30/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA A ESCOLA DIACONAL SANTO ESTÊVÃO

Na igreja, a combinação de peças e figuras com metais e cores tem grande capacidade expressiva.

Durante a pandemia da Covid-19, o arcebispo de Natal e os bispos de Mossoró e Caicó mostraram uma unidade que eu mesmo nunca tinha visto: todas as medidas que visavam à segurança sanitária do povo foram tomadas de comum acordo desde o início até o fim daquele período. E embora os três estejam hoje noutras fases dos seus ministérios, é bom ver que os seus sucessores mantêm esse espírito, graças ao qual se está, por exemplo, estudando a criação de uma sé episcopal em Assu (cf. a postagem de 12/08).

Proposta de brasão para a Escola Diaconal Santo Estêvão: de prata com uma aspa de vermelho, carregada de um sol e quatro besantes, tudo de ouro, o sol sobrecarregado de um crisma da aspa; timbre: mitra; divisa: Ὡς μάρτυς στεφθείς.
Proposta de brasão para a Escola Diaconal Santo Estêvão: de prata com uma aspa de vermelho, carregada de um sol e quatro besantes, tudo de ouro, o sol sobrecarregado de um crisma da aspa; timbre: mitra; divisa: Ὡς μάρτυς στεφθείς.

Ao mesmo tempo, cada uma das circunscrições desta província eclesiástica vem de certa história e vive uma realidade particular. Assim, o bispado de Mossoró seguiu uma vocação educativa que partiu do Colégio Diocesano Santa Luzia, passou pelo Seminário Santa Teresinha e chegou ao centro universitário Católica do Rio Grande do Norte (cf. as postagens antecedente e de 26/08). O de Caicó, menor em território e população, conseguiu erigir ao menos uma igreja matriz em cada município que pastoreia e mais de uma em Caicó e Currais Novos (lá oito e cá três). Em contraposição, esses fatores até hoje desafiam a mitra de Natal.

Também a seu modo cada ordinário tem afrontado tais desafios. Dom Heitor de Araújo Sales, nomeado quarto arcebispo por São João Paulo II em 1993, deu prioridade à formação do clero: até o fim daquela década retomou, reformou e ampliou a sede do Seminário São Pedro, que Dom Marcolino Dantas edificara originalmente em 1933, aonde voltaram tanto os estudantes de filosofia como os de teologia. Em reconhecimento desse esforço, a faculdade dessas duas disciplinas que o antigo Instituto de Teologia Pastoral de Natal (ITEPAN) manteve de 2010 a 2018 recebeu o seu nome.

Com efeito, Dom Heitor viera de Caicó, cuja diocese governava desde 1978, quando São Paulo VI o elegera quarto bispo. Lá não só reabriu o Seminário Santo Cura d'Ars, mas em 1987 ordenou o primeiro diácono permanente do Rio Grande do Norte. A iniciativa de formar homens para essa ordem, restaurada pela constituição dogmática Lumen gentium no bojo do Concílio Vaticano II (1964), partira do Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo, seu vigário-geral.

Tendo, pois, colhido os benefícios do diaconado permanente no sertão, Dom Heitor resolveu semeá-los na metrópole, onde havia, a propósito, maior necessidade: só a conurbação Natal–Parnamirim saltou de 670 para 837 mil habitantes entre 1991 e 2000. Fundou, portanto, aos 7 de maio de 1995 a Escola Diaconal Santo Estêvão, cuja frutificação é impressionante: atualmente, a arquidiocese de Natal dispõe de 120 diáconos permanentes. A maioria são homens casados e moradores das paróquias onde exercem o seu ministério.

Em 20/07/2021, fiz uma proposta de brasão para a Escola Diaconal Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo, em Caicó. Ao ver que a homóloga natalense tampouco possui um, quis estender o fio que venho tecendo do dia 12 para cá. Proponho-lhe, então, em campo de prata uma aspa de vermelho, carregada de um sol e quatro besantes, tudo de ouro, o sol sobrecarregado de um crisma da aspa; timbre: mitra; divisa: Ὡς μάρτυς στεφθείς. Explico.

Armas de Dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal: de prata com uma asna de azul, carregada de uma concha aberta do campo, sobrecarregada de uma pérola do mesmo, e quatro besantes de ouro; insígnias de arcebispo metropolita; divisa: Unitate, pace, gaudio.
Armas de Dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal: de prata com uma asna de azul, carregada de uma concha aberta do campo, sobrecarregada de uma pérola do mesmo, e quatro besantes de ouro; insígnias de arcebispo metropolita; divisa: Unitate, pace, gaudio.

A aspa e os besantes homenageiam Dom Heitor, que traz as armas dos Araújos, diferençadas pela troca do besante central por outra figura: em campo de prata uma asna de azul, carregada de uma concha aberta do campo, sobrecarregada de uma pérola do mesmo, e quatro besantes de ouro. Ainda que nascido em São José de Mipibu, o irmão mais novo de Dom Eugênio Cardeal Sales descende dos Araújos do Seridó, cuja padroeira é Sant'Ana, assinalada pela concha com a pérola, como nas armas diocesanas. A sé caicoense foi, afinal, a sua primeira.

Não obstante, podem-se igualmente interpretar os quatro besantes como os evangelistas, por isso no centro da aspa, que também sugere uma cruz inclinada, pus o Cristo (ΧΡΙΣΤΟΣ), "o sol nascente do alto" (Lucas, 1, 78). Com efeito, a proclamação do Evangelho é uma das funções mais emblemáticas do diácono, daí que, insolitamente, tenha ideado um lema em grego, a língua do Novo Testamento. Lê-se Hōs mártys stephtheís, significa "Como testemunha coroado" e refere a Santo Estêvão, cujo nome (Stéphanos) quer dizer 'coroa' e tem o título de protomártir, porque foi o primeiro da cristandade. Justamente em sinal do martírio pinto a aspa de vermelho.

Em síntese, os quatro textos convergem, formando uma só Palavra, que tem sido propagada pelo sangue dos mártires desde que, segundo os Atos dos Apóstolos (6; 7, 54–60), apedrejaram Estêvão, um dos sete homens de boa reputação (ándres martyroúmenoi, viri boni testimonii) que os apóstolos tinham escolhido para o atendimento diário da comunidade (diakonía kathēmerinē, ministerium cotidianum). Mas mesmo sem matança, cada cristão — especialmente o diácono — poderá ser coroado em virtude do seu testemunho (martyría). A mitra marca, enfim, a natureza eclesiástica do instituto e a jurisdição arquiepiscopal.

28/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA A UNICATÓLICA DO RN

A heráldica tem a capacidade de não só identificar, mas também dizer algo sobre o identificado.

Quando comecei a escrever a postagem antecedente, foi intenção minha propor brasão de armas à UniCatólica do RN, mas ao alcançar o Seminário Santa Teresinha no percurso educacional da mitra mossoroense, percebi que essa casa ainda não dispõe de tal identificador. Senti-me, então, interpelado a fazer uma proposta, depois da qual venho retomar o fio.

Proposta de brasão para a UniCatólica do RN: de azul com uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três estrelas de seis raios do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini.
Proposta de brasão para a UniCatólica do RN: de azul com uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três rosas do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini.

Se Mossoró tivesse continuado a depender do comércio que a impulsou desde o sétimo decênio do século XIX, teria definhado, porque a navegação costeira que o abastecia decaiu à medida que outros meios de transporte se desenvolveram. Ao invés disso, o escoamento do algodão sertanejo e do sal marinho através da ferrovia que ligou o porto à cidade em 1915 e adentrou o sertão até Sousa (PB), aonde chegou em 1951, dilatou a prosperidade.

Contudo, a cotonicultura também declinou e a salicultura mecanizou-se. Em resposta, o prefeito Raimundo Soares de Sousa arrojou-se a criar duas instituições de ensino superior: a Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM) em 1967 e a Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte (FURRN) no ano seguinte. A União incorporou a ESAM em 1969 e a transformou em Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) em 2005. A FURRN foi incorporada pelo estado em 1987, reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) em 1993 e renomeada Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em 1999. A elas, somou-se a Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) que a Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) abriu aí em 1994 (Centro Federal de Educação Tecnológica — CEFET-RN — desde 1999), campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN) desde 2008.

O investimento em educação propiciou a Mossoró tornar-se um polo industrial (além da salicultura, sobrevieram a extração de petróleo e a fruticultura irrigada) e prestador de serviços. E ainda que em tempos recentes tenha sofrido, como todo o país, desindustrialização, parece que a transformação em cidade universitária está consolidada, tanto que em 2005 por iniciativa de Dom Mariano Manzana, sexto bispo, com o fito de ampliar o ensino superior na cidade se estatuiu a Fundação Santa Teresinha de Mossoró.

Em 2006, a fundação (depois associação) requereu ao MEC o credenciamento da Faculdade Diocesana de Mossoró (FDM), o que obteve em 2009, mediante a Portaria n.º 584, de 17 de junho. No ano seguinte, a oferta do bacharelado em teologia deu início às atividades acadêmicas. Isso perfez a formação do seminário maior, mas não parou aí. Em 2018, quando assumiu o nome de Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), já oferecia oito cursos de graduação e quinze de pós-graduação lato sensuFinalmente, pela Portaria n.º 385, de 22 de abril de 2024, o MEC credenciou o centro universitário Católica do Rio Grande do Norte (UniCatólica do RN) por transformação da FCRN (1). O número de bacharelados subiu a nove e o de especializações, a 31.

Marca da UniCatólica do RN.
Marca da UniCatólica do RN.

Originariamente, a Faculdade Diocesana adotou um emblema "insignoide", isto é, parece um brasão, porque apresenta um escudo, mas não obedece ao código heráldico (cf. o perfil da instituição no Facebook). Depois, procurou-se "heraldizá-lo", mas ainda ficou muito "logotipado": em campo de azul uma cruz adestrada de prata (até aqui, tudo bem; ou talvez ainda se devesse especificar a sua estreiteza)... Mas como descrever as figuras? Uma sombra de livro aberto? Um ichthys? E os não menos estilizados suportes: são ramos de que espécie? Sem dúvida, melhorou muito, mas ainda é um desenho, não um brasão (2).

Apesar da referida melhoria, o emblema atual é inexpressivo e é fácil arguir por quê: uma cruz, um livro e um peixe podem representar qualquer instituto católico ou mesmo qualquer um que se diga cristão, onde quer que seja. Desde a Idade Moderna, o emblema heráldico avantaja outros porque não só identifica alguém, como também é capaz de exprimir algo sobre o identificado. É o desperdício dessa capacidade que causa inexpressão.

Pelo razoado, proponho para a UniCatólica do RN em campo de azul uma tocha de prata, acesa de ouro, e uma palma do segundo, passadas em aspa e acompanhadas de três rosas do terceiro; divisa: Crescite in gratia Domini. Explico.

Proposta de brasão para a UniCatólica do RN com alteração da divisa.
Proposta de brasão para a UniCatólica do RN com alteração da divisa.

Todavia, acho conveniente manter o que pode ser mantido para não impactar demais a identidade visual da instituição. Deixo, pois, o campo de azul e as figuras principais de prata, mas ilumino as secundárias de ouro para evitar a percepção de desenho monocromático sobre fundo branco, que contribui com a aparência "logotipada". Copio, ainda, a divisa (3), embora a julgue demasiado longa para tal: dez sílabas. Teria preferido uma sentença mais breve e que dissesse algo sobre luz, de modo a lembrar Santa Luzia, como Lux vera in mundum ("A luz verdadeira para o mundo", João, 1, 9). Isso, a propósito, resumiria bem a missão da UniCatólica:

Educar para a cidadania, a verdade e a justiça, formando uma consciência mais profunda do sentido do Ser Humano no mundo, à luz dos princípios evangélicos e da ética cristã.

Precisamente por falta de referência à protetora dos mossoroenses e patrona do bispado, decussei uma tocha acesa e uma palma. Duas figuras familiares: a primeira, símbolo do conhecimento, está no brasão do Colégio Diocesano Santa Luzia (4); a segunda, símbolo do martírio, no da diocese. Delineia-se, destarte, uma mensagem: uma casa de educação que de algum modo se vincula a certo santo mártir.

Não obstante, como entre a UniCatólica e o seminário há um laço de família, que o próprio nome da mantenedora patenteia, enxergo no campo espaço bastante para se fazer uma justa alusão a Santa Teresinha. Acrescento, então, três rosas, à semelhança das três estrelas que carregam as armas da Ordem do Carmo (cf. a citada postagem antecedente). Completa-se a mensagem: uma casa de educação que tem vínculos com certo santo mártir e com a santa carmelita das rosas (5).

Por último, não vejo necessidade de timbre nem de suportes. Se um dia o centro universitário se transformar em universidade e vier receber o honroso título de pontifícia, fará jus à tiara por cima do escudo e às chaves sob ele (6). Vegetais ao redor francamente me parecem supérfluos.

Notas:
(1) As organizações acadêmicas das instituições de ensino superior estão estabelecidas pelo Decreto n.º 9.235, de 15 de dezembro de 2017. À diferença da faculdade, o centro universitário, por cumprir certos requisitos quantitativos e qualitativos, goza de autonomia didático-científica.
(2) Um brasão é definido pela possibilidade de ser descrito em linguagem heráldica (o brasonamento), a qual obedece a um conjunto de regras, como uma espécie de gramática.
(3) Trata-se do versículo final da 2.ª Carta de São Pedro (3, 18): "Crescite vero in gratia et in cognitione Domini nostri et Salvatoris Jesu Christi" ("Procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo").
(4) Como se terá percebido, o CDSL possui um emblema razoável e mesmo descritível em linguagem heráldica, mas o desenho usado atualmente pela escola está muito "logotipado": um tocha acesa entre dois monogramas, CD à destra e SL à sinistra, tudo de prata (?), em campo de azul (?).
(5) Em 1712, os carmelitas do Convento do Recife assumiram a missão do Apodi, que os jesuítas tinham fundado em 1700. Passaram a assistir a população de toda a ribeira, inclusive na capela da Fazenda Santa Luzia, que deu origem a Mossoró. Se Dom Jaime de Barros Câmara, primeiro bispo, não sabia disso, foi uma feliz coincidência a fundação do seminário sob o patronato de Santa Teresinha, herdado pela mantenedora da UniCatólica.
(6) Poder-se-ia aventar a conveniência de timbrar o escudo com mitra, mas isso não se pratica, porque a natureza jurídica de uma instituição católica de ensino superior é, afinal, civil.

26/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA O SEMINÁRIO SANTA TERESINHA

A heráldica é muito pertinente à expressão de vocações e missões.

A vocação educativa da diocese mossoroense antecede por longo tempo a sua própria criação. Em 1901, Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, primeiro bispo da Paraíba, cuja jurisdição abrangia esse estado e o Rio Grande do Norte, fundou o Educandário Santa Luzia. Começou com 42 alunos no curso primário e 17 no secundário. Em 2023, o Colégio Diocesano teve 1.688 matrículas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.

Proposta de brasão para o Seminário Diocesano Santa Teresinha: de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança.
Proposta de brasão para o Seminário Diocesano Santa Teresinha: de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança.

Quando os portugueses venceram a resistência indígena na chamada Guerra dos Bárbaros (1687–1712) e começaram a povoar a ribeira do Apodi, nada predizia que ao redor da capela edificada em 1772 por Antônio de Sousa Machado, dono da Fazenda Santa Luzia, cresceria uma povoação que alcançaria quase 265 mil habitantes em 2022. Com efeito, antes da ereção dessa capela a igreja matriz em 1842 e do povoado a vila em 1852, já havia cinco freguesias e três municípios na dita ribeira: Pau dos Ferros (1756), Portalegre (1761; vila desde o mesmo ano), Apodi (1766; vila desde 1833), Campo Grande (1837) e Martins (1840; vila da Maioridade desde 1841 e cidade da Imperatriz desde 1847).

Mossoró desenvolveu-se rapidamente a partir de 1857, quando a Companhia Pernambucana de Navegação Costeira passou a fazer escala ordinária no porto que lhe prestava a barra do Moçoró (1). Na sua praça, vendiam-se produtos agrícolas, exportados não só da ribeira, mas dos sertões vizinhos no Ceará e na Paraíba, e compravam-se produtos manufaturados, importados do Recife. Já em 1870, o progresso valeu-lhe o título de cidade.

Portanto, foi um promissor centro regional que Dom Adauto viu ao visitar a paróquia de Santa Luzia em 1900. Dez anos após a extinção do padroado, que comportara, por um lado, o fim do amparo estatal e, pelo outro, o começo da liberdade de ação, a igreja no Brasil ainda se reorganizava. Uma das estratégias foi a fundação de escolas, que tanto atendiam a uma demanda social (por ausência do estado) como asseguravam apropriada catequese dos futuros governantes (afinal só os mais ricos conseguiam manter os filhos em tais estabelecimentos). Outra estratégia foi a criação de dioceses.

Assim, 25 anos depois de o território potiguar ter sido desmembrado da diocese da Paraíba para a instituição da diocese de Natal, isto é, em 1934, o papa Pio XI criou o bispado de Mossoró, cuja jurisdição abarca as paróquias ao oeste do rio Açu (cf. a postagem de 23/04/21). E como uma diocese requer um seminário, já em 1937 Dom Jaime de Barros Câmara, primeiro bispo (2), abriu um sob o patronato de Santa Teresa do Menino Jesus. Apesar disso, muitas gerações de presbíteros tiveram de concluir a sua formação fora de Mossoró, pois tardou até o pastoreio de Dom Mariano Manzana, sexto bispo, a abertura do seminário maior: o curso de filosofia desde 2006 e o de teologia desde 2010.

Contudo, até hoje falta ao seminário de Mossoró um brasão. Não é, claro, uma coisa necessária, mas como expus na postagem de 12/08, desde que o irmão Paulo Lachenmayer, O.S.B., trouxe perspectivas novas à armaria nacional, as comunidades eclesiais brasileiras têm feito bom proveito da heráldica (3), tanto que os dois outros seminários norte-rio-grandenses — o Arquidiocesano São Pedro, em Natal, e o Diocesano Santo Cura d'Ars, em Caicó — possuem as suas armas.

Para o Seminário Diocesano Santa Teresinha proponho, pois, um escudo de vermelho, mantelado em cruz de ouro, com três rosas de um no outro; timbre: mitra; divisa: Só a confiança. Explico.

A eleição de um santo padroeiro por certa comunidade não é um ato fortuito de nomeação. Surge, normalmente, de uma devoção, a qual é, à sua vez, inspirada pelo testemunho do santo. No caso da irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (Marie-Françoise-Thérèse Martin no século, 1873–97), esse testemunho é o amor misericordioso, que o carisma contemplativo do Carmelo lhe propiciou discernir.

Armas da Ordem do Carmo.
Armas da Ordem do Carmo: da cor do hábito carmelita, mantelado (em cruz) de prata, com três estrelas de um no outro; coroa real; timbre: um braço vestido do mesmo hábito, empunhando uma espada levantada e inflamada e doze estrelas em arco; divisa: Zelo zelatus sum pro Domino Deo Exercituum.

A Ordem do Carmo traz um escudo da cor do seu hábito, mantelado de prata (às vezes em cruz), com três estrelas de um no outro. Como o seminário não é um instituto carmelita, usar simplesmente de tais armas seria usurpação. Assim, comecei por trocar a cor do campo, afinal ela repele o código heráldico, que se cinge a cinco: vermelho, azul, negro, verde e púrpura.

Ainda que o vermelho esteja vinculado à Paixão do Senhor e ao martírio, é ademais a cor do Espírito Santo, que desceu como fogo em Pentecostes. Com efeito, Santa Teresinha evoca amiúde nos seus escritos esse elemento, no qual se sentiu mergulhada em julho de 1895, poucos dias depois de se ter oferecido ao amor misericordioso: "Ardia em amor e sentia que um minuto, um segundo a mais, não teria podido aguentar este ardor sem morrer" (Caderno Amarelo, 07/07/1897). Perto da sua morte, o amor ardente evoluiu para a missão:

Eis a minha oração. Peço a Jesus que me atraia para as chamas do seu amor, que me una tão estreitamente a Ele, que viva e atue em mim. Estou certa de que quanto mais o fogo do amor abrasar o meu coração, tanto mais eu direi: "Atraí-me"; e mais as almas que se aproximarem de mim (pobre pedacito de ferro inútil, se me afastasse do braseiro divino) correrão, ligeiras, ao odor dos perfumes do seu Bem-Amado, pois uma alma abrasada de amor não pode ficar inativa. (Manuscrito C, 36v)

Para um seminarista, isso é quase um programa de formação!

Thérèse aux roses, da irmã Genoveva da Santa Face (Céline Martin no século), 1925 (imagem disponível nos Archives du Carmel de Lisieux).
Thérèse aux roses, quadro da irmã Genoveva da Santa Face (Céline Martin no século), 1925 (imagem disponível nos Archives du Carmel de Lisieux).

Ainda assim, creio que mudar a pintura não basta para diferença, daí que em lugar de estrelas ponha rosas, o atributo icônico de Santa Teresinha: "Depois da minha morte, farei cair uma chuva de rosas" (Caderno Amarelo, 09/06/1897), isto é, os múltiplos efeitos do seu testemunho. O ouro do mantelado não só completa a referência ao fogo, mas também remete a rosa no campo àquela que Pio XI lhe ofereceu aos 30 de setembro de 1925, a primeira festa da sua memória após a canonização (4).

Enfim, a divisa é a citação que o próprio Francisco escolheu para iniciar a sua exortação apostólica sobre o amor misericordioso de Deus por ocasião do 150.º aniversário natalício de Santa Teresinha: "Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor" (Carta 197). Mesmo o uso da língua vulgar, em vez do solene latim, encaminha à "pequenez" ensinada pela Doutora da Caridade (5) os futuros sacerdotes da diocese mossoroense.

Notas:
(1) Moçoró é o nome que o rio Apodi recebe no seu curso baixo. Escrevo-o com ç, obedecendo ao que preceitua a ortografia do português no Brasil desde 1943, em contraposição ao nome do município, que preserva o dígrafo ss por tradição. A cidade de Areia Branca, junto à margem direita da foz, desenvolveu-se desde 1867 a partir da atividade portuária.
(2) Dom Jaime Câmara permaneceu na sé de Mossoró até 1941, quando Pio XII o nomeou arcebispo de Belém do Pará, mas em 1943 o transferiu para a arquidiocese do Rio de Janeiro e em 1946 o criou cardeal do título dos Santos Bonifácio e Aleixo.
(3) É claro que essa afirmação precisa de ponderação. Além do Ir. Paulo Lachenmayer, Víctor Hugo Carneiro Lopes, seu discípulo, criou brasões ótimos e tem havido outros bons heraldistas no país, mas com a difusão dos programas de design gráfico tem aparecido muita coisa ruim, proliferada por designers que ou não demonstram domínio mínimo da heráldica ou cedem aos caprichos do cliente.
(4) Teresinha foi beatificada em 1923 por Pio XI e canonizada em 1925 por ele mesmo. A Rosa de Ouro é uma honraria que os pontífices romanos têm oferecido desde o século XI: a dinastas, homens ou mulheres, e igrejas até 1780, a mulheres dinastas (Leão XIII a ofereceu à princesa Dona Isabel pela abolição da escravidão em 1888) e igrejas até 1956, somente igrejas (especialmente santuários marianos) até o presente. A oferta a Santa Teresinha foi a única póstuma e a pessoa plebeia.
(5) Santa Teresinha foi proclamada doutora da Igreja por São João Paulo II em 1997, dois meses depois da XII Jornada Mundial da Juventude, em Paris.

16/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA A FUTURA DIOCESE DE ASSU

Assu é a primaz das paróquias joaninas nos sertões do Brasil e sempre pleiteou uma sé episcopal em eventual repartição da província.

O município de Assu tinha 56.496 habitantes em 2022, portanto o nono mais populoso do estado ou o terceiro fora da região metropolitana de Natal. Daí que seja o centro da região geográfica imediata que leva o seu nome. Em 2010, o seu IDH era 0,661 (18.º do estado) e 77,2% da sua população declarava-se católica. Tudo segundo os censos do IBGE.

Proposta de brasão para a futura diocese de Assu: de vermelho com uma cruz de prata, carregada de um coração do primeiro, inflamado ao natural, e cantonada de quatro cadernas de folhas de carnaúba de ouro; timbre: mitra; suportes: uma cruz processional e um báculo passados em aspa sob o escudo.
Proposta de brasão para a futura diocese de Assu: de vermelho com uma cruz de prata, carregada de um coração do primeiro, inflamado ao natural, e cantonada de quatro folhas de carnaúba de ouro; timbre: mitra; suportes: uma cruz processional e um báculo passados em aspa sob o escudo.

Assu fica no vale do rio que lhe dá nome, o qual até a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves se chama, na verdade, Piranhas. Em tupi, quer dizer 'grande', pelo caudal que ganha durante as cheias, e escreve-se com ç, tal como preceitua a ortografia do português no Brasil desde 1943. A prefeitura e a câmara municipal adotam a grafia Assú, o que é inaceitável, porque não se acentua oxítono acabado em u. Sem acento, Assu é tolerável, já que por tradição nalguns topônimos de origem indígena se manteve o dígrafo ss, como em Mossoró, que a rigor se deveria escrever Moçoró.

O arraial do Açu foi fundado em 1696 por Bernardo Vieira de Melo, capitão-mor do Rio Grande do Norte, para assegurar a conquista do sertão, que os portugueses estavam empreendendo contra a resistência indígena durante a chamada Guerra dos Bárbaros (1685–1712). Consta em 1726 que dispunha de vigário, portanto já era cabeça de freguesia (a segunda da capitania). Por concessão de Dom Tomás José de Melo, governador de Pernambuco, aos 11 de agosto de 1788, o arraial foi elevado a Vila Nova da Princesa, em homenagem a Dona Maria Benedita, mulher do príncipe Dom José, o qual veio falecer no mês seguinte. Em 1845, pela Lei n.º 124, de 16 de outubro, elevou-se a cidade de Assu.

Imagem de São João Batista venerada em Assu, RN (a de 1857 fica no retábulo-mor e a outra é um réplica menor; imagem disponível no perfil da paróquia no Facebook).
Imagem de São João Batista venerada em Assu, RN (a de 1857 fica no retábulo-mor e estoutra é um réplica menor; imagem disponível no perfil da paróquia no Facebook).

O orago primitivo do arraial do Açu foi Nossa Senhora dos Prazeres, mas a freguesia sempre esteve, como ainda está, sob o patronato de São João Batista. É provável que os fregueses tenham querido reverenciar o rei Dom João V, como se costumava então. Seja como for, como a sua é a primaz das paróquias joaninas sertanejas, os assuenses ufanam-se de festejar "o São João mais antigo do mundo" (1). A matriz hodierna foi edificada em 1857, quando também o coronel Manuel Lins Vanderlei doou a imagem do padroeiro em tamanho natural.

Por armas à futura diocese de Assu (sobre o seu projeto, leia-se a postagem de 12/08) proponho, pois, em campo de vermelho uma cruz de prata, carregada de um coração do primeiro, inflamado ao natural, e cantonada de quatro folhas de carnaúba de ouroPor insígnias, as do costume: mitra por cima do escudo e sob ele em aspa cruz processional e báculo. Explico.

A cruz de prata em campo de vermelho está consagrada na heráldica como de São João, assim como a sua contrária — de vermelho em campo de prata — é de todos conhecida por cruz de São Jorge. É, afinal, a "bandeira de São João", que empunham os cavaleiros hospitalários, hoje ditos de Malta. Faz-se, destarte, uma alusão ao padroeiro de modo singelo e harmonioso. Fica, ademais, em sintonia com a proposta de brasão para a futura diocese de Santa Cruz (cf. a postagem antecedente) e as armas das dioceses de Mossoró e Caicó.

Bem-Aventurada Lindalva Justo de Oliveira.
Bem-Aventurada Lindalva Justo de Oliveira.

O coração inflamado lembra a Bem-Aventurada Lindalva Justo de Oliveira. Nascida em 1953 no Sítio Malhada da Areia (zona rural de Assu), ingressou em 1987 na Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, cujo emblema é um crucifixo sobre um coração inflamado e radiante. O martírio acabou, porém, abreviando a sua vida: na Sexta-Feira Santa de 1993, um interno do Abrigo Dom Pedro II, em Salvador (BA), onde a vicentina servia havia dois anos, esfaqueou-a porque ela não consentia o assédio dele. Foi beatificada em 2007 pelo papa Bento XVI.

Igreja Matriz de São João Batista em Assu (RN). Observem-se as carnaúbas plantadas na praça (fotografia de Sergio Falcetti, disponível no Flickr).
Igreja Matriz de São João Batista em Assu (RN). Observem-se as carnaúbas plantadas na praça (fotografia de Sergio Falcetti, disponível no Flickr).

Enfim, as folhas referem ao território: os carnaubais crescem por todo o vale do Açu. Essa palmeira (Copernicia prunifera) é símbolo do estado e do município, presentes nos seus brasões. Nas armas estaduais, é um dos suportes; nas municipais, figura duplicada. Poder-se-iam colocar várias folhas em certos arranjos. Preferi a opção mais singela: uma só em cada cantão, por me ter parecido a possibilidade mais elegante e versátil noutras formas de escudo.

Província eclesiástica de Natal. Em tom mais claro, as quatro paróquias da diocese de Mossoró no vale do Açu e o vicariato episcopal Norte 1 da arquidiocese de Natal.
Província eclesiástica de Natal. Em tom mais claro, as quatro paróquias da diocese de Mossoró no vale do Açu e o vicariato episcopal Norte 1 da arquidiocese de Natal.

O padre Flávio Augusto Forte de Melo, pároco de Santa Luzia, em Mossoró, e membro da comissão de estudo, revelou em entrevista à Rádio Rural de Mossoró em 6 de julho que a diocese de Mossoró cederá as suas quatro paróquias no vale do Açu. Se a estas se somar o vicariato episcopal Norte 1 da arquidiocese de Natal, a futura diocese compreenderá dezesseis paróquias, que pastoreiam uma população dispersa por 21 municípios (2). Em termos geográficos, esse território quase coincide com a região imediata de Assu. A defasagem das paróquias em relação aos municípios demonstra que a criação de um novo bispado nessas regiões é oportuna e necessária.

Notas:
(1) A primeira paróquia joanina do Brasil foi criada em 1587 em Cananeia (capitania de São Vicente, hoje estado de São Paulo). Seguiram-se quatro no Rio de Janeiro, todas na costa ou perto dela: São João da Barra (1644), São João de Trairaporanga (1646, depois de Meriti), Itaboraí (1684) e Icaraí (1696).
(2) Nossa Senhora das Graças em Afonso Bezerra, Nossa Senhora do Rosário em Alto do Rodrigues, São José em Angicos (abrange Fernando Pedrosa), São João Batista e São Cristóvão e Bem-Aventurada Lindalva em Assu, Santa Luzia em Carnaubais (abrange Porto do Mangue), Nossa Senhora da Conceição em Guamaré, Nossa Senhora de Lourdes em Ipanguaçu, São Vicente Ferrer em Itajá, Nossa Senhora da Conceição em Lajes (abrange Caiçara do Rio do Vento e Pedra Preta), Nossa Senhora da Conceição em Macau, Divino Espírito Santo em Paraú (abrange Triunfo Potiguar), São Paulo em Pedro Avelino, São João Batista em Pendências, Sant'Ana em Santana do Matos e Nossa Senhora da Conceição em São Rafael. A área pastoral de Bodó pertence à arquidiocese de Natal, mas é administrada pela diocese de Caicó.

14/08/24

PROPOSTA DE BRASÃO PARA A FUTURA DIOCESE DE SANTA CRUZ

Além de centro da sua região imediata, Santa Cruz recebe cada vez mais peregrinos que buscam a intercessão de Santa Rita de Cássia, advogada das causas impossíveis.

O município de Santa Cruz tinha 37.313 habitantes em 2022, portanto o 12.º mais populoso do estado ou o quinto fora da região metropolitana de Natal. Daí que seja o centro da região geográfica imediata que leva o seu nome. Em 2010, o seu IDH era 0,635 (37.º do estado) e 85,2% da sua população declarava-se católica. Tudo segundo os censos do IBGE.

Proposta de brasão para a futura diocese de Santa Cruz: De prata com uma cruz de negro, carregada de uma coroa de espinhos de ouro e cantonada de quatro rosas de vermelho, apontadas de verde e abotoadas de ouro; timbre: mitra; suportes: uma cruz processional e um báculo passados em aspa sob o escudo.
Proposta de brasão para a futura diocese de Santa Cruz: de prata com uma cruz de negro, carregada de uma coroa de espinhos de ouro e cantonada de quatro rosas de vermelho, apontadas de verde e abotoadas de ouro; timbre: mitra; sob o escudo, uma cruz processional e um báculo passados em aspa.

Santa Cruz fica na região do Trairi. Esta era sob o domínio português uma ribeira, isto é, um território cortado por um rio que propiciava a penetração dos colonos sertão adentro através da criação de gado. Na ribeira do Trairi, doaram-se várias sesmarias ao longo do século XVIII. Em 1835, havia finalmente moradores bastantes para pedir ao governo provincial a ereção da capela de Santa Rita, no povoado de Santa Cruz, termo da cidade do Natal, a igreja matriz, o que se fez pela Lei n.º 24, de 27 de março do mesmo ano. Em 1849, a Lei n.º 199, de 27 de junho, transferiu a matriz para a capela de São Bento, no povoado homônimo (hoje Serra de São Bento), que passava também a encabeçar um distrito de paz dentro do município de Goianinha e foi em 1852 elevado a vila. Isso foi revertido em 1858, pela Lei n.º 393, de 24 de agosto, que recriou a freguesia de Santa Rita no termo da vila de São José de Mipibu. Finalmente, pela Lei n.º 777, de 11 de dezembro de 1876, elevou-se o povoado a vila do Trairi e pela Lei n.º 372, de 30 de novembro de 1914, a cidade de Santa Cruz.

É provável que o nome de Santa Cruz se deva às Santas Missões que os frades capuchinhos cumpriam andando pelos sertões. Com efeito, em mais de um lugar a história oral lembra-os chantando cruzeiros, junto aos quais enterravam objetos mundanos e benziam o povo para combater as suas superstições.

Armas municipais de Santa Cruz: de prata com uma cruz alta de vermelho, chantada num monte de verde de três cumes, o do meio mais alto, firmado num rio de prata, aguado de verde; coroa mural de cinco torres de prata; suportes: dois ramos frutados de algodoeiro de sua cor; em listel de vermelho, o nome Santa Cruz e os anos 1876 e 1914, tudo de prata (desenho usado pela prefeitura).
Armas municipais de Santa Cruz (RN): de prata com uma cruz alta de vermelho, chantada num monte de verde de três cumes, o do meio (que sustém a cruz) mais alto, o todo firmado num rio de prata, aguado de verde; coroa mural de cinco torres de prata; suportes: dois ramos frutados de algodoeiro de sua cor; listel de vermelho, carregado do nome Santa Cruz e dos anos 1876 à destra e 1914 à sinistra, tudo de prata (desenho usado pela prefeitura).

Tudo isso se vê bem nas armas municipais. Segundo a prefeitura, foram criadas por Arcinoé Antônio Peixoto de Faria e adotadas em 1977, pela Lei n.º 87, de 26 de janeiro. É um bom brasão: de prata com uma cruz alta de vermelho, chantada num monte de verde de três cumes, o do meio (que sustém a cruz) mais alto, o todo firmado num rio de prata, aguado de verde; coroa mural de cinco torres de prata; suportes: dois ramos frutados de algodoeiro de sua cor; listel de vermelho, carregado do nome Santa Cruz e dos anos 1876 à destra e 1914 à sinistra, tudo de prata.

Santuário de Santa Rita de Cássia em Santa Cruz, RN (imagem disponível no perfil do santuário no Instagram).
Santuário de Santa Rita de Cássia em Santa Cruz, RN (imagem disponível no perfil do santuário no Instagram).

Ao engenhar um brasão para a futura diocese (sobre o projeto desta, leia-se a postagem antecedente), comecei por considerar a profunda devoção dos santa-cruzenses a Santa Rita de Cássia, tanto que em sinal disso sobre um monte ao lado da cidade edificaram um santuário que serve de pedestal a uma estátua da padroeira. Acabada em 2010, é feita de concreto e mede 42 metros de altura, se bem que chega a cinquenta com o resplendor metálico. É a maior do mundo no seu gênero. Está, ainda, em construção um teleférico que ligará a igreja matriz ao santuário.

Margherita Lotti nasceu em 1381 num vilarejo perto de Cascia, então comuna livre dentro do Estado da Igreja, hoje Itália. Por volta de 1407, depois de perder o marido por violência e os dois filhos por doença, entrou no Mosteiro de Santa Maria Madalena (hoje de Santa Rita), onde se fez freira agostinha. Conta-se que na Sexta-Feira Santa de 1442 recebeu um espinho da coroa do Senhor na fronte. A chaga nunca sarou, salvo enquanto peregrinou a Roma para assistir à canonização de São Nicolau de Tolentino. Para a igreja, a estigmatização é um fenômeno pelo qual o orante alcança tal grau de contemplação que passa a participar misticamente da paixão de Cristo. Foi assim, sofrendo sobre o seu leito, que a irmã Rita morreu em 1457.

De acordo com um relato tardio, durante o inverno antes da sua morte, Rita pediu a uma prima que colhesse no horto da casa paterna uma rosa e dois figos, o que terá parecido delírio à parenta. Porém ela achou mesmo em meio à neve tal flor e tais frutos, que assinalavam, segundo a tradição, a salvação do marido e dos filhos da moribunda. Sem dúvida, uma imagem que ilustra bem a fama de advogada de causas impossíveis. Curiosamente, apesar de se terem reputado muitos milagres à intercessão da monja logo depois da sua morte, foi só em 1626 que o papa Urbano VIII a beatificou e em 1900 que Leão XIII a canonizou. Portanto, por longo tempo foi uma santa popular.

Por todo o razoado, para a futura diocese de Santa Cruz proponho em campo de prata uma cruz de negro, carregada de uma coroa de espinhos de ouro e cantonada de quatro rosas de vermelho, apontadas de verde e abotoadas de ouroPor insígnias, as do costume: mitra por cima do escudo e sob ele em aspa cruz processional e báculo. Explico.

Imagem de Santa Rita de Cássia venerada em Santa Cruz, RN (imagem disponível no perfil da paróquia no Instagram).
Imagem e relíquia de Santa Rita de Cássia veneradas em Santa Cruz, RN (imagem disponível no perfil da paróquia no Instagram).

A prata e o negro aludem ao hábito agostinho, que Santa Rita vestiu por quarenta anos. A cruz não só é atributo icônico dessa santa, habitualmente representada olhando para ela ou empunhando-a, mas também é referência ao nome da cidade. A coroa de espinhos lembra o estigma na testa, que à sua vez nos traz à lembrança a humanidade mesma de Deus Filho. As rosas referem ao portento citado, que inculca a advocação de causas impossíveis. Enfim, o escudo condensa a antítese sofrimento–esperança, resumo do exemplo que Santa Rita deu com a sua vida.

Província eclesiástica de Natal. Em tom mais claro, o 8.º zonal do vicariato episcopal Sul 1 e o vicariato Sul 2 da arquidiocese de Natal.
Província eclesiástica de Natal. Em tom mais claro, o 8.º Zonal no vicariato episcopal Sul 1 e o vicariato Sul 2 da arquidiocese de Natal.

Se para formar a futura diocese se desmembrarem o 8.º Zonal no vicariato episcopal Sul 1 e todo o vicariato Sul 2 da arquidiocese de Natal, compreenderá 22 paróquias, que pastoreiam uma população dispersa por 34 municípios (1). Em termos geográficos, esse território quase coincide com as regiões imediatas de Santa Cruz, de Santo Antônio–Passa e Fica–Nova Cruz e de São Paulo do Potengi. A defasagem das paróquias em relação aos municípios demonstra que a criação de um novo bispado nessas regiões é oportuna e necessária.

Nota:
(1) 
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Barcelona (abrange Rui Barbosa), Nossa Senhora da Saúde em Boa Saúde, Nossa Senhora das Dores em Brejinho (abrange Passagem), Nossa Senhora de Lourdes em Campo Redondo (abrange Lajes Pintadas), Nossa Senhora do Amparo em Coronel Ezequiel (abrange Jaçanã), São Sebastião em Japi (abrange São Bento do Trairi), Santa Teresinha em Lagoa d'Anta, São Francisco de Assis em Lagoa de Pedras, Imaculada Conceição em Nova Cruz, Nossa Senhora de Fátima em Passa e Fica, Sagrado Coração de Jesus em Riachuelo, Santa Rita em Santa Cruz, Nossa Senhora da Conceição em Santa Maria (abrange Ielmo Marinho), Nossa Senhora da Conceição em Santo Antônio (abrange Serrinha), São José do Campestre, São Paulo do Potengi (abrange Lagoa de Velhos), São Pedro no município homônimo, Nossa Senhora da Conceição em São Tomé, Nossa Senhora da Conceição em Serra Caiada (abrange Senador Elói de Sousa), São Bento em Serra de São Bento (abrange Monte das Gameleiras), Santa Teresinha em Tangará (abrange Sítio Novo) e São Pedro em Várzea (abrange Jundiá).

12/08/24

ESTUDOS DE NOVAS DIOCESES

Inalterada desde a sua criação, pela primeira vez a proposta de novas dioceses para a província eclesiástica de Natal alcança a fase de estudo.

O Rio Grande do Norte era o quarto estado mais católico do Brasil em 2010, segundo o censo daquele ano (do último ainda não se publicaram os dados sobre religião). Naquele momento, 75,9% da população potiguar declarava-se adepta dessa denominação. Apesar disso, as circunscrições eclesiásticas que a pastoreiam permanecem inalteradas desde 1939. Segundo o censo de 1940, o estado tinha então 768.018 habitantes (98,99% católicos). No censo de 2022, éramos 3.302.729.

Brasões das circunscrições que formam a província eclesiástica de Natal.
Brasões das circunscrições que formam a província eclesiástica de Natal.

Como dissertei na postagem de 23/04/21, o território do Rio Grande do Norte foi desmembrado da diocese da Paraíba em 1909, quando São Pio X criou a diocese de Natal. Em 1934, Pio XI pôs as paróquias ao oeste do rio Piranhas–Açu sob a jurisdição da nova diocese de Mossoró. Em 1939, Pio XII separou de Natal a região do Seridó, delimitada naturalmente pela bacia desse rio, e confiou-a ao novo bispado de Caicó. Por fim, em 1952 o mesmo pontífice elevou o antístite natalense à dignidade arquiepiscopal. Desde então, a província eclesiástica coincide com o estado.

Para se ter uma ideia do quanto evoluiu a realidade pastoral nestes 85 anos, em Natal, cabeça do estado e da província, havia apenas três paróquias: a Catedral de Nossa Senhora da Apresentação na Cidade Alta e as igrejas matrizes de São Pedro no Alecrim e do Bom Jesus das Dores na Ribeira. Hoje somam 41. Com efeito, das três circunscrições a arquidiocese é aquela que mais sofreu crescimento populacional.

Além de abranger uma conurbação populosa, a arquidiocese de Natal continua muito extensa, a maior do Regional Nordeste 2 da CNBB. A paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Macau, que tinha 21.054 fregueses em 2010, dista 184 km da igreja-mãe; a da mesma advocação, em São Rafael, ainda mais: fica a 221 km de distância ou quase três horas e meia de viagem. Enfim, agrava a sobrecarga do metropolita a falta de um bispo auxiliar.

Província eclesiástica de Natal.
Província eclesiástica de Natal.

Na verdade, desde o ano passado têm-se renovado as sés norte-rio-grandenses. Em julho de 2023, o papa Francisco nomeou Dom João Santos Cardoso, então bispo de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, sétimo arcebispo de Natal. Em novembro, Dom Francisco de Sales Alencar Batista, então bispo de Cajazeiras, na Paraíba, sétimo bispo de Mossoró. Os seus antecessores, Dom Jaime Vieira da Rocha e Dom Mariano Manzana, tinham renunciado por idade. Ademais, em abril passado nomeou Dom Antônio Carlos Cruz Santos nono bispo de Petrolina, em Pernambuco. A sé de Caicó ainda está vaga.

A alternância do governo diversifica as perspectivas das quais se afrontam os problemas. Foi assim que na sua primeira carta pastoral, intitulada Naquele que me fortalece e apresentada a 29 de fevereiro, Dom João enuncia o objetivo de "iniciar o processo de criação de uma nova diocese para melhor atender as necessidades específicas das regiões pastorais" (item 165). Não demorou a persegui-lo: a 20 de maio instituiu a comissão de estudo, que instalou a 8 de junho. A notícia espalhou-se mais fortemente desde 22 de maio, festa de Santa Rita de Cássia, padroeira de Santa Cruz. A missa de ação de graças pela instalação da comissão foi celebrada na igreja matriz dessa paróquia, possivelmente futura catedral.

À sua vez, Dom Francisco de Sales anunciou ao fim da missa solene da festa de São João Batista, em Assu, que a mitra de Mossoró tinha aderido ao projeto, de modo a permitir a postulação dessa cidade como sede da outra nova diocese. Foi aí a 18 de julho que a comissão, agora mista (nove presbíteros da arquidiocese natalense mais quatro da diocese mossoroense), se reuniu pela primeira vez. Antes, no dia 2 do mesmo mês, em entrevista à Rádio Jovem Pan, Dom João disse que espera a aprovação das duas dioceses para 2026, quando a paróquia de São João Batista em Assu celebrará o seu tricentenário e o município de Santa Cruz, 150 anos de emancipação.

Sob o padroado, a criação de bispados era um ato da vontade real ou imperial com a confirmação pontifícia. Mesmo após a separação do estado e da igreja, esta ainda possuía vasto patrimônio. Por exemplo, até pouco tempo muita gente usufruía de certos terrenos na condição de foreiro, porque pertenciam ao orago da freguesia. Hoje em dia, a comissão de estudo deve relatar à Santa Sé não só que há necessidade, mas também se há viabilidade, até mesmo edifícios para acomodar a residência episcopal, a cúria diocesana e um seminário.

Portanto, sem nenhum ânimo de pôr o carro na frente dos bois, na próxima postagem e na seguinte farei duas propostas de brasão, uma para a futura diocese de Santa Cruz e a outra para a de Assu. Trata-se, é claro, de meros exercícios num momento de euforia por um noticiário tão empolgante.

Armas das circunscrições da província eclesiástica de Natal em escudos unidos.
Armas das circunscrições da província eclesiástica de Natal em escudos unidos.

Convém, enfim, aproveitar o ensejo para apontar que uma diocese não precisa de brasão. O Código de Direito Canônico estabelece que cada paróquia tenha um selo (cân. 535); no mais, é omisso. Quanto ao funcionamento da cúria diocesana, diz apenas que os documentos devam ser assinados pelo ordinário e pelo chanceler para produzirem efeito jurídico (cân. 474). A própria Sé Apostólica não tem brasão, mas uma insígnia: as chaves petrinas e a tiara pontifícia. (1)

Com efeito, em Portugal e nos seus domínios sempre foram as armas episcopais que marcaram a autoridade do bispo ou a propriedade da mitra, como no antigo aljube de Olinda, cuja fachada ostenta as de Dom Francisco Xavier Aranha, quem o construiu, para dar um exemplo já abordado neste blog. Porém na França e maiormente no Sacro Império, onde vários prelados acumulavam senhorios temporais (entre eles os pariatos e eleitorados eclesiásticos), desenvolveu-se desde cedo uma armaria eclesiástica territorial (cf. a postagem de 21/04/21). Assim, as armas do arcebispado de Colônia, cujo ordinário coroava o rei dos romanos, eram uma cruz de negro em campo de prata, e o arcebispado de Reims, cujo ordinário sagrava o rei da França, trazia de azul, semeado de flores de lis de ouro, com uma cruz de vermelho, brocante sobre tudo.

Armas das circunscrições da província eclesiástica de Natal em escudo composto.
Armas das circunscrições da província eclesiástica de Natal em escudo composto: cortado e meio partido, no primeiro as armas da arquidiocese de Natal, no segundo as da diocese de Mossoró e no terceiro as da diocese de Caicó.

Como se explica, então, que no Brasil se tenha tornado habitual assumirem as circunscrições eclesiásticas brasões de armas? Respondo: graças ao trabalho de um monge alemão no Mosteiro de São Bento da Bahia. Falo, evidentemente, do irmão Paulo Lachenmayer (1903–90). Ele cresceu em Ravensburg, no reino de Württemberg, sob a tutoria do escultor Theodor Schnell. Portanto, tinha boa formação em artes visuais quando chegou a Salvador, apesar da tenra idade (19 anos). Sobre ele, Luís Gardel em Les armoiries ecclésiastiques au Brésil (1962) afirma:

Les années les plus néfastes pour l'art héraldique sont celles comprises entre 1900 et 1935. Signalons seulement trois exemples caractéristiques : les armoiries du 7.ème évêque de Goiás et celles des premiers archevêques d'Olinda et Curitiba.
Cette période calamiteuse prend fin vers 1940, grâce aux efforts d'un héraldiste de génie, le Frère Paulo Lachenmayer O.S.B. Connaisseur profond de notre science et artiste d'un gout irréprochable, le Frère Paulo a renouvelé et remis en honneur au Brésil l'héraldique ecclésiastique. Par ses conseils à plusieurs prélats venus le consulter sur les armoiries qu'ils désiraient prendre, et composant lui-même un grand nombre de blasons, le Frère Paulo a véritablement créé un style d'armoiries et éveillé l'intérêt général pour le blason en tant qu'œuvre d'art. Un nombre de prélats décida bientôt alors d'abandonner leurs anciennes armoiries et d'en adopter de nouvelles, composées suivant les principes et les règles de l'art du blason. (2)

O Ir. Paulo teve um aprendiz (ou passavante em nomenclatura heráldica): Víctor Hugo Carneiro Lopes (1932–2014). Juntos, deixaram-nos este legado: não só as arquidioceses e dioceses, mas boa parte das universidades brasileiras tem ótimas armas. A propósito, de um ou do outro, ou quiçá de ambos, é claramente a autoria dos brasões das circunscrições que formam a província eclesiástica natalense:

  • Arquidiocese de Natal: Talhado de azul e vermelho com uma flor de lis cruzada de prata, brocante sobre a partição e acompanhada de uma estrela de oito raios do mesmo no cantão destro do chefe.
  • Diocese de Mossoró: De prata com uma cruz de vermelho e uma espada do primeiro, empunhada de ouro, e uma palma de verde, passadas em aspa e brocantes sobre a cruz, e um lenço de linho ao natural, carregado de dois olhos do mesmo e brocante sobre tudo.
  • Diocese de Caicó: De azul com uma cruz veirada de vermelho e prata, carregada de uma concha aberta desse metal, sobrecarregada de uma pérola do mesmo.

Oxalá um dia se consiga catalogar as obras desses grandes heraldistas, que se acham dispersas nos arquivos dos armígeros e na posse de particulares.

Notas:
(1) Em campo vermelho, as chaves decussadas e a tiara pontifícia fazem as armas do Vaticano. Ainda que na linguagem corrente vigore a metonímia de se referir um pelo outro, o sujeito de direito público internacional não é o Estado da Cidade do Vaticano, mas sim a Santa Sé. O Vaticano é, propriamente, o território que garante a soberania da Santa Sé, tanto que essa soberania extrapola a muralha leonina, abrangendo uma série de zonas extraterritoriais, e é a Santa Sé que mantém relações diplomáticas com outros sujeitos de direito internacional (cf. a postagem de 23/11/23).
(2) "
Os anos mais nefastos para a arte heráldica são os compreendidos entre 1900 e 1935. Assinalemos somente três exemplos característicos: as armas do 7.º bispo de Goiás e as dos primeiros arcebispos de Olinda e Curitiba. Esse período calamitoso termina por volta de 1940, graças aos esforços de um heraldista de talento, o Irmão Paulo Lachenmayer O.S.B. Conhecedor profundo da nossa ciência e artista de gosto irrepreensível, o Irmão Paulo renovou e repôs em lugar de honra no Brasil a heráldica eclesiástica. Pelos seus conselhos a vários prelados que foram consultá-lo sobre as armas que desejavam assumir, e compondo ele mesmo grande número de brasões, o Irmão Paulo criou verdadeiramente um estilo de armas e despertou o interesse geral pelo brasão enquanto obra de arte. Certo número de prelados logo então decidiu abandonar as suas antigas armas e adotar novas, compostas segundo os princípios e as regras da arte do brasão." (tradução minha)