23/06/22

AS QUINTILHAS HERÁLDICAS DE SÁ DE MENESES (IV)

Armas dos Pereiras, Vasconcelos, Melos, Silvas e Albuquerques.

De João Rodríguez de Sá, decrarando alguns escudos d'armas dalgũas linhagens de Portugal que sabia donde vinham.

Armas dos Pereiras: De vermelho com uma cruz florenciada de prata, vazia do campo.
Armas dos Pereiras: De vermelho com uma cruz florenciada de prata, vazia do campo.

Pereiras

A vera cruz verdadeira,
joia de nosso tesouro,
que apereceu ò rei mouro
per milagre na pereira,
da vitória certo agouro,
em títolo de valia
floresce hoje, este dia,
antre a montanha e o mar,
em Cambra, Feira e Ovar,
terra de Santa Maria.

A aparição da cruz faz parte do legendário da Batalha de Las Navas de Tolosa, que é, todavia, mais recente (1212) do que a vida do alegado ascendente que esteve aí: Rodrigo Forjaz, que serviu ao rei Garcia da Galiza.

Essa linhagem descende de Rui Gonçalves, senhor da Quinta de Pereira, no Minho, que viveu nos tempos de Dom Afonso I e Dom Sancho I. Na quarta geração, a casa perdeu essa herdade, mas Álvaro Rodrigues, sobrinho de Vasco Gonçalves, o derradeiro senhor, ganhou de Dom João I a terra de Santa Maria, senhorio que Dom Afonso V elevou a condado da Feira três gerações depois, em 1481, a favor de Rui Pereira. Outro tio desse primeiro senhor da Feira foi arcebispo de Braga: Gonçalo Pereira, cujo filho sacrílego, Álvaro Gonçalves, foi prior da Ordem Hospitalária e o pai de Nuno Álvares Pereira.

Nuno Álvares Pereira é um herói de Portugal. Durante o interregno que se seguiu à morte de Dom Fernando I, apoiou a pretensão do mestre de Avis, pelo qual venceu a Batalha dos Atoleiros em 1284, a primeira da guerra contra a pretensão de João I de Castela. Aclamado rei Dom João I no ano seguinte, nomeou-o condestável de Portugal e deu-lhe o condado de Arraiolos. Comandou, então, o exército em Aljubarrota, a batalha decisiva, após a qual o rei o cumulou com os condados de Ourém e Barcelos, fazendo dele um dos homens mais ricos do reino. Apesar disso, na velhice, mais precisamente em 1422, renunciou ao mundo, tomando o nome de Nuno de Santa Maria e recolhendo-se como donato no convento que ele mesmo edificou em Lisboa e doou à Ordem Carmelita. Morreu em 1431 e foi canonizado pelo papa Bento XVI em 2009.

O Santo Condestável teve três crianças do casamento que seu pai arranjou na sua juventude com Leonor de Alvim, das quais a menina sobreviveu: Beatriz Pereira de Alvim, que casou com Dom Afonso, filho natural de Dom João I e depois duque de Bragança. Daí a cruz florenciada e vazia nas armas do ramo que descende do primogênito do primeiro duque e usa o sobrenome Portugal, como mostrei e expus na postagem de 19/06.

Armas dos Vasconcelos: De negro com três faixas veiradas de prata e vermelho.
Armas dos Vasconcelos: De negro com três faixas veiradas de prata e vermelho.

Vasconcelos

As que mil temores fazem
a quem há de navegar,
vermelhas ondas do mar,
os de Vasconcelos trazem
sobre azul mui singular.
Vasconcelos de Gasconha,
que nunca passou vergonha
em esforço e valentia
no tempo que florescia
nem agora há quem lha ponha.

Vasconcelos é um diminutivo de vasconços, o que indica um lugar povoado por colonos de origem basca. Acertadamente, o poeta diz "Vasconcelos de Gasconha", pois Gasconha vem do latim Vasconia. A linhagem portuguesa tomou o seu nome da Torre de Vasconcelos em Ferreiros, no Minho, cujo primeiro senhor foi Pedro Martins, coetâneo de Dom Sancho I. O senhorio pertenceu à casa até a quarta geração.

Note-se que o poeta refere de uma maneira muito bela ao veirado das armas como "vermelhas ondas do mar", mas erra ao confundir o negro do campo com "azul mui singular".

Armas dos Melos: De vermelho com uma dobre-cruz de ouro, cantonada de seis besantes de prata, e uma bordadura de ouro.
Armas dos Melos: De vermelho com uma dobre-cruz de ouro, cantonada de seis besantes de prata, e uma bordadura de ouro.

Melos

Nom tem liões nem castelos,
mas seis brancas arruelas
e três barras amarelas
o nobre sangue dos Melos,
que suas armas traz nelas.
É o que deles se toma
ser estrangeiros em soma,
donde nom se sabe assaz,
ainda que o nome faz
presomir virem de Roma.

Essa casa descende de Mem Soares, primeiro senhor de Melo, na Beira Alta. Incrivelmente, esse senhorio pertenceu à sua geração até o fim do Antigo Regime.

Apesar do que o poeta diz sobre o nome, Melo vem do latim merulus (por merula), isto é, 'melro', mediante a forma mais antiga merlo.

Armas dos Silvas: De prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho.
Armas dos Silvas: De prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho.

Silvas

Do metal mais eicelente
os que trouxerem lião
em prata Silvas serão,
que hoje se acha presente
mais antiga geração.
Foram seus progenitores
Capetos e Numitores,
reis d'Alva, donde vieram
os irmãos que nom couberam
num só reino dous senhores.

Essa linhagem descende de Guterre Alderete, senhor da Torre de Silva, em Valença do Minho, coetâneo de Afonso VI de Leão. Esse senhorio pertenceu à casa até a quinta geração. Diogo da Silva, bisneto de Aires Gomes da Silva, derradeiro senhor, recebeu o condado de Portalegre por mercê de Dom Manuel I em 1498.

Silva vem do substantivo comum silva, que designa diferentes plantas do gênero Rubus, também ditas silveiras ou sarças. Nada tem a ver com Reia Sílvia, filha de Numitor, rei de Alba Longa, e mãe de Rômulo, que matou Remo, seu irmão gêmeo, e fundou a cidade de Roma, da qual foi o primeiro rei. 

Armas dos Albuquerques: Esquartelado, no primeiro e quarto as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em barra; o segundo e terceiro de vermelho com cinco flores de lis de ouro.
Armas dos Albuquerques: Esquartelado, no primeiro e quarto as armas do Reino, diferençadas por um filete de negro em barra; o segundo e terceiro de vermelho com cinco flores de lis de ouro.

Albuquerque

As cinco flores de lis
com quinas em quarteirão
os Albuquerques trarão,
os que d'el-Rei Dom Denis
trazem sua geração.
E por tocar tal estado
bem merece ser honrado
sangue que tem tal mistura,
per tão honrada natura
dino de ser nomeado.

O senhorio de Albuquerque foi doado por Dom Sancho I a Afonso Teles de Meneses, seu genro. Foi João Afonso, sexto senhor e filho de Afonso Sanches, bastardo de Dom Dinis, e Teresa Martins de Meneses, quem começou a usar o sobrenome Albuquerque, perpetuado graças à sua prole ilegítima, já que o seu sucessor lídimo, Martim Anes, morreu sem descendência, apropriando-se a Coroa de Castela não só do senhorio de Albuquerque, mas também daquele de Meneses, que nele convergira pelo seu casamento com Isabel Teles de Meneses, décima senhora.

É possível que Albuquerque venha do latim albus quercus (por alba quercus), isto é, 'carvalho branco', via certa fala moçárabe.

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