Um brasão de armas é um conceito verbal que se realiza por meio das artes visuais.
Nesta terceira e derradeira postagem sobre o brasão do papa Leão XIV, quero mostrar as realizações de vários artistas heráldicos. Como eu disse ao fim da antecedente, cada um tem um grau de perícia, um talento e um estilo próprios. Todos demonstram a vitalidade da arte heráldica e aguçam o caráter inexplicável do que tenho narrado desde o dia 19/05.
Como critério de seleção, dou as obras daqueles que aguardaram sair algo oficial (portanto, desde 10 de maio), respeitaram a permanência da mitra (em vez de pleitear ou sugerir a volta da tiara), cumprem o código heráldico (iluminando o meio escudo de prata) e as publicaram no Instagram ou no Facebook.
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Armas do papa Leão XIV, por Marco Foppoli (publicado no Instagram, 10/05/2025). |
Começo por Marco Foppoli, heraldista italiano de forte estilo e boa fama. Além do desenho que se vê aqui, ele esboçou outros arranjos para as novas armas pontifícias e teceu uma crítica muito dura sobre o caso. Na sua realização, omite o mote.
De fato, até Bento XVI os papas, sem abrir mão do seu lema pastoral, deixavam de ostentá-lo. O Totus tuus de São João Paulo II talvez se tenha propagado mais depois da sua morte que durante o seu pontificado. O Cooperatores veritatis do dito Bento permanece pouco lembrado. Mas para Francisco o Miserando atque eligendo era tão programático que para 2016 proclamou o Jubileu Extraordinário da Misericórdia. O mesmo parece dar-se para Leão XIV:
Com efeito, a unidade foi sempre para mim uma preocupação constante, como o testemunha o lema que escolhi para o ministério episcopal: In Illo uno unum, expressão de Santo Agostinho de Hipona que nos recorda como também nós, embora sejamos muitos, "n'Aquele que é um [ou seja, Cristo], somos um só" (Comentários aos Salmos, 127, 3). (discurso aos representantes de outras igrejas e religiões em 19/05/2025)
Pode-se desgostar de inovações na Igreja ou na heráldica, mas é inegável que no nosso tempo o slogan tem um grande apelo. E o que é a velha divisa, se não um slogan?
Não obstante, uma divisa é geralmente escrita num filactério e isso demanda ao artista habilidade para fazê-lo com propriedade e beleza. O feito no desenho oficial das armas do papa Francisco combina com a ponta arredondada do escudo, mas as dobras apresentam erro. No de Leão XIV, faltou não só reparar esse erro, mas também adequar o panejamento à ponta ogival.
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Armas do papa Leão XIV, por Xavier d'Andeville (publicado no Instagram, 10/05/2025). |
O segundo desenho, do heraldista francês Xavier d'Andeville, diverge não pouco do oficial: o escudo oval num cartucho, a mitra ornada, o cordão finamente enleado no listel. Algum erro? Nenhum! Exemplifica, inclusive, a pintura coerente da prata como branco. O mais são escolhas artísticas perfeitamente aceitáveis. Trata-se de uma versão que poderia figurar, por exemplo, num objeto comemorativo, como uma medalha ou um recipiente.
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Armas do papa Leão XIV, por Vicente de la Lastra y Barrios (publicado no Instagram, 10/05/2025). |
De outro país europeu, latino e historicamente católico é o espanhol Vicente de la Lastra y Barrios, autor de um desenho que revela mais do que aparenta: a mitra preciosa e as chaves de feição gótica, tudo numa prata mais cinzenta, provam que a deposição da tiara não se reduz à troca de um adereço rico por outro pobre, como às vezes quase se sugere. De fato, ao uso institucional convém uma arte mais austera, porém uma versão como esta não ficaria nada mal se tecida num paramento, num estandarte ou num reposteiro para ocasiões especiais.
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Armas do papa Leão XIV, por Gabriel Muniz (publicado no Instagram, 10/05/2025). |
O último desenho que vi no dia 10 foi feito pelo mexicano Gabriel Muniz. De técnica bastante modesta, à qual cabem mesmo reparos, chamou-me a atenção que seja a primeira postagem de um carrossel pedagógico acerca da questão.
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Armas do papa Leão XIV, por Sandy Turnbull (publicado no Facebook, 13/05/2025). |
Furando a bolha da latinidade e do Instagram, o australiano Sandy Turnbull publicou um desenho seu no grupo Ecclesiastical Heraldry do Facebook. Destaca-se pelo cuidado dos pormenores: o livro deitado torna o coração flechado mais visível; os palhetões das chaves têm cruzes floridas; a divisa está escrita num espaço delimitado pelo cordão, sem listel. Sublinho que a inscrição em filactério não é uma norma, mas um hábito.
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Armas do papa Leão XIV, por Giuseppe Quattrociocchi (publicado no Instagram, 18/05/2025). |
Já no dia em que se solenizou o início do novo pontificado, o italiano Giuseppe Quattrociocchi publicou um desenho que bem se poderia tornar oficial, porque é original e apresenta um arranjo harmônico e um estilo equilibrado, nem tão fosco nem tão luminoso.
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Armas do papa Leão XIV, por Paulo André Costa (publicado no Instagram, 18/05/2025). |
Também no Brasil temos artistas heráldicos talentosos que contribuíram com o caso. No mesmo dia, o padre Paulo André Costa, da diocese de Teixeira de Freitas (BA), publicou o seu desenho. Ressai a elegância do escudo, com a qual combinam muito bem as curvas e dobras do listel. Em heráldica, elegância não é algo que se persegue vaidosamente, mas um sinal de maturidade artística.
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Armas do papa Leão XIV, por Rafael Lima (publicado no Instagram, 19/05/2025). |
Enfim, Rafael Lima, outro heraldista brasileiro, oferece um desenho que pelos traços, pelas formas, pelo arranjo, pela iluminura poderia armoriar belamente qualquer objeto, tanto colorido como monocromo: um selo, uma moeda, uma bandeira, um paramento, um impresso etc.
Para acabar, reforço: todos estes desenhos são realizações corretas do mesmo brasão, a saber, talhado, o primeiro de azul com uma flor de lis de prata; o segundo de prata com um coração inflamado e atravessado por uma flecha em contrabanda, tudo de vermelho e sustido por um livro fechado de sua cor; por cima do escudo a mitra papal e sob ele as chaves petrinas em aspa; divisa: In illo uno unum. Um brasão de armas é um conceito verbal que se realiza por meio das artes visuais.
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