimos mais acima que as armilas servem para simular o movimento aparente do sol e das estrelas em volta da terra, cujo simulacro fica no centro desse objeto. Isso é especialmente perceptível no Cruzeiro do Sul, não só porque se lhe deu lugar proeminente, mas também porque a sua estrela de menor grandeza, a Epsilon Crucis ou Intrometida, é um tanto afastada do cruzamento imaginário das outras quatro. Vista da Terra, a Intrometida fica perto do ângulo inferior direito desse cruzamento, mas vista de uma esfera armilar — e, portanto, na bandeira do Brasil  fica perto do ângulo inferior esquerdo. Daí que ocorra certa confusão na reprodução das armas nacionais: ora é figurado tal como na bandeira, ora como se vê no céu, e com variadas inclinações. Estas fazem parte do movimento aparente, então me parece que cada um é livre para escolher a que preferir, já que o ordenamento não fixa uma; pessoalmente, gosto mais da posição vertical, como no zênite, a mesma da bandeira. Por outro lado, não creio que seja correto inverter a constelação no brasão, porque o ordenamento diz "na forma da constelação Cruzeiro do Sul", o que pressupõe seja a sua forma normal.

Enfim, a bordadura de azul, perfilada de ouro e carregada de vinte e sete estrelas de prata, é o elemento cuja permanência é mais fácil de reconhecer: é uma adaptação da orla carregada das mesmas figuras, tudo das mesmas cores e metais, nas armas imperiais. Até o perfil, que não passa de um artifício para não pôr cor sobre cor (9), já se praticava nestas, no caso de prata, o que particularmente prefiro evitar, por não fazer parte do ordenamento oficial.

Reverso da moeda de vinte mil-réis, 1899. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de vinte mil-réis, 1899. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Para encerrar esta alongada postagem, gostaria de mostrar imagens das primeiras moedas cunhadas pela República. Algumas espécies trazem o brasão completo, mas outras, apenas o escudo, o que evidencia a consciência de que havia um, apesar de faltar brasonamento oficial. Mais que isso: encontra-se uma terceira e curiosa versão na moeda de dois mil-réis. Trata-se do escudo suportado por um ramo de louro e outro de carvalho e timbrado por uma estrela radiante.

Reverso da moeda de dois mil-réis, 1891. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.
Reverso da moeda de dois mil-réis, 1891. Imagem disponível no catálogo Moedas do Brasil.

Clóvis Ribeiro, em Brasões e bandeiras do Brasil (1933), dá uma citação de Alfredo de Carvalho, infelizmente não referenciada, que esclarece o caso:

É frequente figurarem no brasão da República brasileira, em vez de ramos de café e fumo, outros de carvalho e louro. Por ocasião duma visita feita em 18 de agosto de 1894 à Casa da Moeda do Rio de Janeiro, ouvimos do Dr. Enes de Sousa, então diretor daquele estabelecimento, em resposta a uma consulta do artista incumbido de desenhar o escudo d'armas do Brasil, a ordem terminante de pôr nele ramos de carvalho e louro. Interpelado por nós sobre semelhante modificação, o ilustre engenheiro retorquiu dizendo que "o fumo simbolizava um vício e o café recordava a escravidão".

À página 193 do mesmo livro, vários desenhos ilustram a evolução do emblema municipal do Rio de Janeiro ao longo do século XIX. O datado de 1889 é quase igual ao da referida moeda de dois mil-réis; a diferença é que os ramos são de café e fumo. Numa visita à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, também o vi na capa da primeira constituição estadual, de 1891. Tudo isto me leva a lançar a hipótese de que nos anos iniciais do novo regime correu a versão de que o escudo fora mesmo alterado, mas com relação aos ornamentos externos, apenas se trocara a coroa imperial pela estrela republicana. De fato, se assim fosse, teríamos um brasão muito mais congruente do ponto de vista heráldico.

Armas municipais do Rio de Janeiro em 1889, segundo Clóvis Ribeiro (Brasões e bandeiras do Brasil, 1933).
Armas municipais do Rio de Janeiro em 1889, segundo Clóvis Ribeiro (Brasões e bandeiras do Brasil, 1933).

Em síntese:

Evolução das armas nacionais brasileiras.
Evolução das armas nacionais brasileiras.

  • As armas reais do Brasil são de azul com uma esfera armilar de ouro firmada:
    • A esfera armilar era originariamente a empresa de Dom Manuel I, em cujo reinado se descobriram as rotas marítimas para a Índia e o Brasil, daí que tenha depois simbolizado a expansão ultramarina e, especialmente, os domínios americanos.
  • As armas imperiais do Brasil são de verde com uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, circulada por uma orla de azul, carregada de vinte estrelas de prata.
    • A esfera armilar das armas antecedentes foi preservada;
    • a cruz da Ordem de Cristo era o emblema dessa ordem de cavalaria, que patrocinava a empresa ultramarina e, em contrapartida, recebia o padroado das conquistas, ou seja, a jurisdição espiritual;
    • a orla de azul, carregada de vinte estrelas de prata, integrou ao símbolo nacional a frágil união das províncias que aderiram à Independência para formar a nova nação, a partir do precedente aberto pela bandeira dos Estados Unidos.
  • As armas republicanas do Brasil são de azul com cinco estrelas de prata, postas como a constelação do Cruzeiro do Sul, e uma bordadura de azul, perfilada de ouro, carregada de vinte e sete estrelas de prata.
    • A esfera armilar foi adaptada como esfera celeste na bandeira nacional;
    • o Cruzeiro do Sul é uma adaptação laica da cruz da Ordem de Cristo a partir do precedente aberto pelo nome e pela insígnia da Imperial Ordem do Cruzeiro (e pelo jaque nacional);
    • a bordadura de azul, perfilada de ouro e carregada de vinte e sete estrelas de prata, é uma adaptação da orla da mesma cor, carregada de vinte estrelas do mesmo metal, das armas antecedentes.

Notas:
(1) O estado do Maranhão foi criado em 1621 e estendia-se do cabo de São Roque, hoje Rio Grande do Norte, para o norte. Em 1655, foi renomeado como estado do Maranhão e Grão-Pará e, em virtude da vinculação da capitania do Ceará ao estado do Brasil pela mesma época, o limite foi deslocado até o delta do Parnaíba. Em 1751, com a transferência da capital de São Luís para Belém, inverteu-se a denominação: estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1772, o governo-geral de São Luís foi restabelecido pela cisão do território em dois estados: o do Maranhão e Piauí a leste e o do Grão-Pará e Rio Negro a oeste. O primeiro chegou ao fim em 1811, quando o governo do Piauí se tornou autônomo, mas o segundo persistiu até a criação do Reino do Brasil em 1815, formalmente até a promulgação da Constituição portuguesa de 1822. As próprias dioceses de São Luís (1677) e Belém (1720) foram sufragâneas da arquidiocese de Lisboa, depois patriarcado, não da arquidiocese de Salvador, até 1828.
(2) "PRANCHA LIX. Pavilhão mercante português. É de sete bandas mescladas, que são, a começar pela mais alta, uma verde e outra branca. Pavilhão branco de Portugal. É branco, carregado de uma esfera celeste de ouro, rematada de uma esfera do mundo de azul com um horizonte de ouro e uma cruz de púrpura em cima. Esse pavilhão e os dois seguintes são os que levam os navios que vão para as Índias. PRANCHA LX. Outro pavilhão branco de Portugal. É carregado de uma esfera celeste de púrpura, com duas cruzes de vermelho aos lados e uma do mesmo em cima, situada sobre uma esfera do mundo de azul, com um horizonte de ouro e no meio da esfera celeste fica outra esfera do mundo de azul sobre um suporte de ouro. Outro pavilhão de Portugal. É branco, carregado, junto à haste, das mesmas armas do reino e de uma esfera celeste de púrpura no meio, rematada de uma esfera do mundo de azul, com um horizonte de ouro e uma cruz de vermelho em cima, sustentada por um suporte de ouro e tendo duas bolas de ouro nos dois lados. E junto à outra ponta há, ao lado da esfera, um monge vestido de negro, que segura uma cruz de vermelho na sua mão direita e um rosário na esquerda." (tradução minha)
(3) Após a secessão da Cisplatina em 1825, mais tarde Uruguai, o Império teve dezoito províncias. Em 1850 e 1853, foram respectivamente criadas as províncias do Amazonas e do Paraná, aquela desmembrada do Grão-Pará e esta, de São Paulo. Daí em diante o Império teve vinte províncias.
(4) Casos similares ao do Brasil são a França e a Itália, onde as armas da monarquia eram mais dinásticas do que nacionais: as três flores de lis de ouro em campo de azul da Casa de Bourbon; a águia de ouro agarrando um raio do mesmo em campo de azul da Casa de Bonaparte; a cruz de prata em campo de vermelho da Casa de Saboia. Um caso similar ao de Portugal é a Espanha, onde as armas reais e as nacionais foram disjungidas em 1868: as armas reais conservaram os quartéis de pretensão, a saber, Sicília, Áustria, Borgonha, Parma, Toscana, Flandres, Tirol e Brabante, além daqueles dos antigos estados peninsulares; as armas nacionais reduziram-se a estes, ou seja, Castela, Leão, Aragão, Navarra e Granada. Isso garantiu que, apesar das mudanças políticas, as armas nacionais espanholas fossem preservadas, apenas acrescentando-se ou retirando-se o escudete dinástico sobre o todo. Desde 1975, o rei da Espanha usa o mesmo escudo do brasão nacional, diferençando o seu pelos ornamentos externos.
(5) Na lei, o campo e a bordadura são brasonados "de azul-celeste", esmalte inexistente na heráldica. De fato, não é a única falha do brasonamento.
(6) Em 1847, Dom Pedro II estabeleceu o jaque nacional com desenho igual ao campo da insígnia da Imperial Ordem do Cruzeiro: "Hei por bem ordenar que d'ora em diante os navios de guerra da Armada Nacional usem de uma bandeira particular no gurupés, a exemplo do que se pratica nos navios de guerra de outras nações, a qual será de forma retangular, tendo inscrita uma cruz formada de dezoito estrelas brancas sobre campo azul-celeste, simbolizando as províncias do Império, sob o emblema da sua primitiva denominação" (Decreto n.º 544, de 18 de dezembro de 1847). Hoje tem o nome de bandeira do Cruzeiro (vide o Cerimonial da Marinha).
(7) Nas citadas moedas coloniais com a cruz da Ordem de Cristo e nalgumas moedas do Império com o brasão, a legenda que orla a peça é In hoc signo vinces, o que remete à lenda contada por Eusébio de Cesareia na sua Βίος Μεγάλου Κωνσταντίνου (Bíos Megálou Kōnstantínou) 'Vida de Constantino o Grande' (337), segundo a qual esse imperador romano e o seu exército tiveram a visão de uma cruz de luz sobre o sol junto com essa frase em grego, a qual significa 'Com este sinal vencerás', depois de se converter à fé cristã e antes da Batalha da Ponte Mílvia (312). Portanto, o sentido religioso da figura era reforçado por uma interpretação proselitista.
(8) Não custa lembrar que o Cruzeiro do Sul também figura nas bandeiras e nos brasões da Austrália, Nova Zelândia e Samoa, e na bandeira de Papua-Nova Guiné.
(9) Por isso, entendo que o perfil de uma bordadura fica apenas junto ao bordo interno desta, que a separa do campo, diferentemente do perfil de uma orla, que é separada do campo tanto pelo bordo interno como pelo externo.

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