28/02/21

AS DIVISÕES ADMINISTRATIVAS E A HERÁLDICA

Para entender certos aspectos da heráldica municipal, é necessário pesquisar como evoluíram as cidades, vilas e freguesias em Portugal e no Brasil.

Na postagem anterior, disse que a origem de Currais Novos não difere nada de outras cidades que surgiram a partir da colonização portuguesa do sertão. Com efeito, em Portugal as instituições civis e eclesiásticas convergiram na Idade Moderna, formando um regime em que o estado e a religião estavam plenamente unidos. No Brasil, isso foi reforçado não só pela própria justificação da conquista — a propagação da fé — e pelo padroado da Ordem de Cristo, como expus na postagem de 22/02, mas também pelo surgimento de várias povoações em torno de igrejas.

Com efeito, após estabelecer com sucesso uma fazenda para criar gado na sesmaria que recebera do governador ou capitão-mor, era comum que o desbravador do sertão doasse uma porção de terra para a ereção de uma capela sob o título de um santo ou uma santa da sua devoção. Esse terreno constituía, então, o patrimônio do orago e nele podia morar a gente excluída da posse de latifúndios, sob a condição de pagar o foro para sustentar o culto. Assim, o fazendeiro assentava os seus agregados e garantia a força de trabalho deles; à sua vez, estes ganhavam um chão para levantar a casa própria num espaço que os congregava não só pela vizinhança, mas também pelas próprias práticas sociais: os ofícios, as missas, as novenas, os batismos, os matrimônios, as exéquias, a festa do padroeiro etc. não eram apenas pasto espiritual, mas cimento para a construção de uma comunidade.

Quando o povoado crescia ao ponto de gerar rendas suficientes para o estado manter aí um pároco, o governador ou capitão-mor podia elevar a capela a freguesia, o que vem ser o mesmo que paróquia. Mais uma vez, não se obtinha apenas a permanência da assistência religiosa, mas se instaurava um cartório: os nascimentos, os casamentos, os óbitos passavam a ser registrados nos livros da nova igreja matriz. Também se elegia um juiz de vintena para dirimir as causas mais miúdas. A comunidade consolidava-se.

Enfim, quando o interesse do estado o requeria, fosse para a defesa da conquista, a difusão do povoamento, a dominação dos índios ou um pouco de cada coisa, o rei, o governador ou o capitão-mor podia erigir a freguesia a vila. Instavala-se, então, o aparato estatal mais próximo das pessoas: a câmara do concelho (1), à qual se dava uma sede  a casa de câmara e cadeia  e se delimitava um termo, isto é, o território sob a sua jurisdição. O pelourinho, erguido no meio da praça, servia de sinal concreto desse estatuto.

As cidades eram iguais às vilas em tudo, exceto pelo fato de que só o rei podia fundá-las. Isso explica por que as cidades Filipeia (hoje João Pessoa) e do Natal foram fundadas já com esse título, respectivamente em 1585 e 1599, enquanto a vila de Olinda, muito mais desenvolvida, veio recebê-lo apenas em 1676. É que a capitania de Pernambuco permaneceu na posse dos descendentes de Duarte Coelho, o primeiro donatário, até a invasão holandesa, ao passo que a Paraíba foi desmembrada de Itamaracá em 1574 já como capitania real e a do Rio Grande reverteu ao domínio real em 1582, tudo isso num momento em que os franceses ameaçavam tomar essa parte do Brasil. Efetivamente, tanto Filipeia como Natal ocupavam a mesma posição: perto de um estuário e sob a guarnição de uma fortaleza. O seu título de cidade não foi honorífico, mas estratégico. Além disso, as sés episcopais deviam ficar em cidades para livrar o bispo de qualquer constrangimento por algum poder senhorial. A própria Olinda foi elevada a cidade precisamente quando a diocese foi criada. O mesmo aconteceu a Mariana e São Paulo em 1745.

Portanto, quando da independência, o Brasil estava compartimentado em cidades, vilas e freguesias. Esse ordenamento foi preservado pelo Império, mas com a separação dos poderes, em 1828 as câmaras municipais perderam as funções judiciárias (vide o Art. 24 da Lei de 1.º de outubro desse ano), para as quais se tinham criado os distritos de paz, presididos por um juiz leigo, eletivo, inicialmente de competências amplas, depois reduzidas. Esses distritos costumavam corresponder às freguesias, mas não necessariamente, o que é provado pelo próprio caso de Currais Novos: o distrito de paz foi criado em 1854, mas a freguesia só foi desmembrada da de Acari em 1884.

Seja como for, a coincidência ordinária dos distritos de paz com as freguesias permitiu à República, ao extinguir o padroado em 1890, desvencilhar a divisão administrativa da eclesiástica. Na verdade, os párocos vieram perdendo competências civis em favor dos juízes de paz durante todo o período imperial. O registro civil fora definitivamente imposto no ocaso da monarquia, a partir de 1.º de janeiro de 1889. Em suma, os municípios passaram a ser formados de um ou mais distritos de paz e a própria palavra freguesia caiu no esquecimento, já que a igreja prefere o termo paróquia, mais canônico.

Depois, em 1938, o presidente Getúlio Vargas, sob os ideais do Estado Novo, separou a divisão judiciária. Desde então, no plano territorial a justiça se tem ordenado por termos e comarcas. Consequentemente, o distrito de paz desapareceu. Os municípios continuam a ser conformados por um ou mais distritos, porém estes ficaram esvaziados de qualquer relevância, o que é fácil de constatar. Por exemplo, em Currais Novos há vários povoados  Boa Vista, Cruz, Maniçoba, Mina Brejuí, Totoró —, mas um único distrito-sede. Já Fortaleza, divide-se em cinco distritos — Fortaleza, Antônio Bezerra, Messejana, Mondubim e Parangaba —, mas o instrumento de descentralização da prefeitura é a secretaria regional, atualmente doze, sem relação alguma com a divisão distrital. Mais que isso: no mesmo diploma de 1938, Vargas acabou com a distinção das sedes municipais em cidades e vilas:

DECRETO-LEI N.º 311, DE 2 DE MARÇO DE 1938
Dispõe sobre a divisão territorial do país e dá outras providências.
[...]
Art. 1.º Na divisão territorial do país serão observadas as disposições desta Lei.
Art. 2.º Os municípios compreenderão um ou mais distritos, formando área contínua. Quando se fizer necessário, os distritos se subdividirão em zonas com seriação ordinal.
Parágrafo único. Essas zonas poderão ter ainda denominações especiais.
Art. 3.º A sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome.
Art. 4.º O distrito se designará pelo nome da respectiva sede, a qual, enquanto não for erigida em cidade, terá a categoria de vila.
Parágrafo único. No mesmo distrito não haverá mais de uma vila.
Art. 5.º Um ou mais municípios, constituindo área contínua, formam o termo judiciário, cuja sede será a cidade ou a mais importante das cidades compreendidas no seu território e dará nome à circunscrição.
Art. 6.º Observado, quanto à sede e à continuidade do território, o disposto no artigo anterior, um ou mais termos formam a comarca.
[...]
Art. 10. Não haverá, no mesmo estado, mais de uma cidade ou vila com a mesma denominação.
[...]
Art. 15. As designações e a discriminação de comarca, termo, município e distrito serão adotadas em todo o país, cabendo às respectivas sedes as categorias correspondentes, e abrangidos os distritos que existiam somente na ordem administrativa ou na judiciária.
[...]

Embora a intenção do Estado Novo não tenha sido abolir a diferença entre cidades e vilas, mas reordenar a sua hierarquia com base no grau de autonomia, o fato é que, como os distritos não influem em nada na vida dos munícipes, dá no mesmo dizer vila, vilarejo, povoado ou outro sinônimo, como de fato ocorre.

Curiosamente, em Portugal a história passou-se de forma completamente diferente. O debate entre a centralização e a descentralização prolongou-se muito mais. O país chegou a ter seis códigos administrativos durante a monarquia constitucional: 1832, 1836, 1842, 1878, 1886 e 1896. O número de municípios, ao invés de aumentar, diminuía a cada reforma, porque se acreditava que era a causa principal dos desajustes ou insucessos. O impacto disso num tecido social pontilhado de comunidades rurais foi que se tornou indispensável reforçar as competências civis da freguesia.

Com efeito, apenas os códigos de 1832 e 1842 restringiram a freguesia aos negócios eclesiásticos. Na maior parte do período, havia uma junta e um regedor em cada freguesia, cuja composição, eleição, função e controle um código ou outro retocava. Assim, quando a República separou o estado e a igreja, bastou secularizar essa junta, que continua a constituir o órgão executivo da freguesia, composta de membros eleitos por uma assembleia, o seu órgão deliberativo, este de eleição direta. As atribuições da freguesia são análogas às do município, obviamente em esfera reduzida.

Além disso, a República também racionalizou a elevação de uma vila à categoria de cidade com base na sua população e no seu desenvolvimento, ressalvando razões de natureza histórica, cultural e arquitetônica. A norma mais recente vigeu até 2012. Em síntese, apesar das numerosas reformas e mesmo mudanças políticas, Portugal segue compartimentado em municípios (ou concelhos), cuja sede pode ser uma cidade ou uma vila, e freguesias.

Em 1920, o recém-ereto concelho da Marinha Grande pediu à Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP) parecer sobre a única submissão que recebera o seu concurso para a adoção de um brasão. Essa associação fora fundada em 1863 e desde 1909 uma das suas oito seções era dedicada à heráldica. A relatoria do parecer foi entregue a Afonso de Dornelas (1880-1944), o estudioso que revolucionaria a heráldica municipal portuguesa. Embora nesse primeiro trabalho, aprovado no começo de 1921, o brasão fosse desprovido de ornamentos externos, já é perceptível o seu estilo, como a rejeição das partições e a seleção de poucos elementos dentre os mais representativos do município, ordenando-os em estrita obediência às regras da armaria e desenhando-os à imitação da heráldica clássica. O rigor acadêmico e técnico conferiu-lhe tal reconhecimento que em 1923 a associação fez dele como que o relator permanente dos pareceres em resposta às consultas dos concelhos, que não paravam de chegar.

Proposta de selo heráldico para o concelho da Marinha Grande, apresentada por Afonso de Dornelas em 1921. Imagem disponível no Heráldica Portuguesa de Domínio.
Proposta de selo heráldico para o concelho da Marinha Grande, apresentada por Afonso de Dornelas em 1921. Imagem disponível no Heráldica Portuguesa de Domínio.

Tudo isso se passou de forma espontânea, uma concorrência de acontecimentos felizes. Como disse na postagem de 24/02, pela tradição portuguesa a Coroa controlava a heráldica gentilícia, mas não interferia na heráldica municipal. As tentativas da monarquia constitucional no sentido contrário foram tão pontuais e inócuas que andaram longe de subverter essa ordem. Porém, em 1929, por ocasião de uma recepção oficial, não agradou à ditadura do general Óscar Carmona ver tantas bandeiras municipais com cores e insígnias monárquicas. A AAP e o regime uniram, então, interesses, do que resulta o Despacho de 14 de abril de 1930, do Ministério do Interior aos governadores civis.

Brasão de Coimbra numa coleção de desenhos pertencentes ao antigo Cartório da Nobreza, segunda metade do século XIX. Conservada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Formalmente, garantiu-se a autonomia municipal, pois os concelhos mantiveram a última palavra no processo: para a publicação do ato que homologa a constituição dos símbolos é preciso que a autarquia aprove o parecer da AAP. Não obstante, a Seção de Heráldica da AAP, Comissão desde 1934, foi, na prática, investida da autoridade nacional em matéria de heráldica e vexilologia municipais, pois nela o estado delegou a capacidade que tomou de ordenar as armas, os selos e as bandeiras dos municípios. Isso foi consagrado pelos códigos administrativos de 1936 e 1940: "Artigo 14.º Cada concelho forma uma pessoa moral de direito público e tem direito a brasão de armas, selo e bandeira próprios, cujos modelos serão aprovados por portaria do Ministro do Interior, ouvida a Associação dos Arqueólogos Portugueses" (citação do último).

O brasão de Coimbra foi o primeiro reformado sob a vigência do Despacho de 1930: "de vermelho com uma taça de ouro realçada de púrpura, acompanhada de uma serpe alada e um leão batalhantes, ambos de ouro e lampassados de púrpura; em chefe um busto de mulher coroada de ouro, vestida de púrpura e com manto de prata, acompanhada por dois escudetes antigos das quinas". Imagem disponível no Heráldica Portuguesa de Domínio.

A propósito, somente os concelhos, porque às freguesias não se reconhecia o direito de ter símbolos próprios. Isso veio acontecer após a queda do Estado Novo e um longo debate que levou metade dos anos oitenta e resultou na Lei n.º 53/91, de 7 de agosto. Em certo momento (Decreto-Lei n.º 100/84, sobre as atribuições das autarquias locais), chegou-se a pôr em causa a autoridade da AAP, afinal tinha sido uma ditadura que se apropriara da capacidade heráldica dos municípios. Apesar desse estigma, impôs-se o fato de que o sistema funcionava, de modo que a lei se cingiu a confirmar o que se fazia havia décadas:

Lei n.º 53/91, de 7 de agosto
Heráldica autárquica e das pessoas coletivas da utilidade pública administrativa
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1, alínea s), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Princípios gerais
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
A presente lei disciplina o direito ao uso, ordenação e processo de constituição dos símbolos heráldicos das autarquias locais e das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
Artigo 2.º
Símbolos heráldicos
Os símbolos heráldicos previstos nesta lei são os brasões de armas, as bandeiras e os selos.
Artigo 3.º
Direito ao uso de símbolos
1 – Têm direito ao uso de símbolos heráldicos:
a) as regiões administrativas;
b) os municípios;
c) as freguesias;
d) as cidades;
e) as vilas;
f) as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
2 – O escudo nacional não pode ser incluído nos símbolos heráldicos previstos no número anterior.
Artigo 4.º
Processo de aquisição do direito
1 – O direito ao uso de símbolos heráldicos com uma determinada ordenação é adquirido:
a) Pelas autarquias locais, por deliberação dos seus órgãos competentes, depois de ouvida a Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses;
b) pelas pessoas coletivas de utilidade pública administrativa a seu pedido e por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, proferido depois de ouvida a Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
2 – A oponibilidade a terceiros do direito referido no número anterior depende da publicação das ordenações dos símbolos heráldicos no Diário da República.
3 – Todas as ordenações publicadas no Diário da República são oficiosamente registadas no Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
Artigo 5.º
Modificação
Os símbolos heráldicos podem ser modificados pelo aditamento às ordenações primitivas de peças honrosas, motes e condecorações desde que concedidas pela autoridade competente.
Artigo 6.º
Extinção
A extinção do direito aos símbolos heráldicos processa-se automaticamente com a do seu titular.
Artigo 7.º
Uso do brasão de armas
O brasão de armas pode ser usado, designadamente:
a) nos edifícios, construções e veículos;
b) nos impressos;
c) como marca editorial.
Artigo 8.º
Bandeiras
As bandeiras, quando assumem a forma de estandarte, são exclusivamente bandeiras de desfile, mas as bandeiras de filele ou de pano semelhante também podem ser hasteadas ou utilizadas como revestimento decorativo.
Artigo 9.º
Descrição dos símbolos
A descrição oficial dos símbolos heráldicos deve ser sintética, completa e unívoca e feita de acordo com as regras gerais da heráldica.
CAPÍTULO II
Da ordenação dos símbolos heráldicos
SECÇÃO I
Regras gerais
Artigo 10.º
Regras de ordenação
A ordenação dos símbolos previstos nesta lei deve obedecer às seguintes regras:
a) simplicidade  excluindo os elementos supérfluos e utilizando apenas os necessários;
b) univocidade  não permitindo que os símbolos heráldicos ordenados nos termos desta lei se confundam com outros já existentes;
c) genuinidade  respeitando na simbologia o carácter e a especificidade do seu titular e muito especialmente a emblemática que já tenha usado;
d) estilização  empregando os elementos usados na forma que melhor sirva à intenção estética da heráldica e não na sua forma naturalista;
e) proporção  relacionando as dimensões dos elementos utilizados com as do campo do escudo, ou da bandeira, segundo as regras heráldicas;
f) iluminura  juntando pele com pele, pele com metal, ou pele com cor, e não metal com metal, ou cor com cor.
Artigo 11.º
Brasões de armas
Os brasões de armas previstos na presente lei são, em regra, constituídos por escudo encimado por uma coroa e têm sotoposto um listel com uma legenda ou mote, podendo eventualmente constar da sua ordenação a condecoração de grau mais elevado com que o titular tenha sido agraciado.
Artigo 12.º
Escudo
1 – O escudo é sempre de ponta redonda, construído a partir do quadrado, sendo a ponta um semicírculo com diâmetro igual à largura do escudo.
2 – No campo do escudo não são admitidas partições que provoquem uma cisão no seu todo significativo.
Artigo 13.º
Coroa
1 – A coroa é mural nas armas das autarquias locais e cívica nas armas das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
2 – A coroa mural obedece às características seguintes:
a) para as regiões administrativas, é de ouro, com cinco torres aparentes, tendo entre estas escudetes de azul, carregados de cinco besantes de prata;
b) para a cidade de Lisboa, por ser a capital do país, é de ouro com cinco torres aparentes;
c) para os municípios com sede em cidade é de prata com cinco torres aparentes;
d) para os municípios com sede em vila é de prata com quatro torres aparentes;
e) para as freguesias com sede em vila é de prata com quatro torres aparentes, sendo a primeira e a quarta mais pequenas que as restantes;
f) para as freguesias com sede em povoação simples é de prata com três torres aparentes;
g) para as vilas que não são sede de autarquia é de prata com quatro torres aparentes, todas de pequena dimensão.
3 – A coroa cívica é formada por um aro liso, contido por duas virolas, tudo de prata e encimado por três ramos aparentes de carvalho de ouro, frutados do mesmo.
Artigo 14.º
Listel
1 – O listel onde se inscreve a legenda ou mote é colocado sob o escudo e iluminado nos metais e cores que melhor se harmonizem com o conjunto das armas.
2 – A letra a utilizar é do tipo "elzevir", estando o seu todo orientado no sentido do rebordo superior do listel.
3 – Excecionalmente e se tal for justificado por atendíveis razões históricas, pode permitir-se o uso de legendas ou motes dentro do campo do escudo.
Artigo 15.º
Bandeiras
As bandeiras previstas nesta lei podem ser ordenadas como estandarte ou como bandeira de hastear.
Artigo 16.º
Estandartes
1 – O estandarte tem a forma de um quadrado e mede um metro de lado.
2 – O estandarte é de tecido de seda bordado, debruado por um cordão do metal e cor dominantes, e as extremidades deste, rematadas por borlas dos mesmos metal e cor servem para dar laçadas na haste.
3 – A haste e lança são de metal dourado.
4 – O estandarte enfia na haste por uma bainha denticulada e na vareta horizontal, que o mantém desfraldado, por uma bainha contínua.
5 – Os estandartes das regiões administrativas são gironados de dezasseis peças, os das cidades gironados de oito peças e os das vilas e freguesias esquartelados ou de uma só cor se as circunstâncias o aconselharem, e têm todos ao centro o brasão de armas do seu titular.
6 – Os estandartes das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa têm o campo de uma só cor, mas a sua ordenação deve ainda comportar uma bordadura, ou uma aspa, ou uma cruz, estas últimas firmadas, e têm todos ao centro o brasão de armas do seu titular.
7 – Nos brasões de armas figurados nos estandartes não se representam as condecorações, porque estas podem usar-se, nos termos da lei, no próprio estandarte.
Artigo 17.º
Bandeiras de hastear
1 – A bandeira de hastear é retangular, de comprimento igual a uma vez e meia a dimensão da tralha, devendo ser executada em filele ou tecido equivalente.
2 – A ordenação da bandeira é igual à do estandarte, mas quando não for de uma só cor ou metal poderá deixar de nela figurar o brasão de armas do seu titular.
Artigo 18.º
Selos
Os selos são circulares, tendo ao centro a representação das peças do escudo de armas sem indicação dos esmaltes e em volta a denominação do seu titular.
SECÇÃO II
Do processo de ordenação dos símbolos
Artigo 19.º
Elementos do processo
1 – A ordenação dos símbolos heráldicos tem por base um processo, do qual, sempre que possível, devem constar:
a) a notícia histórica sobre a entidade interessada;
b) a cópia de deliberações e atos do interessado relativos à ordenação da sua simbologia;
c) a reprodução da simbologia ou emblemática usada pelo interessado no presente e no passado.
2 – O processo referido no número antecedente deve ser remetido através do Ministério do Planeamento e da Administração do Território ao Gabinete de Heráldica Autárquica, que deve emitir o seu parecer propondo uma ordenação, cuja observância, no que respeita a matéria heráldica, é obrigatória.
3 – Juntos o parecer e a proposta referidos no número antecedente, o processo é devolvido, pela mesma via, à autarquia interessada para que delibere sobre a ordenação dos seus símbolos heráldicos, ou, no caso do interessado ser uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa, à Direção-Geral da Administração Autárquica que promoverá as diligências necessárias à obtenção do despacho ministerial de aprovação.
4 – O teor da deliberação tomada pelo órgão competente da autarquia deve ser comunicado ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
Artigo 20.º
Registo
Fixada a ordenação dos símbolos heráldicos por deliberação do interessado ou por despacho ministerial, conforme os casos, deve o seu registo ser oficiosamente feito em armorial próprio, periodicamente publicado pelo Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
CAPÍTULO III
Disposições finais e transitórias
Artigo 21.º
Legislação anterior
A presente lei não põe em causa as ordenações de símbolos heráldicos municipais feitas ao abrigo do Despacho de 14 de abril de 1930, nem as que resultarem de ato comprovado de autoridade competente anterior a esta data e que não tenham sido revistas ao abrigo do dito despacho.
Artigo 22.º
Casos omissos
Todos os casos omissos nesta lei em matéria de heráldica são resolvidos por recurso às regras gerais da ciência e arte heráldicas.
Artigo 23.º
Criação do Gabinete de Heráldica Autárquica
1 – No âmbito do Ministério do Planeamento e da Administração do Território é criado um Gabinete de Heráldica Autárquica, com funções de consulta e registo na área da heráldica autárquica e das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
2 – Até à plena entrada em funções do gabinete previsto no número anterior, as funções de consulta na área da heráldica autárquica e das pessoas coletivas de utilidade e pública administrativa são asseguradas pela Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
Artigo 24.º
Entrada em vigor
Esta lei entra em vigor sessenta dias após a sua publicação.
Aprovada em 11 de junho de 1991.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.
Promulgada em 15 de julho de 1991.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 17 de julho de 1991.
Pelo Primeiro-Ministro, Joaquim Fernando Nogueira, Ministro da Presidência.

A maior prova da acomodação é que passados quase trinta anos, nunca se criou o Gabinete de Heráldica Autárquica.

Nota:
(1) O termo concelho nunca foi habitual no Brasil, mesmo durante o domínio português, mas é rubescente o quanto é confundido com conselho mesmo em trabalhos acadêmicos. Concelho é sinônimo de município e provém do latim concilium 'assembleia' (daí também, pela via erudita, concílio), enquanto conselho vem de consilium. Concilium deriva do verbo calare 'chamar' e consilium, de consulere 'consultar'.

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