A heráldica tem a capacidade de não só identificar, mas também dizer algo sobre o identificado.
Quando comecei a escrever a postagem antecedente, foi intenção minha propor brasão de armas à UniCatólica do RN, mas ao alcançar o Seminário Santa Teresinha no percurso educacional da mitra mossoroense, percebi que essa casa ainda não dispõe de tal identificador. Senti-me, então, interpelado a fazer uma proposta, depois da qual venho retomar o fio.
Se Mossoró tivesse continuado a depender do comércio que a impulsou desde o sétimo decênio do século XIX, teria definhado, porque a navegação costeira que o abastecia decaiu à medida que outros meios de transporte se desenvolveram. Ao invés disso, o escoamento do algodão sertanejo e do sal marinho através da ferrovia que ligou o porto à cidade em 1915 e adentrou o sertão até Sousa (PB), aonde chegou em 1951, dilatou a prosperidade.
Contudo, a cotonicultura também declinou e a salicultura mecanizou-se. Em resposta, o prefeito Raimundo Soares de Sousa arrojou-se a criar duas instituições de ensino superior: a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) em 1967 e a Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte (FURRN) no ano seguinte. A União incorporou a ESAM em 1969 e a transformou em Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) em 2005. A FURRN foi incorporada pelo estado em 1987, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) em 1993 e renomeada Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em 1999. A elas, somou-se a Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) que a Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) abriu aí em 1994 (Centro Federal de Educação Tecnológica — CEFET-RN — desde 1999), campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN) desde 2008.
O investimento em educação propiciou a Mossoró tornar-se um polo industrial (além da salicultura, sobrevieram a extração de petróleo e a fruticultura irrigada) e prestador de serviços. E ainda que em tempos recentes tenha sofrido, como todo o país, desindustrialização, parece que a transformação em cidade universitária está consolidada, tanto que em 2005 por iniciativa de Dom Mariano Manzana, sexto bispo, com o fito de ampliar o ensino superior na cidade se estatuiu a Fundação Santa Teresinha de Mossoró.
Em 2006, a fundação (depois associação) requereu ao MEC o credenciamento da Faculdade Diocesana de Mossoró (FDM), o que obteve em 2009, mediante a Portaria n.º 584, de 17 de junho. No ano seguinte, a oferta do bacharelado em teologia deu início às atividades acadêmicas. Isso perfez a formação do seminário maior, mas não parou aí. Em 2018, quando assumiu o nome de Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), já oferecia oito cursos de graduação e quinze de pós-graduação lato sensu. Finalmente, pela Portaria n.º 385, de 22 de abril de 2024, o MEC credenciou o centro universitário Católica do Rio Grande do Norte (UniCatólica do RN) por transformação da FCRN (1). O número de bacharelados subiu a nove e o de especializações, a 31.
Marca da UniCatólica do RN. |
Originariamente, a Faculdade Diocesana adotou um emblema "insignoide", isto é, parece um brasão, porque apresenta um escudo, mas não obedece ao código heráldico (cf. o perfil da instituição no Facebook). Depois, procurou-se "heraldizá-lo", mas ainda ficou muito "logotipado": em campo de azul uma cruz adestrada de prata (até aqui, tudo bem; ou talvez ainda se devesse especificar a sua estreiteza)... Mas como descrever as figuras? Uma sombra de livro aberto? Um ichthys? E os não menos estilizados suportes: são ramos de que espécie? Sem dúvida, melhorou muito, mas ainda é um desenho, não um brasão (2).
Apesar da referida melhoria, o emblema atual é inexpressivo e é fácil arguir por quê: uma cruz, um livro e um peixe podem representar qualquer instituto católico ou mesmo qualquer um que se diga cristão, onde quer que seja. Desde a Idade Moderna, o emblema heráldico avantaja outros porque não só identifica alguém, como também é capaz de exprimir algo sobre o identificado. É o desperdício dessa capacidade que causa inexpressão.
Pelo razoado, proponho para a UniCatólica do RN em campo de azul uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três rosas do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini. Explico.
Proposta de brasão para a UniCatólica do RN com alteração da divisa. |
Todavia, acho conveniente manter o que pode ser mantido para não impactar demais a identidade visual da instituição. Deixo, pois, o campo de azul e as figuras principais de prata, mas ilumino as secundárias de ouro para evitar a percepção de desenho monocromático sobre fundo branco, que contribui com a aparência "logotipada". Copio, ainda, a divisa (3), embora a julgue demasiado longa para tal: dez sílabas. Teria preferido uma sentença mais breve e que dissesse algo sobre luz, de modo a lembrar Santa Luzia, como Lux vera in mundum ("A luz verdadeira para o mundo", João, 1, 9). Isso, a propósito, resumiria bem a missão da UniCatólica:
Educar para a cidadania, a verdade e a justiça, formando uma consciência mais profunda do sentido do Ser Humano no mundo, à luz dos princípios evangélicos e da ética cristã.
Precisamente por falta de referência à protetora dos mossoroenses e patrona do bispado, decussei uma tocha acesa e uma palma. Duas figuras familiares: a primeira, símbolo do conhecimento, está no brasão do Colégio Diocesano Santa Luzia (4); a segunda, símbolo do martírio, no da diocese. Delineia-se, destarte, uma mensagem: uma casa de educação que de algum modo se vincula a certo santo mártir.
Não obstante, como entre a UniCatólica e o seminário há um laço de família, que o próprio nome da mantenedora patenteia, enxergo no campo espaço bastante para se fazer uma justa alusão a Santa Teresinha. Acrescento, então, três rosas, à semelhança das três estrelas que carregam as armas da Ordem do Carmo (cf. a citada postagem antecedente). Completa-se a mensagem: uma casa de educação que tem vínculos com certo santo mártir e com a santa carmelita das rosas (5).
Por último, não vejo necessidade de timbre nem de suportes. Se um dia o centro universitário se transformar em universidade e vier receber o honroso título de pontifícia, fará jus à tiara por cima do escudo e às chaves sob ele (6). Vegetais ao redor francamente me parecem supérfluos.
(1) As organizações acadêmicas das instituições de ensino superior estão estabelecidas pelo Decreto n.º 9.235, de 15 de dezembro de 2017. À diferença da faculdade, o centro universitário, por cumprir certos requisitos quantitativos e qualitativos, goza de autonomia didático-científica.
(2) Um brasão é definido pela possibilidade de ser descrito em linguagem heráldica (o brasonamento), a qual obedece a um conjunto de regras, como uma espécie de gramática.
(3) Trata-se do versículo final da 2.ª Carta de São Pedro (3, 18): "Crescite vero in gratia et in cognitione Domini nostri et Salvatoris Jesu Christi" ("Procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo").
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