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09/08/21

BRASÃO OU MARCA?

A omissão de certas minúcias é aceitável na integração de um brasão a um sistema de identidade visual ou o transforma numa marca?

A integração da armaria na identidade visual do governo basco não é difícil de comentar porque o desenho do chamado "brasão corporativo" é pouco mais que uma simplificação do estilo heráldico habitual. Mas na Espanha há casos menos fáceis de apreciar. Nesta postagem, vou abordar o de Castela e Leão.

O brasão de Castela e Leão foi ordenado pelo estatuto de autonomia de 1983, cuja redação vigente é a seguinte:

El blasón de Castilla y León es un escudo timbrado por corona real abierta, cuartelado en cruz o contracuartelado. El primer y cuarto cuarteles: en campo de gules, un castillo de oro almenado de tres almenas, mamposteado de sable y clarado de azur. El segundo y tercer cuarteles: en campo de plata, un león rampante de púrpura, linguado, uñado y armado de gules, coronado de oro. (1)

Como se percebe, a comunidade autônoma assumiu as armas da antiga Coroa da qual tomou o próprio nome. Essas armas foram ordenadas por Fernando III o Santo quando uniu definitivamente os reinos de Castela e de Leão em 1230 e são tidas como o primeiro caso de esquarteladura na história da heráldica. Pessoalmente, brasono-as assim: esquartelado, o primeiro e quarto de vermelho com um castelo de ouro, lavrado de negro, aberto e iluminado de azul; o segundo de prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho, coroado de ouro; coroa real antiga.

Brasão de Castela e Leão: esquartelado, o primeiro e quarto de vermelho com um castelo de ouro, lavrado de negro, aberto e iluminado de azul; o segundo de prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho, coroado de ouro; coroa real antiga.
Brasão de Castela e Leão: esquartelado, o primeiro e quarto de vermelho com um castelo de ouro, lavrado de negro, aberto e iluminado de azul; o segundo de prata com um leão de púrpura, armado e lampassado de vermelho, coroado de ouro; coroa real antiga (desenho usado pelo governo autônomo).

A Junta de Castilla y León, o governo autônomo, adotou a identidade visual atual em 2003. No manual, consta uma retrospectiva sucinta do percurso trilhado até esse momento:

Habida cuenta que se autorizaba el uso de este escudo o blasón por la Administración de la Comunidad, se mantuvo el mismo hasta el año 1986, combinando el escudo o emblema con la leyenda "Junta de Castilla y León" en tipografía "Helvética bold". Con ocasión del cambio de Gobierno, se estimó oportuno dotar a la Junta de Castilla y León de un identificador propio y, si bien no se alteraron las características del emblema, sí lo fueron las de la tipografía, que pasó a ser "Garamond", tipografía que alternó su incorporación en el logotipo e identificador con el tipo "Pepita" para acciones de carácter puramente publicitario Es en este período cuando se asigna a las Consejerías que integraban entonces el gobierno regional, un color corporativo, que se utiliza en función de la normativa emanada del primer Manual de Identidad Corporativa con que cuenta la Junta.
En 1992 aparece una revisión de la imagen corporativa. El emblema o escudo se estiliza, desaparecen ciertas normas sobre la utilización de espacios de color para las Consejerías y se vincula el nuevo símbolo-escudo a una tipografía más acorde con la referencia gráfica que supone la concepción que se hace del escudo: se incorpora la tipografía "Eras Medium" para el logotipo.
La ausencia de una normativa clara en torno al uso de símbolos provoca la dispersión de la imagen institucional, ya que existe, desde entonces, convivencia de una iconografía dispar. Esta situación se pretende evitar con el Decreto 119/2003, publicado en el Boletín Oficial de Castilla y León el 22 de octubre de 2003, por el que se aprueba la Identidad Corporativa de la Junta de Castilla y León y se regula su uso. (2)

O brasão estilizado é denominado "adaptación del escudo para uso exclusivo de la Junta de Castilla y León" ("adaptação do brasão para uso exclusivo da Junta de Castilla y León") nesse mesmo manual e figura como segue:

Brasão de Castela e Leão integrado à identidade visual do governo autônomo (imagem disponível no manual de identidade governamental).
Brasão de Castela e Leão integrado à identidade visual do governo autônomo.

Diferentemente do "brasão corporativo" do governo basco, que conserva todos os constituintes das armas, essa "adaptação" vai além, já que elimina os qualificadores lavrado de negro e aberto e iluminado de azul do castelo e armado e lampassado de vermelho e coroado de ouro do leão. Assim, onde acaba o brasão e começa a marca? Com efeito, o manual de identidade visual do governo britânico, que abordei na postagem de 05/08, distingue não só um logotipo principal (master logo) e outro secundário (secondary logo), mas um terceiro: o logotipo de grande formato (large format logo). A distinção está nas divisas da Ordem da Jarreteira (Honi soit qui mal y pense) e da monarca (Dieu et mon droit): suprimem-se no logotipo principal e mantêm-se naquele de grande formato. A razão é, precisamente, o tamanho, pois esse formato grande deve ter, no mínimo, vinte milímetros ou cinco píxeis de largura.

Marca da Junta de Castilla y León.
Marca da Junta de Castilla y León.

Ademais, como as armas reais de Castela e de Leão estão entre as mais antigas de toda a heráldica, apresentam a singularidade de demonstrar que pormenores como as portas e frestas dos edifícios e a língua e as unhas dos animais só se tornaram sistemáticos na Idade Moderna. De fato, as formas primitivas dessas armas são de vermelho com um castelo de ouro e de prata com um leão de púrpura. Noutras palavras, é irônico que a "logotipação" tenha dado um desenho que praticamente reproduz o ordenamento original. Para além da estética contemporânea, há uma motivação comum com os usos heráldicos medievais: a um emblema que se podia insculpir num suporte diminuto como um selo não convinha ter tantos detalhes, como também não convém à sua impressão no cabeçalho de um ofício.

Por todo o razoado, creio que seja possível sustentar argumentos tanto favoráveis como contrários à definição do desenho usado pela Junta de Castilla y León como uma reprodução aceitável das armas comunitárias. Se se admitir que a frequência das reproduções em tamanhos pequenos torna a omissão de elementos minúsculos razoável, sim. Mas se o critério for a obediência estrita ao brasonamento, a falta desses elementos impõe o juízo de que já não se trata do brasão, mas de uma marca. Pessoalmente, o meu gosto por perspectivas diacrônicas leva-me a condescender com o primeiro argumento.

Notas:
(1) "O brasão de Castela e Leão é um escudo timbrado por coroa real aberta, esquartelado em cruz ou contraesquartelado. O primeiro e quatro quartéis: em campo de vermelho, um castelo de ouro ameado de três ameias, lavrado de negro e iluminado de azul. O segundo e terceiro quartéis: em campo de prata, um leão rampante de púrpura, linguado, unhado e armado de vermelho, coroado de ouro." (tradução minha)
(2) "Tendo em conta que se autorizava o uso desse escudo ou brasão pela Administração da Comunidade, este foi mantido até o ano 1986, combinando o brasão ou emblema com a legenda 'Junta de Castilla y León' em tipografia 'Helvética bold'. Por ocasião da mudança de Governo, julgou-se oportuno dotar a Junta de Castilla y León de um identificador próprio e, embora não se tenham alterado as características do emblema, alteraram-se, sim, as da tipografia, que passou a ser 'Garamond', tipografia que alternou a sua incorporação no logotipo e identificador com o tipo 'Pepita' para ações de caráter puramente publicitário. É nesse período que se atribui às Secretarias que então integravam o governo regional uma cor corporativa, utilizada em virtude da normativa que emana do primeiro Manual de Identidade Corporativa com que a Junta conta. Em 1992 aparece uma revisão da imagem corporativa. O emblema ou brasão é estilizado, desaparecem certas normas sobre a utilização de espaços de cor para as Consejerías e ao novo símbolo-escudo é vinculada uma tipografia mais afim à referência gráfica suposta pela concepção que se faz do brasão: incorpora-se a tipografia 'Eras Medium' para o logotipo. A ausência de uma normativa clara em torno do uso de símbolos provoca a dispersão da imagem institucional, já que existe, desde então, convivência de uma iconografia díspar. Pretende-se evitar essa situação com o Decreto 119/2003, publicado no Boletín Oficial de Castilla y León em 22 de outubro de 2003, pelo qual é aprovada a Identidade Corporativa da Junta de Castilla y León e é regulado o seu uso." (tradução minha)

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