O ordenamento é a sintaxe do brasão.
Do mesmo jeito que na linguagem verbal pomos normalmente o sujeito e em seguida o predicado, observando as regras de concordância e regência, na heráldica obedece-se a certas regras, mesmo em se tratando de armas muito singelas. Com efeito, um brasão pode consistir apenas do escudo liso, mas nem tudo que se coloca num escudo constitui um brasão. Portanto, é o ordenamento que define o caráter heráldico de um emblema.
Alguns atributos de linhas. |
A primeira regra é que o sistema heráldico todo funciona com base no contraste posição × disposição, o que, de resto, também rege o sistema linguístico (em linguística diz-se não marcado × marcado). Por exemplo, as peças honrosas têm linhas retas, ficam no centro do campo e as suas extremidades firmam-se nos bordos. Esta é a forma não marcada. Não obstante, as linhas podem ser ameadas, denteladas, ondadas etc. e a peça pode ficar alçada ou abaixada em relação ao centro do campo ou solta dos bordos. Estas são formas marcadas.
Posição × disposição: alguns exemplos da armaria portuguesa. |
O mesmo vale para as figuras mais frequentes: o leão é ordinariamente rampante; a águia, estendida; a árvore, arrancada; o castelo tem três torreões etc. A posição ou forma não marcada não se brasona; a disposição ou forma marcada, sim. Algumas dessas posições são efetivamente individuais e é preciso aprendê-las uma a uma, mas outras são típicas de certa categoria. Assim, tudo que tem uma dianteira e uma traseira fica voltado ordinariamente para a destra e tudo que é pontiagudo ou alongado, para cima.
Figuras em número: alguns exemplos da armaria portuguesa. |
A segunda regra é que os constituintes se ordenam do fundo para a superfície e da esquerda para a direita, o que corresponde à linearidade do sistema linguístico e à ordem da escrita latina. Se as armas são constituídas apenas do campo com uma só figura, assenta-se tal figura no centro dele, ocupando o maior espaço sem tocar os bordos (o que não está vedado, mas segue certas convenções, que é preciso brasonar). A partir de duas figuras, cabe observar se há subalternação ou não. Se não há, basta dizer o número das figuras. Outra vez, aplica-se a oposição não marcado × marcado. Assim, duas figuras alinham-se ordinariamente lado a lado; três, duas no alto e uma no baixo; quatro, duas no alto e duas no baixo; cinco, em aspa etc. É o não marcado, dispensável no brasonamento. De outra maneira, cumpre brasonar.
A situação: alguns exemplos da armaria portuguesa. |
Se há subalternação, logo uma das figuras é a principal e a outra, a secundária. Via de regra, a figura principal fica no centro do campo e a secundária, em qualquer um dos demais pontos, em cima ou logo acima da principal, embaixo dela, sobreposta a ela etc. Diz-se, então, que a principal está carregada da secundária, rematada, encimada, sustida, firmada, movente, ladeada, acompanhada (à destra, à sinistra, em chefe etc.), cantonada, brocante etc., ou seja, brasona-se a principal de acordo com a situação da secundária em relação a ela.
Armas a inquirir: alguns exemplos da armaria portuguesa. |
A terceira regra é que não se põe metal sobre metal nem cor sobre cor. O ordenamento é feito do fundo para superfície porque um brasão é constituído como se as peças e figuras fossem recortes que se aplicam sobre o escudo e, eventualmente, uns sobre os outros. Neste sentido, a sobreposição de cor a metal ou de metal a cor assegura o máximo contraste e converteu-se na famigerada regra de iluminura. Assim, um campo de metal deve ser carregado de peça ou figura de cor; à sua vez, se tal for carregada de outra, esta deve, então, ser de cor.
Há algumas exceções e fintas. Primeiro, não vale para pormenores de certas figuras, como os frutos das árvores, as unhas dos animais ou as portas e frestas dos edifícios. Tampouco vale para uma peça ou figura brocante, já que se sobrepõe tanto àquela que está debaixo como ao campo. Uma finta é possível para as peças honrosas, brasonando-as cosidas, isto é, como se o escudo tivesse sido recortado e a peça tivesse sido costurada a ele ou aos pedaços. Outra finta é interpor um filete ou perfil entre o campo e a peça ou figura, de metal se um e a outra são de cor ou o contrário. Além disso, a regra não abrange as peles, que se combinam indistintamente consigo mesmas e com os metais e as cores, e a iluminura de uma figura ao natural.
Enfim, a iluminura correta é tão imperiosa que se qualificam de armas a inquirir ('a inquirir o porquê') aquelas que incontornavelmente a descumprem, e se não há justificação, desqualificam-se como "armas falsas".
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