Séries de postagens

28/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA A UNICATÓLICA DO RN

A heráldica tem a capacidade de não só identificar, mas também dizer algo sobre o identificado.

Quando comecei a escrever a postagem antecedente, foi intenção minha propor brasão de armas à UniCatólica do RN, mas ao alcançar o Seminário Santa Teresinha no percurso educacional da mitra mossoroense, percebi que essa casa ainda não dispõe de tal identificador. Senti-me, então, interpelado a fazer uma proposta, depois da qual venho retomar o fio.

Proposta de brasão para a UniCatólica do RN: de azul com uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três estrelas de seis raios do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini.
Proposta de brasão para a UniCatólica do RN: de azul com uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três rosas do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini.

Se Mossoró tivesse continuado a depender do comércio que a impulsou desde o sétimo decênio do século XIX, teria definhado, porque a navegação costeira que o abastecia decaiu à medida que outros meios de transporte se desenvolveram. Ao invés disso, o escoamento do algodão sertanejo e do sal marinho através da ferrovia que ligou o porto à cidade em 1915 e adentrou o sertão até Sousa (PB), aonde chegou em 1951, dilatou a prosperidade.

Contudo, a cotonicultura também declinou e a salicultura mecanizou-se. Em resposta, o prefeito Raimundo Soares de Sousa arrojou-se a criar duas instituições de ensino superior: a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) em 1967 e a Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte (FURRN) no ano seguinte. A União incorporou a ESAM em 1969 e a transformou em Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) em 2005. A FURRN foi incorporada pelo estado em 1987, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) em 1993 e renomeada Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em 1999. A elas, somou-se a Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) que a Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) abriu aí em 1994 (Centro Federal de Educação Tecnológica — CEFET-RN — desde 1999), campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN) desde 2008.

O investimento em educação propiciou a Mossoró tornar-se um polo industrial (além da salicultura, sobrevieram a extração de petróleo e a fruticultura irrigada) e prestador de serviços. E ainda que em tempos recentes tenha sofrido, como todo o país, desindustrialização, parece que a transformação em cidade universitária está consolidada, tanto que em 2005 por iniciativa de Dom Mariano Manzana, sexto bispo, com o fito de ampliar o ensino superior na cidade se estatuiu a Fundação Santa Teresinha de Mossoró.

Em 2006, a fundação (depois associação) requereu ao MEC o credenciamento da Faculdade Diocesana de Mossoró (FDM), o que obteve em 2009, mediante a Portaria n.º 584, de 17 de junho. No ano seguinte, a oferta do bacharelado em teologia deu início às atividades acadêmicas. Isso perfez a formação do seminário maior, mas não parou aí. Em 2018, quando assumiu o nome de Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), já oferecia oito cursos de graduação e quinze de pós-graduação lato sensuFinalmente, pela Portaria n.º 385, de 22 de abril de 2024, o MEC credenciou o centro universitário Católica do Rio Grande do Norte (UniCatólica do RN) por transformação da FCRN (1). O número de bacharelados subiu a nove e o de especializações, a 31.

Marca da UniCatólica do RN.
Marca da UniCatólica do RN.

Originariamente, a Faculdade Diocesana adotou um emblema "insignoide", isto é, parece um brasão, porque apresenta um escudo, mas não obedece ao código heráldico (cf. o perfil da instituição no Facebook). Depois, procurou-se "heraldizá-lo", mas ainda ficou muito "logotipado": em campo de azul uma cruz adestrada de prata (até aqui, tudo bem; ou talvez ainda se devesse especificar a sua estreiteza)... Mas como descrever as figuras? Uma sombra de livro aberto? Um ichthys? E os não menos estilizados suportes: são ramos de que espécie? Sem dúvida, melhorou muito, mas ainda é um desenho, não um brasão (2).

Apesar da referida melhoria, o emblema atual é inexpressivo e é fácil arguir por quê: uma cruz, um livro e um peixe podem representar qualquer instituto católico ou mesmo qualquer um que se diga cristão, onde quer que seja. Desde a Idade Moderna, o emblema heráldico avantaja outros porque não só identifica alguém, como também é capaz de exprimir algo sobre o identificado. É o desperdício dessa capacidade que causa inexpressão.

Pelo razoado, proponho para a UniCatólica do RN em campo de azul uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três rosas do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini. Explico.

Proposta de brasão para a UniCatólica do RN com alteração da divisa.
Proposta de brasão para a UniCatólica do RN com alteração da divisa.

Todavia, acho conveniente manter o que pode ser mantido para não impactar demais a identidade visual da instituição. Deixo, pois, o campo de azul e as figuras principais de prata, mas ilumino as secundárias de ouro para evitar a percepção de desenho monocromático sobre fundo branco, que contribui com a aparência "logotipada". Copio, ainda, a divisa (3), embora a julgue demasiado longa para tal: dez sílabas. Teria preferido uma sentença mais breve e que dissesse algo sobre luz, de modo a lembrar Santa Luzia, como Lux vera in mundum ("A luz verdadeira para o mundo", João, 1, 9). Isso, a propósito, resumiria bem a missão da UniCatólica:

Educar para a cidadania, a verdade e a justiça, formando uma consciência mais profunda do sentido do Ser Humano no mundo, à luz dos princípios evangélicos e da ética cristã.

Precisamente por falta de referência à protetora dos mossoroenses e patrona do bispado, decussei uma tocha acesa e uma palma. Duas figuras familiares: a primeira, símbolo do conhecimento, está no brasão do Colégio Diocesano Santa Luzia (4); a segunda, símbolo do martírio, no da diocese. Delineia-se, destarte, uma mensagem: uma casa de educação que de algum modo se vincula a certo santo mártir.

Não obstante, como entre a UniCatólica e o seminário há um laço de família, que o próprio nome da mantenedora patenteia, enxergo no campo espaço bastante para se fazer uma justa alusão a Santa Teresinha. Acrescento, então, três rosas, à semelhança das três estrelas que carregam as armas da Ordem do Carmo (cf. a citada postagem antecedente). Completa-se a mensagem: uma casa de educação que tem vínculos com certo santo mártir e com a santa carmelita das rosas (5).

Por último, não vejo necessidade de timbre nem de suportes. Se um dia o centro universitário se transformar em universidade e vier receber o honroso título de pontifícia, fará jus à tiara por cima do escudo e às chaves sob ele (6). Vegetais ao redor francamente me parecem supérfluos.

Notas:
(1) As organizações acadêmicas das instituições de ensino superior estão estabelecidas pelo Decreto n.º 9.235, de 15 de dezembro de 2017. À diferença da faculdade, o centro universitário, por cumprir certos requisitos quantitativos e qualitativos, goza de autonomia didático-científica.
(2) Um brasão é definido pela possibilidade de ser descrito em linguagem heráldica (o brasonamento), a qual obedece a um conjunto de regras, como uma espécie de gramática.
(3) Trata-se do versículo final da 2.ª Carta de São Pedro (3, 18): "Crescite vero in gratia et in cognitione Domini nostri et Salvatoris Jesu Christi" ("Procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo").
(4) Como se terá percebido, o CDSL possui um emblema razoável e mesmo descritível em linguagem heráldica, mas o desenho usado atualmente pela escola está muito "logotipado": um tocha acesa entre dois monogramas, CD à destra e SL à sinistra, tudo de prata (?), em campo de azul (?).
(5) Em 1712, os carmelitas do Convento do Recife assumiram a missão do Apodi, que os jesuítas tinham fundado em 1700. Passaram a assistir a população de toda a ribeira, inclusive na capela da Fazenda Santa Luzia, que deu origem a Mossoró. Se Dom Jaime de Barros Câmara, primeiro bispo, não sabia disso, foi uma feliz coincidência a fundação do seminário sob o patronato de Santa Teresinha, herdado pela mantenedora da UniCatólica.
(6) Poder-se-ia aventar a conveniência de timbrar o escudo com mitra, mas isso não se pratica, porque a natureza jurídica de uma instituição católica de ensino superior é, afinal, civil.

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