07/04/21

COMO SÃO OS BESANTES, AS ARRUELAS, A COTICA, O DENTELADO, O ESPIGUILHADO, AS LISONJAS...

Se a força da heráldica está em imitar a natureza tanto quanto pode, o seu estudo requer uma metodologia bastante acertada.


Do Tratado Prinsault (1444):

L'onziesme chapitre, ouquel est déclaré de quelle façon sont en armes besants, tourteaux, cotice, endenté, engreslé, losanges, fusées, eschaquier, fretté, gémelle, billette, et quelle différence y a entre croix pattée, croix fichée, croix potencée, croix croisée et croix floronnée.

Besants en armes sont ronds et sont de métal. Tourteaux sont plus grands que besants et sont de couleur. Cotice est le tiers meindre que la bande et va en travers, comme la bande. Entre endenté et engreslé y a telle différence, car endenté est plus grand qu'engreslé. Losange est agüe par le haut et par bas et aux deux costés. Fusée est pointue par haut et par bas. Eschaquier est en façon d’eschaquier en quoi on joue aux eschés. Fretté est cotice, l'une au contraire de l'autre. Gémelle est le tiers meindre que la faisse et va par le milieu de l'escu, comme la faisse. Billette est un peu plus longue que large.

La pratique et notice desquelles choses, avecques la différence qui est entre croix pattée, croix fichée, croix potencée, croix croisée (1) et croix floronnée, sera manifesté par les seize figures.

D'azur à six besants d'or.
D'azur à six besants d'or. (2)

D'argent à quatre torteaux d'azur.
D'argent à quatre torteaux d'azur.

D'azur à une cotice d'argent de trois pièces.
D'azur à une cotice d'argent de trois pièces. (3)

D'argent bordé engreslé de gueules.
D'argent bordé engreslé de gueules.

De sable bordé endenté d'argent.
De sable bordé endenté d'argent.

D'or à trois losanges d'azur.
D'or à trois losanges d'azur. (4)

D'argent à cinq fusées d'azur.
D'argent à cinq fusées d'azur. (5)

Eschaqueté d'or et d'azur.
Eschaqueté d'or et d'azur. (6)

D'argent fretté d'azur de six pièces.
D'argent fretté d'azur de six pièces.

D'or à deux gémelles de sable.
D'or à deux gémelles de sable.

De gueules à six billettes d'argent.
De gueules à six billettes d'argent. (7)

D'azur à une croix pattée d'argent.
D'azur à une croix pattée d'argent.

D'argent à trois croix fichées de sable.
D'argent à trois croix fichées de sable.

D'azur à une croix potencée d'or.
D'azur à une croix potencée d'or.

D'argent à une croix croisée de gueules.
D'argent à une croix croisée de gueules.

De sinople à une croix floronnée d'argent.
De sinople à une croix floronnée d'argent.

O décimo primeiro capítulo, em que é esclarecido o jeito como são nas armas os besantes, as arruelas, a cotica, o dentelado, o espiguilhado, as lisonjas, os fusos, o xadrez, o fretado, a gêmea, a bilheta, e que diferença há entre a cruz pátea, a cruz aguçada, a cruz potenteia, a cruz cruzada e a cruz florenciada.

Os besantes nas armas são redondos e são de metal. As arruelas são maiores que os besantes e são de cor. A cotica é um terço menor que a banda e fica atravessada, como a banda. Entre o dentelado e o espiguilhado há tal diferença que o dentelado é maior que o espiguilhado. A lisonja é aguda no alto, em baixo e dos dois lados. O fuso é pontudo em cima e em baixo. O xadrez é à guisa do tabuleiro em que se joga xadrez. O fretado é a cotica, uma ao contrário da outra. A gêmea é um terço menor que a faixa e fica no meio do escudo, como a faixa. A bilheta é um pouco mais longa que larga.

A prática e notícia de tais coisas, com a diferença que há entre a cruz pátea, cruz aguçada, a cruz potenteia, a cruz cruzada (1) e a cruz florenciada, ficarão demonstradas por estas dezesseis figuras:

De azul com seis besantes de ouro.
De azul com seis besantes de ouro.

De prata com quatro arruelas de azul.
De prata com quatro arruelas de azul.

De azul com uma cotica de prata de três peças.
De azul com uma cotica de prata de três peças. (3)

De prata com um debrum espiguilhado de vermelho.
De prata com um debrum espiguilhado de vermelho.

De negro com um debrum dentelado de prata.
De negro com um debrum dentelado de prata.

De ouro com três lisonjas de azul.
De ouro com três lisonjas de azul.

De prata com cinco fusos de azul.
De prata com cinco fusos de azul.

Xadrezado de ouro e azul.
Xadrezado de ouro e azul.

De prata fretado de azul de seis peças.
De prata fretado de azul de seis peças.

De ouro com duas gêmeas de negro.
De ouro com duas gêmeas de negro.

De vermelho com seis bilhetas de prata.

De azul com uma cruz pátea de prata.
De azul com uma cruz pátea de prata.

De prata com três cruzes aguçadas de negro.
De prata com três cruzes aguçadas de negro.

De azul com uma cruz potenteia de ouro.
De azul com uma cruz potenteia de ouro.

De prata com uma cruz cruzada de vermelho.
De prata com uma cruz cruzada de vermelho.

De verde com uma cruz florenciada de prata.
De verde com uma cruz florenciada de prata.

Comentário:

Talvez pela ânsia de não estender o tratado, neste capítulo, o penúltimo, o autor reúne peças e figuras de várias espécies. Assim, o dentelado e o espiguilhado são qualificadores de forma de linha; o xadrezado é uma repartição do campo; a cotica, a gêmea e o fretado são derivações das peças honrosas; a arruela, o besante, a bilheta, o fuso e a lisonja são tidos por peças de terceira ordem; as cruzes formam um conjunto à parte.

I. Qualificadores de forma de linha

Normalmente, a linha que traça uma partição ou o bordo de uma peça é reta, mas pode assumir as mais diversas formas, o que é preciso brasonar. Na heráldica lusófona, os mais frequentes desses qualificadores de forma são:

Ameado: Diz-se da peça ou figura cujo bordo superior está guarnecido de ameias. Fr. crènelé.

Arqueado: Diz-se da partição ou peça que está curvada para o alto. Fr. vouté.

Bastilhado: Diz-se da peça ou figura cujo bordo inferior está guarnecido de ameias. Fr. bastillé.

Bretessado: Diz-se da peça cujos bordos estão guarnecidos de ameias, tanto o superior como o inferior. Fr. bretessé.

Canelado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de semicírculos pequenos e contíguos, com a convexidade para fora. Fr. cannelé.

Colubreado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de ondas, cujo relevo é maior que o ondado. Fr. enté.

Dentelado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de dentes de serra. Fr. denché, dentelé.

Denticulado: Diz-se da bordadura composta por ameias que se firmam nos bordos do campo. Fr. denticulé.

Emalhetado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em ziguezague, formando pontas cujo número é preciso expressar. Fr. émanché.

Encravado: Diz-se da partição que está traçada em forma de ameias. Fr. enclavé.

Espiguilhado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de semicírculos pequenos e contíguos, com a convexidade para dentro. Fr. engrêlé.

Nublado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de entrâncias e reentrâncias onduladas, formando um padrão estilizado de nuvens. Fr. nébulé.

Ondado: Diz-se da partição ou peça que está traçada em forma de curvas alternadas de pequeno relevo. Fr. ondé.

II. Outras repartições do campo

Na postagem de 04/02, abordei as repartições do campo, que são repetições de certas peças honrosas em número par, de modo que se cria um padrão geométrico de dois esmaltes. O xadrezado nada mais é que uma multiplicação do esquartelado. Na verdade, começa-se pela multiplicação das linhas do esquartelado por dois, do que se obtém o equipolado, ou seja, nove quadriláteros ou pontos alternados, equivalentes exatamente aos pontos do escudo. Na heráldica lusófona, de cinco linhas em diante já se diz xadrezado, embora haja autores que tenham buscado distinções preciosistas por meio dos termos enxequetado e escaqueado, que não passam de sinônimos menos vernáculos de xadrezado (o primeiro do francês échecs e o segundo do provençal escacs, ambos 'xadrez'). Também varia entre os autores qual seja o padrão do xadrezado. Os franceses definem-no de seis peças em faixa e seis em pala, o que dá 36 pontos. Logo, é preciso brasonar qualquer número diferente de pontos.

Além do campo, uma peça ou figura pode estar xadrezada. Para tanto, são necessárias ao menos duas tiras de pontos de xadrez. Apenas uma tira torna a peça composta (fr. componée).

III. Derivações de peças honrosas

No comentário ao quinto capítulo, expus que a maioria das peças honrosas tem uma forma normal e outra diminuta, como a cotica, que é a diminuição da banda. Disso sobressai a faixa, por se distinguirem a diminuição à metade (divisa) e aquela a um terço (faixeta), às quais se somam as gêmeas. Estas consistem em duas faixetas separadas por um espaço igual ao da sua altura ou um pouco maior.

Além disso, desde a postagem de 04/02 sabemos que a maioria dessas peças pode figurar em número, algumas com o nome da sua forma diminuta quando cinco ou mais. De certa maneira, a cruz e a aspa fazem uma exceção: na sua forma normal ou diminuta, são em tudo iguais às demais peças, mas em número não há como multiplicar uma cruz ou aspa sem a soltar dos bordos, de modo que passam a parecer figuras. Contudo, é possível entrelaçar verguetas e burelas ou coticas e travessas, do que se obtêm o gradado e o fretado. Essas duas combinações não deixam de ser multiplicações da cruz e da aspa.

IV. Peças de terceira ordem

Há um conjunto de elementos cujas formas geométricas os tornam semelhantes às peças de primeira e segunda ordem, mas à diferença destas, nem medem um terço da largura do escudo de largura ou altura nem equivalem a uma partição. Alguns autores classificam tais elementos como peças de terceira ordem:

Arruela e besante: Ao contrário do que o autor afirma, a arruela não é maior que o besante, pois ambos são simplesmente círculos, a arruela iluminada de metal e o besante, de cor.

Bilheta: É um retângulo.

Fuso e lisonja: Ambos são losangos, o fuso mais alongado que a lisonja. A lisonja vazia denomina-se macla e a furada, rustre.

A posição ordinária da bilheta, do fuso e da lisonja é em pala, ou seja, o eixo mais longo fica na vertical.

V. Cruzes

A cruz era, certamente, a insígnia mais frequente na Europa ocidental antes do desenvolvimento da heráldica. Integrada na armaria, não só se tornou uma peça muito comum, mas solta dos bordos, ganhou um amplíssimo repertório de formas. Na heráldica lusófona, as mais frequentes são:

Aguçada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em ponta aguda. Fr. aiguisée.

Alçada: Diz-se da cruz firmada nos bordos cuja travessa se acha acima do ordinário. Fr. haussée.

Alta: Diz-se da cruz cuja travessa está acima do meio da haste. À diferença da cruz alçada, que é uma peça, a cruz alta é uma figura. Fr. haute.

Ancorada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em forma de braços de âncora. Fr. ancrée.

Angulada: Diz-se da cruz que tem figuras moventes dos ângulos dos seus braços. Fr. anglée.

De pé aguçado: Diz-se da cruz cuja extremidade inferior acaba em ponta aguda. Fr. fichée.

De Santo Antão: Diz-se da cruz pátea à qual falta a extremidade superior e tem, portanto, forma de T. Fr. béquille ou de saint Antoine.

Do Calvário: Diz-se da cruz alta que está sustida por três degraus. Fr. de Calvaire (8).

Dobre-cruz: Diz-se da cruz patriarcal firmada.

Flor-de-lisada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em pétalas de flor de lis. Fr. fleurdelisée.

Florenciada: É o mesmo que flor-de-lisada.

Gargulada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em cabeças de serpente. Fr. gringolée.

Latina: É o mesmo que alta.

Nodosa: Diz-se da cruz que tem nós semelhantes aos de um tronco podado. Fr. noueuse.

Papal: Diz-se da cruz que tem três travessas, a do meio mais curta que a de baixo e a de cima mais curta que a do meio. Fr. papale.

Pátea: Diz-se da cruz cujas extremidades se alargam como se fossem patas. Esse alargamento pode ser retilíneo ou curvilíneo. Fr. pattée.

Patriarcal: Diz-se da cruz que tem duas travessas, a de cima mais curta. Fr. patriarcale.

Potenteia: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em forma de T. Fr. potencée.

Recruzetada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em forma de cruz. Fr. recroisetée.

Serpentífera: É o mesmo que gargulada.

Solta: Diz-se da cruz que não toca os bordos do escudo. Fr. alésée.

Tau: É o mesmo que cruz de Santo Antão. Fr. tau.

Trilobada: Diz-se da cruz cujas extremidades acabam em forma de pétalas de trevo. Fr. tréflée.

Notas:
(1) Atualmente tanto em francês como em português essa cruz denomina-se recroisetée/recruzetada.
(2) O artista alinhou os seis besantes três, três.
(3) Esse brasão contém certa dificuldade, pois três coticas de tamanho ordinário parecem três faixas diminuídas por causa do número; à sua vez, três coticas diminuídas parecem três filetes em banda.
(4) O artista alinhou as três lisonjas em faixa.
(5) O artista alinhou os cincos fusos em faixa.
(6) O artista figurou o xadrezado de cinco peças em faixa e seis em pala.
(7) O artista alinhou as seis bilhetas três, três.
(8) Em francês, é frequente tomar croix de Calvaire por sinônimo de cruz alta ou latina.

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