26/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA O SEMINÁRIO SANTA TERESINHA

A heráldica é muito pertinente à expressão de vocações e missões.

A vocação educativa da diocese mossoroense antecede por longo tempo a sua própria criação. Em 1901, Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, primeiro bispo da Paraíba, cuja jurisdição abrangia esse estado e o Rio Grande do Norte, fundou o Educandário Santa Luzia. Começou com 42 alunos no curso primário e 17 no secundário. Em 2023, o Colégio Diocesano teve 1.688 matrículas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Proposta de brasão para o Seminário Diocesano Santa Teresinha: de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança.
Proposta de brasão para o Seminário Diocesano Santa Teresinha: de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança.

Quando os portugueses venceram a resistência indígena na chamada Guerra dos Bárbaros (1687–1712) e começaram a povoar a ribeira do Apodi, nada predizia que ao redor da capela edificada em 1772 por Antônio de Sousa Machado, dono da Fazenda Santa Luzia, cresceria uma povoação que alcançaria quase 265 mil habitantes em 2022. Com efeito, antes da ereção dessa capela a igreja matriz em 1842 e do povoado a vila em 1852, já havia cinco freguesias e três municípios na dita ribeira: Pau dos Ferros (1756), Portalegre (1761; vila desde o mesmo ano), Apodi (1766; vila desde 1833), Campo Grande (1837) e Martins (1840; vila da Maioridade desde 1841 e cidade da Imperatriz desde 1847).

Mossoró desenvolveu-se rapidamente a partir de 1857, quando a Companhia Pernambucana de Navegação Costeira passou a fazer escala ordinária no porto que lhe prestava a barra do Moçoró (1). Na sua praça, vendiam-se produtos agrícolas, exportados não só da ribeira, mas dos sertões vizinhos no Ceará e na Paraíba, e compravam-se produtos manufaturados, importados do Recife. Já em 1870, o progresso valeu-lhe o título de cidade.

Portanto, foi um promissor centro regional que Dom Adauto viu ao visitar a paróquia de Santa Luzia em 1900. Dez anos após a extinção do padroado, que comportara, por um lado, o fim do amparo estatal e, pelo outro, o começo da liberdade de ação, a igreja no Brasil ainda se reorganizava. Uma das estratégias foi a fundação de escolas, que tanto atendiam a uma demanda social (por ausência do estado) como asseguravam apropriada catequese dos futuros governantes (afinal só os mais ricos conseguiam manter os filhos em tais estabelecimentos). Outra estratégia foi a criação de dioceses.

Assim, 25 anos depois de o território potiguar ter sido desmembrado da diocese da Paraíba para a instituição da diocese de Natal, isto é, em 1934, o papa Pio XI criou o bispado de Mossoró, cuja jurisdição abarca as paróquias ao oeste do rio Açu (cf. a postagem de 23/04/21). E como uma diocese requer um seminário, já em 1937 Dom Jaime de Barros Câmara, primeiro bispo (2), abriu um sob o patronato de Santa Teresa do Menino Jesus. Apesar disso, muitas gerações de presbíteros tiveram de concluir a sua formação fora de Mossoró, pois tardou até o pastoreio de Dom Mariano Manzana, sexto bispo, a abertura do seminário maior: o curso de filosofia desde 2006 e o de teologia desde 2010.

Contudo, até hoje falta ao seminário de Mossoró um brasão. Não é, claro, uma coisa necessária, mas como expus na postagem de 12/08, desde que o irmão Paulo Lachenmayer, O.S.B., trouxe perspectivas novas à armaria nacional, as comunidades eclesiais brasileiras têm feito bom proveito da heráldica (3), tanto que os dois outros seminários norte-rio-grandenses — o Arquidiocesano São Pedro, em Natal, e o Diocesano Santo Cura d'Ars, em Caicó — possuem as suas armas.

Para o Seminário Diocesano Santa Teresinha proponho, pois, um escudo de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança. Explico.

A eleição de um santo padroeiro por certa comunidade não é um ato fortuito de nomeação. Surge, normalmente, de uma devoção, a qual é, à sua vez, inspirada pelo testemunho do santo. No caso da irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (Marie-Françoise-Thérèse Martin no século, 1873–97), esse testemunho é o amor misericordioso, que o carisma contemplativo do Carmelo lhe propiciou discernir.

Armas da Ordem do Carmo.
Armas da Ordem do Carmo: da cor do hábito carmelita, mantelado (em cruz) de prata, com três estrelas de um no outro; coroa real; timbre: um braço vestido do mesmo hábito, empunhando uma espada levantada e inflamada e doze estrelas em arco; divisa: Zelo zelatus sum pro Domino Deo Exercituum.

A Ordem do Carmo traz um escudo da cor do seu hábito, mantelado de prata (às vezes em cruz), com três estrelas de um no outro. Como o seminário não é um instituto carmelita, usar simplesmente de tais armas seria usurpação. Assim, comecei por trocar a cor do campo, afinal ela repele o código heráldico, que se cinge a cinco: vermelho, azul, negro, verde e púrpura.

Ainda que o vermelho esteja vinculado à Paixão do Senhor e ao martírio, é ademais a cor do Espírito Santo, que desceu como fogo em Pentecostes. Com efeito, Santa Teresinha evoca amiúde nos seus escritos esse elemento, no qual se sentiu mergulhada em julho de 1895, poucos dias depois de se ter oferecido ao amor misericordioso: "Ardia em amor e sentia que um minuto, um segundo a mais, não teria podido aguentar este ardor sem morrer" (Caderno Amarelo, 07/07/1897). Perto da sua morte, o amor ardente evoluiu para a missão:

Eis a minha oração. Peço a Jesus que me atraia para as chamas do seu amor, que me una tão estreitamente a Ele, que viva e atue em mim. Estou certa de que quanto mais o fogo do amor abrasar o meu coração, tanto mais eu direi: "Atraí-me"; e mais as almas que se aproximarem de mim (pobre pedacito de ferro inútil, se me afastasse do braseiro divino) correrão, ligeiras, ao odor dos perfumes do seu Bem-Amado, pois uma alma abrasada de amor não pode ficar inativa. (Manuscrito C, 36v)

Para um seminarista, isso é quase um programa de formação!

Thérèse aux roses, da irmã Genoveva da Santa Face (Céline Martin no século), 1925 (imagem disponível nos Archives du Carmel de Lisieux).
Thérèse aux roses, quadro da irmã Genoveva da Santa Face (Céline Martin no século), 1925 (imagem disponível nos Archives du Carmel de Lisieux).

Ainda assim, creio que mudar a pintura não basta para diferença, daí que em lugar de estrelas ponha rosas, o atributo icônico de Santa Teresinha: "Depois da minha morte, farei cair uma chuva de rosas" (Caderno Amarelo, 09/06/1897), isto é, os múltiplos efeitos do seu testemunho. O ouro do mantelado não só completa a referência ao fogo, mas também remete a rosa no campo àquela que Pio XI lhe ofereceu aos 30 de setembro de 1925, a primeira festa da sua memória após a canonização (4).

Enfim, a divisa é a citação que o próprio Francisco escolheu para iniciar a sua exortação apostólica sobre o amor misericordioso de Deus por ocasião do 150.º aniversário natalício de Santa Teresinha: "Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor" (Carta 197). Mesmo o uso da língua vulgar, em vez do solene latim, encaminha à "pequenez" ensinada pela Doutora da Caridade (5) os futuros sacerdotes da diocese mossoroense.

Notas:
(1) Moçoró é o nome que o rio Apodi recebe no seu curso baixo. Escrevo-o com ç, obedecendo ao que preceitua a ortografia do português no Brasil desde 1943, em contraposição ao nome do município, que preserva o dígrafo ss por tradição. A cidade de Areia Branca, junto à margem direita da foz, desenvolveu-se desde 1867 a partir da atividade portuária.
(2) Dom Jaime Câmara permaneceu na sé de Mossoró até 1941, quando Pio XII o nomeou arcebispo de Belém do Pará, mas em 1943 o transferiu para a arquidiocese do Rio de Janeiro e em 1946 o criou cardeal do título dos Santos Bonifácio e Aleixo.
(3) É claro que essa afirmação precisa de ponderação. Além do Ir. Paulo Lachenmayer, Víctor Hugo Carneiro Lopes, seu discípulo, criou brasões ótimos e tem havido outros bons heraldistas no país, mas com a difusão dos programas de design gráfico tem aparecido muita coisa ruim, proliferada por designers que ou não demonstram domínio mínimo da heráldica ou cedem aos caprichos do cliente.
(4) Teresinha foi beatificada em 1923 por Pio XI e canonizada em 1925 por ele mesmo. A Rosa de Ouro é uma honraria que os pontífices romanos têm oferecido desde o século XI: a dinastas, homens ou mulheres, e igrejas até 1780, a mulheres dinastas (Leão XIII a ofereceu à princesa Dona Isabel pela abolição da escravidão em 1888) e igrejas até 1956, somente igrejas (especialmente santuários marianos) até o presente. A oferta a Santa Teresinha foi a única póstuma e a pessoa plebeia.
(5) Santa Teresinha foi proclamada doutora da Igreja por São João Paulo II em 1997, dois meses depois da XII Jornada Mundial da Juventude, em Paris.

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