05/12/22

BICENTENÁRIO DA COROAÇÃO DE DOM PEDRO I: O BRASÃO

O forro da coroa imperial tornou-se uma curiosa panaceia na literatura heráldica brasileira, quando a questão deveria ser um pouco mais apurada.

Armas nacionais no primeiro império com a coroa de Dom Pedro I.
Armas nacionais no primeiro império com a coroa de Dom Pedro I.

Um fato que demonstra o quanto se aproveitou a coroação de Dom Pedro I para se atentar a detalhes que a pressa em fundar um estado independente negligenciara foi a necessária alteração das armas nacionais. A 18 de setembro, quando foram ordenadas, o Brasil ainda era um reino e Dom Pedro, o seu regente. Convinha, pois, trocar a coroa real pela imperial e assim se fez no fausto 1.º de dezembro:

DECRETO DE 1.º DE DEZEMBRO DE 1822
Manda substituir pela coroa imperial a coroa real que se acha sobreposta no escudo das armas.
Havendo sido proclamada com a maior espontaneidade dos povos a independência política do Brasil e a sua elevação à categoria de império pela minha solene aclamação, sagração e coroação como seu Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo, hei por bem ordenar que a coroa real que se acha sobreposta no escudo das armas, estabelecido pelo meu Imperial Decreto de 18 de setembro do corrente ano, seja substituída pela coroa imperial que lhe compete, a fim de corresponder ao grau sublime e glorioso em que se acha constituído este rico e vasto continente.
José Bonifácio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado e meu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessários.
Paço, em o 1.º de dezembro de 1822, 1.º da Independência e do Império.
Com a rubrica de Sua Majestade Imperial.
JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Concluindo esta série de postagens, uma descrição especialmente minuciosa da coroa de Dom Pedro I saiu no suplemento ao n.º 145 da Gazeta do Rio:

Era a coroa de ouro de mais de 22 quilates, levando unicamente a liga suficiente para lhe dar aquele grau de maior rijeza e elasticidade que o torna mais apto para semelhantes peças.
Da aréola que havia de cingir a imperial fronte, de perto de três polegadas de largura, nasciam oito florões e destes, outros tanto imperiais, que elegantemente lançados se iam unir em um ponto correspondente ao central da aréola, sobre cuja juntura se elevava uma esfera armilar do mesmo metal em posição paralela, ficando o polo do sul correspondendo ao zênite, donde saía em remate uma cruz da Ordem de Cristo, com a cruz central aberta. Abaixo de cada um dos florões mencionados, quase ao meio da aréola, sobressaía um escudo das novas armas do Império em elegantíssimo relevo.
A riqueza desta preciosa peça era aumentada de tal modo pela delicadeza da mão d'obra, que se lhe poderia aplicar o Materiam superabat opus, se uma nova riqueza natural não fizesse tão avultada por outro lado a computação da sua estima. Consistia este excessivo aumento de valor nos riquíssimos brilhantes com que era adornada, que se achavam distribuídos na seguinte ordem. Entre cada um dos escudos mencionados se havia colocado em igual altura uma rosa de brilhantes, constando de nove, dos quais o do centro parecia ter na cintura três para quatro linhas de diâmetro e os da circunferência, alguma cousa mais de duas linhas. Sobre cada uma das referidas rosas saía um ornato de ouro, que terminava com outra igual rosa, que ficava levantada entre os imperiais, cada um dos quais era guarnecido logo acima do lugar onde pegava no florão com um veio de brilhantes, que principiando por um da grandeza dos centrais das rosas, iam progressivamente decrescendo até ao nono, onde terminava o ornato, o qual seria uma linha de diâmetro na cintura, vindo assim a haver na dita coroa 216 brilhantes, não entrando neste número o maior de todos, que se achava solitário na aréola abaixo do imperial de diante, o qual figurava ter na cintura quatro para cinco linhas de diâmetro.

Armas nacionais no segundo império com a coroa de Dom Pedro II.
Armas nacionais no segundo império com a coroa de Dom Pedro II.

Quase dezenove anos depois, aquando da coroação de Dom Pedro II, pareceu conveniente equilibrar a inspiração napoleônica e o nativismo que presidiram à fundação do Império. Conservaram-se, pois, a murça e o cetro, mas se fizeram nova veste, novo manto e nova coroa, todos mais conformes à tradição. A confecção da veste seguiu a moda que vogava então nas cortes europeias e combinava-se com uma calça de meia colante e sapatos, portanto nada de botas. O manto pende dos ombros, deixando ver a banda da Imperial Ordem do Cruzeiro a tiracolo; continua semeado de estrelas (de cinco pontas), mas agora alternam com duas figuras heráldicas: a esfera armilar e a serpe. À coroa deu-se uma feição muito mais convencional, com os diademas saindo de trifólios de acanto e convergindo sob um mundo, tudo ornado apenas de brilhantes e pela escultura de folhagens.

Bandeira nacional no segundo império com coroa heráldica.
Bandeira nacional no segundo império com coroa heráldica.

Na literatura heráldica brasileira, há um enorme ruído sobre a coroa como elemento das armas nacionais durante o Império. Alguns transformaram a cor do forro numa verdadeira panaceia: se estiver vermelho, tudo certo! Mas como argui na postagem de 12/09, não é bem assim. Com efeito, quando o objeto não é meramente simbólico, como a coroa que se exibia na aclamação dos reis portugueses ou a que se exibe na proclamação dos reis da Espanha, nada impede que se desenhe certa coroa, seja porque o monarca a cinge seja porque efetivamente representa a Coroa, com letra maiúscula, como a de Santo Eduardo na Grã-Bretanha ou a de Cristiano V na Dinamarca. Por outro lado, uma coroa, enquanto figura heráldica, não é caracterizada apenas pela cor do forro, mas por certo grau de abstração que torna o objeto independente de qualquer modelo concreto.

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