Quando não só se simplifica o estilo, mas também se altera notavelmente o ordenamento, ultrapassa-se o limite da heráldica.
O poeta romano Horácio (65-8 a.C.), nas Satiræ (1, 1, 106), diz que "est modus in rebus, sunt certi denique fines, quos ultra citraque nequit consistere recte" ("há uma medida nas coisas, afinal existem limites definidos, além e aquém dos quais não se pode ficar bem"). Ainda explorando a armaria espanhola, a identidade visual do governo galego parece exemplificar o caso de uma "logotipação" de brasão que ultrapassa os limites do que fica bem.
A Galiza fez parte do reino asturiano desde a primeira expansão deste, já em meados do século VIII. Em 910, Ordonho II recebeu de seu pai, Afonso III, o título de rei da Galiza e reinou como vassalo de Garcia I de Leão, seu irmão, até 914, quando lhe sucedeu. Desde então, a Galiza sempre foi um reino integrante de um conjunto maior: primeiro, da monarquia leonesa; depois, da castelhana; enfim, da espanhola. Portanto, os arautos, ao elaborarem os seus armoriais, sempre tiveram de lidar com a questão de que havia um rei da Galiza, mas esse rei era o mesmo de Castela e Leão, o qual trazia as armas desses dois reinos, esquarteladas. Resolveram-no inventando armas falantes: atribuíram um cálice (calice em francês, paroxítono) à Galiza (Galice nessa língua). E a invenção pegou.
Essas armas foram muito diversamente ordenadas ao longo dos séculos. As versões mais antigas são três cálices de ouro em campo de azul, mas depois se fixou um só e começou a aparecer tampado, à feição de um cibório. Daí foi fácil confundi-lo com uma custódia ou mesmo um sacrário. Como esses objetos guardam a hóstia, esta acabou convertendo-se em constituinte das armas. Enfim, provavelmente por causa do horror vacui, acrescentaram-se cruzetas de forma e número variáveis, inclusive semeando o campo. O ordenamento vigente foi estabelecido pela Lei 5/1984, de 29 de maio, de símbolos da Galiza:
O Escudo de Galicia trae, en campo de azur, un cáliz de ouro sumado dunha hostia de prata, e acompañado de sete cruces recortadas do mesmo metal, tres a cada lado e unha no centro do xefe.
O timbre coroa real, cerrada, que é un círculo de ouro, engastado de pedras preciosas, composto de oito floróns de follas de acanto, visibles cinco, interpoladas de pérolas e das súas follas saen cadansúas diademas sumadas de pérolas, que converxen nun mundo de azur, co semimeridiano e o ecuador de ouro, sumado de cruz de ouro. A coroa, forrada de gules, ou vermello.
O manual de identidade visual da Xunta de Galicia, o governo autônomo, dispõe que:
O escudo é un dos elementos de identidade (xunto coa bandeira e o himno), descritos na Lei 5/1984 de 29 de maio.
Grazas a esta protección, o escudo é o elemento mínimo que identifica á Xunta de Galicia en calquera situación, tamaño, posición, soporte ou plataforma. Este elemento debe ser un estándar aplicable de arriba a abaixo, na arquitectura de marcas, de forma coherente e consistente cun obxectivo único e claro: garantir o maior recoñecemento da Xunta de Galicia.
Apesar disso, o "escudo" a que o texto refere é isto:
Emblema da Xunta de Galicia. |
É difícil admitir que seja uma reprodução aceitável das armas galegas. Com efeito, nada impede o uso de uma só cor, nem o estilo "logotipado" do desenho, nem a forma retangular do campo. A dificuldade insuperável é o deslocamento da coroa para dentro deste.
Marca da Xunta de Galicia. |
À falta de argumento que sustente o contrário, é forçoso concluir que neste caso já não se trata do brasão, mas de uma marca baseada nele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário