Séries de postagens

19/05/22

A POMPA FÚNEBRE DE CARLOS V: AS EXÉQUIAS

O cortejo que o desenho de Hieronymus Cock eternizou dirigia-se, propriamente, às celebrações religiosas do passamento de Carlos V.

Como eu disse na postagem de 01/05, La magnifique et sumptueuse pompe funèbre... não retrata sequer o cortejo todo, mas a parte que aos autores pareceu mais espetacular. Ora, esse cortejo não era senão o deslocamento do rei, da sua Casa e de muitos oficiais administrativos dos Países Baixos e de outros domínios desde o paço do Coudenberg até a igreja de Santa Gúdula para a celebração das exéquias. Esta vem sucintamente descrita na última página de texto do livro:

Última página de texto de La magnifique et sumptueuse pompe funèbre... (exemplar da BnF).

Em português:

As exéquias e funeral desse máximo e vitoriosíssimo Imperador Carlos V, finalmente celebradas e solenizadas na dita Bruxelas, na grande Igreja Santa Gúdula, com tanta magnificência e suntuosidade que pela pompa fúnebre aqui representada se pode ver.

Para perpétua memória delas, foram fincadas e alinhadas por ordem e em igual distância e altura, ao longo de todo o coro e a nave e o cruzeiro da dita igreja, as bandeiras, corneta, pendão e estandartes levados na sobredita pompa fúnebre, juntamente com as bandeiras que estavam no navio triunfal. E as demais peças de honra foram também postas no mais alto e mais eminente lugar do coro, logo acima do altar-mor dessa igreja, na ordem designada na figura seguinte.

Armário com as insígnias imperiais e pessoais de Carlos V (exemplar da BnF).

Aqui convém voltar ao começo (postagem de 29/04) e lembrar que a capela-ardente foi erguida no cruzeiro da igreja e o altar, diante da porta do coro. Chegados aí por volta das quatro da tarde, os bispos sentaram-se à direita desse altar e os demais prelados, a ambos os lados. Para o rei, montou-se um estrado de três degraus à direita da capela-ardente e, sobre este, um assento. À direita do rei, também sobre um estrado, este de dois degraus, sentou-se o duque da Saboia. Em seguida e na mesma direção, outro estrado, este de um degrau, sustentava o assento dos príncipes e duques. Do outro lado, sentaram-se os embaixadores do Império, Portugal e Veneza, onde tinham aguardado o cortejo, e os cavaleiros do Tosão de Ouro, também sobre estrados de um degrau. Rente à nave, pôs-se um banco a cada lado: à direita ficaram os oficiais dos Países Baixos e demais domínios; à esquerda, os marqueses, condes, senhores e demais cavalheiros.

No primeiro dia, fincaram-se as bandeiras dentro da igreja, ao passo que a nave Vitória e os cavalos ficaram fora. O bispo de Liège celebrou, então, a vigília, depois da qual todos retornaram ao paço, salvo o clero, que os recebeu à entrada da igreja no dia seguinte, às onze horas, depois de terem refeito o cortejo. O mesmo bispo celebrou, então, a missa, em cujo ofertório os mesmos gentis-homens que levaram as bandeiras e os cavalos os apresentaram, cada trio conduzido por um rei de armas. Perante o féretro faziam uma grande reverência.

Não se apresentaram, todavia, as insígnias imperiais e pessoais de Carlos V, que se expuseram junto ao féretro, como se vê na imagem da capela-ardente. Para guardá-las de um dia para o outro, fabricou-se o armário que o livro mostra: a moldura era ladeada por duas colunas coríntias, assentes sobre rochedos e rematadas por coroas, a da esquerda imperial e a da direita real, sobre aquela um letreiro que dizia Plus e sobre esta, outro que dizia Oultre. Em suma, a empresa do imperador. Abaixo da moldura, outro letreiro dizia 1558 e, acima, a escultura de um coroamento ostentava as armas imperiais com o escudete da Áustria. Encima desse coroamento, esculpiram-se a um lado e ao outro dois leões sentados segurando bandeiras armoriadas, a da esquerda de Brabante e a da direita de Flandres; esses leões olhavam para o meio, onde se levantava o timbre das armas reais castelhanas: um castelo rematado por um leão nascente, empunhando uma espada. Dentro do armário, arrumaram-se meticulosamente as insígnias: a cota de armas no centro; à sua direita, o escudo com o colar do Tosão de Ouro e o elmo imperial, coroado, e à esquerda, a espada e a tarja com o elmo de justa; acima da cota, o orbe e a coroa entre a espada de honra e o cetro; nos cantos, as armas dos costados: em cima as de Maximiliano I e Fernando o Católico, ambas com o colar do Tosão de Ouro; embaixo, as de Maria da Borgonha e Isabel a Católica.

Após o ofertório, o bispo auxiliar de Arras pregou em francês um longo sermão louvando a vida do finado. Acabado esse sermão, rematou-se a missa e refez-se o cortejo de volta ao paço. Assim se concluiu a pompa fúnebre de Carlos V.

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