07/05/24

TESOURO DE NOBREZA (IV)

Armas dos Nove da Fama e insígnias dos romanos.

Do Tesouro de nobreza (1675):

Fólio 2 – Armas dos Nove da Fama. 1.º – Josué, Capitão do Povo de Deus; 2.º – Davi Rei; 3.º – Judas Macabeu (estes três foram hebreus); 4.º – Alexandre Magno; 5.º – Heitor; 6.º – Júlio César (estes três foram gentios); 7.º – Artus; 8.º – Carlos Magno; 9.º – Godrofede Bulhão (estes três foram cristãos). Armas e insígnias dos romanos. 1. Roma, lupa germanorum nutrix; 2. Rômulo: Ex necessitate; 3. Romana República: Ubi stetero, caput orbis erit.
Fólio 2 – Armas dos Nove da Fama. 1.º – Josué, Capitão do Povo de Deus; 2.º – Davi Rei; 3.º – Judas Macabeu (estes três foram hebreus); 4.º – Alexandre Magno; 5.º – Heitor; 6.º – Júlio César (estes três foram gentios); 7.º – Artus; 8.º – Carlos Magno; 9.º – Godrofede Bulhão (estes três foram cristãos). Armas e insígnias dos romanos. 1. Roma, lupa germanorum nutrix; 2. Rômulo: Ex necessitate; 3. Romana República: Ubi stetero, caput orbis erit.

Fólio 3 – Ob ferociam militum; 5. Triumphus non est sine sanguine; 6. Ob signum pacis; 7. Senatus Populusque Romanus; 8. Ob Imperii decus; 9. Ob animositate Romanorum; 10. Regere Imperio populos Romane memento. Armas de vários reinos. 1. Os dous Estados da Igreja; 2. Frígia; 4. Cilícia; 5. Cítia; 6. Trácia.
Fólio 3  Ob ferociam militum; 5. Triumphus non est sine sanguine; 6. Ob signum pacis; 7. Senatus Populusque Romanus; 8. Ob Imperii decus; 9. Ob animositatem Romanorum; 10. Regere Imperio populos, Romane, memento. Armas de vários reinos. 1. Os dous Estados da Igreja; 2. Frígia; 4. Cilícia; 5. Cítia; 6. Trácia.

Comentário:

Não tenho nada a acrescentar ao que eu disse a respeito dos Nove da Fama na postagem de 29/04/21. Mas quanto às insígnias dos romanos, Francisco Coelho tirou-as, tal como as armas das doze tribos de Israel (leia-se a postagem antecedente), dos estudos do padre Antônio Soares de Albergaria (Códice BNP 1118, fl. 6), cuja fonte é o Blasón general y nobleza del universo (1489), de Pedro de Gracia Dei, rei de armas dos Reis Católicos, onde se vê e se lê o seguinte:

Fólio entre o XII e o XIII do Blasón general y nobleza del universo (1489), de Pedro de Gracia Dei.

Las insignias de los de Roma
Para verificar que color sobre color y metal sobre metal no pueden estar, allende lo susodicho síguense las insinias de los romanos en el tiempo que prosperavan, en cuya memoria un noble varón romano, deste nombre Laurencio Manlio, mirando virtud, las hizo sacar y pintar en su casa, segund hoy parecen, donde yo las hize sacar, creyendo era servicio de Vuestra Alteza. Y conociendo, pues, su grandeza es presente en las patrias que señoreavan, en las cuales alegres vuestra clara fama reciben, serán recebidas sus armas como si sus personas en presencia llegasen al reino y palacio de Vuestra Real Majestad, en principio de lo cual estava un título que dezía Antiquorum insignia, que quiere dezir 'Estas son las insinias de los antigos', donde están coronados los presentes escudos en la manera siguiente. Al principio, una loba y un pito de oro, que le dava de comer, en campo verde y ella dava de mamar a dos niños blancos con pétase, que esto mismo rezava: Lupa germanorum nutrix quam picus [1] alit ('El pito da de comer a la loba que cría los hermanos'), que fueron Rómulo y Rémulo, cuando los hallaron en la silva, y después Rómulo alçó una haz de yerva y dezía: Romulus ex necessitate ('Rómulo por necesidad'). Numa Pompilio puso un escudo de oro en campo celeste, que cayó del cielo con una letra que dezía: Ubi stetero, caput orbis erit ('Donde yo estoviere, será cabeça del mundo'). Y después pusieron los romanos un minotauro de oro en campo celeste, con letra que dezía: Ob ferociam militum ('Por la ferocidad de los cavalleros'). Estava más una cota sangrienta en campo blanco y dezía: Triumphus non est sine sanguine ('El triunfo no es sin sangre'). Y después estava una puerca negra alanceada en campo de oro, cuya letra era Ob signum pacis ('Por el señal de la paz'), que ansí muera quien la quebrare. Y después un escudo colorado con cuatro letras de oro, que dizen: El Senado y Pueblo Romano, las cuales hoy son armas de Roma. Y después una águila negra en campo blanco y era la letra Ob Imperii decus ('O honra de Imperio'). Otro escudo con fuegos y un braço en medio con una espada, en campo de oro, por la grand animosidad de los romanos. Estava en el medio con dos coronas el escudo cesareano colorado, con el mundo de oro, manifestando su monarquía, con una letra que César por sí dezía: Regere imperio populos, Romane, memento, quiere dezir 'O romano, recuérdate que riges los pueblos por imperio', que este fue el primero emperador que hovo nel mundo.
[1] pies

Antônio Rodrigues, rei de armas Portugal sob Dom Manuel I e Dom João III, traduziu esse livro para o português (Manuscrito BPMP M-FA-80, editado sob o título de Tratado geral de nobreza por Afonso de Dornelas em 1931). Como a tradução é literal demais e contém muitos barbarismos, depurei os seus erros e anotei-os entre colchetes:

Para saber que cor sobre cor e metal sobre metal não podem estar, além do suso dito seguem-se as ensínias dos romãos no tempo que prosperaram, em cuja memória um homem barão, deste nome Laurêncio Mânlio, oulhando a vertude, as fez tirar e pintar em sua casa, segundo hoje parecem, donde eu as fiz tirar, crendo de ser serviço de Vossa Alteza. E conhecendo sua grandeza é presente nas pátrias que senhoreavam, nas quaes alegres vossa crara fama recebem e sejam recebidas suas armas, como se suas pessoas em presença [1] chegassem ao reino e paço [2] de Vossa Majestade, no princípio do qual estava um título que dezia Antiquorum insignia, quer dizer 'Estas são as insígnias dos antigos', donde estão coroados os escudos na maneira seguinte, a saber, ũa loba com um pito de ouro, que lhe dava de comer em um campo verde, dando de mamar a dous meninos brancos com um pétaso [3], que esto mesmo rezava: Lupa germanorum nutrix quam picus alit [4] ('O pito dá de comer [5] à loba que cria os dous irmãos'), que foram Rômulo e Rêmulo, quando foram achados na silva, e depois Rômulo alevantou um feixe de erva e dezia: Romulus ex necessitate ('Rômulo de necessidade'). Numa Pompílio pôs um escudo de ouro no campo celestre, que caiu do ceo com ũa letra que dezia: Ubi stetero, caput orbis erit ('Onde eu estiver, será cabeça do mundo') [6]. Depois poseram os romãos um minotauro de ouro em campo celeste, com letra que dezia: Ob ferociam militum [7] ('Pela ferocidá dos cavaleiros'). E estava mais ũa cota sangrentada em campo branco e dezia: Triumphus non est sine sanguine, quer dizer 'O triunfo não é sem sangue'. E depois está ũa porca negra alanceada em campo d'ouro, cuja letra era Ob signum pacis ('Por sinal da paz'), que assi morre quem a quebrantar. E depois um escudo colorado com quatro letras de ouro, que dizem: O Senado [8] e o Povo Romão, as quaes hoje são armas de Roma. E depois ũa águia negra em campo branco e era a letra Ob Imperii decus ('Ó honra do Empério'). Outro escudo com fogos e um braço no meo com ũa espada em campo de ouro, por a grande animosidade dos romãos. Estava no meo com duas coroas o escudo cesareano colorado, com o mundo de ouro, manifestando sua monarquia, com ũa letra que César por si dezia: Regere imperio populos, Romane, memento [9], quer dizer 'Ó romão, alembra-te que reges os povos por império' [10]. Este foi o primeiro emperador que houve no mundo. (1)
[1] com suas pessoas em supito; [2] pacificos; [3] betafe; [4] prealit; [5] mamar; [6] Ubi stetero, caput orbis ero, dando a entender 'Serás cabeça do mundo'; [7] E ferociam militam; [8] Sanado; [9] Regere Emperio pupullos Romanae memento[10] 'Ó Roma, alembra-te que reguas os povos por império'

Lorenzo di Mattia Manei foi um burguês de Roma cujo entusiasmo pelo passado antigo da cidade o levou a mudar o seu nome, reivindicando descendência da gens Manlia, a colecionar objetos daquela idade e, desde 1476, a reconstruir o seu paço, sito então à Piazza Giudea, hoje Via del Portico d'Ottavia, embelezando-o com tais objetos, também com imitações. Considerando a itinerância do ofício de armas no século XV, é plenamente verossímil que Gracia Dei tenha copiado aí ou daí esse conjunto de brasões. Seja como for, a pintura original perdeu-se, afinal o paço se acha em estado lastimoso.

Não obstante, convém salientar o caráter imaginário de qualquer brasão atribuído aos antigos romanos, já que a heráldica surgiu no século XII, embora alguns desses se inspirem em várias fontes históricas e literárias: a loba que aleitou Rômulo e Remo, o fratricídio "por necessidade" ou o ancil que caiu do céu após as súplicas de Numa Pompílio aos deuses contra uma peste. Além disso, "tu regere imperio populos, Romane, memento" é um verso da Eneida (6, 851), de Virgílio, e as letras SPQR de vermelho em campo de ouro tornaram-se de fato as armas de Roma.

Nota:
(1) Além dos erros marcados pelos colchetes, as seguintes palavras são barbarismos: suso (por sobre), ferocidá (por ferocidade) e colorado (por vermelho).