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11/12/22

BICENTENÁRIO DA ORDEM DO CRUZEIRO: O SIGNIFICADO

A criação da Imperial Ordem do Cruzeiro visava a unir a nova nação na forma de uma monarquia constitucional.

Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, na sua História da Independência do Brasil, diz que a criação da Ordem do Cruzeiro deu lugar a "odiosas comparações", causando descontentamento. Como isso pareça inevitável, dado que a vaidade tenta o homem a julgar o prêmio menor que o seu mérito, o próprio autor assente que não havia "nada de mais belo do que a invenção e criação da mencionada Ordem do Cruzeiro em uma recente monarquia no hemisfério austral".

Assim, levando em conta a província que o galardoado representava, à qual se vinculava ou onde servia no momento das nomeações que saíram no 1.º de dezembro de 1822, obtêm-se os resultados seguintes: Ceará, três; Rio Grande do Norte, dois (1); Pernambuco, sete (2); Alagoas, três; Bahia, dezessete; Espírito Santo, dois; Rio de Janeiro, 29; São Paulo, vinte; Santa Catarina, um (3); Rio Grande do Sul, seis; Cisplatina, seis; Minas Gerais, quinze (4); Goiás, dois, e Mato Grosso, três.

É perfeitamente compreensível a ausência de Sergipe, pois embora Dom João VI tivesse separado a capitania desse nome em 1820, até então anexa à Bahia, a sua autonomia ficou suspensa desde março de 1821, quando uma tropa despachada de Salvador depôs o governador, até dezembro de 1822, quando Dom Pedro I reconheceu que constituía uma província do Império. Estranha, isso sim, que não haja nenhum nome da Paraíba, uma das províncias setentrionais que primeiro elegeram os seus deputados à Assembleia Constituinte e a única da região que esteve representada no Conselho dos Procuradores-Gerais.

Dom Pedro II na abertura do parlamento, pintura de Pedro Américo (1872), conservada no Museu Imperial (imagem disponível no repositório institucional). A pompa imperial abrange o colar da Ordem da Rosa sobre a murça e a banda da Ordem do Cruzeiro sobre o traje. Essa mesma banda trazem a imperatriz, a princesa imperial, o conde d'Eu e o marquês de Tamandaré, que se veem na tribuna; abaixo, o visconde do Rio Branco e o visconde de Abaeté trazem a fita de dignitário da ordem.
Dom Pedro II na abertura do parlamento, pintura de Pedro Américo (1872), conservada no Museu Imperial (imagem disponível no repositório institucional). A pompa imperial abrange o colar da Ordem da Rosa sobre a murça e a banda da Ordem do Cruzeiro sobre o traje. Essa mesma banda trazem a imperatriz, a princesa imperial, o conde d'Eu e o marquês de Tamandaré, que se veem na tribuna; abaixo, o visconde do Rio Branco e o visconde de Abaeté trazem a fita de dignitário da ordem.

Não obstante, que em novembro de 1822 no Rio de Janeiro não se soubesse de ninguém que defendesse a "causa do Brasil" no Piauí, Maranhão e Pará demonstra o quão alheias essas províncias estavam ao movimento da Independência. Com efeito, os seus deputados às Cortes extraordinárias assinaram e/ou juraram a Constituição e logo depois tomaram assento nas Cortes ordinárias. Trocando em miúdos, já corria o ano de 1823 e nos antigos estados do Maranhão e Grão-Pará ainda se sustentava o projeto do Reino Unido. Daí que o Piauí tenha aderido à Independência somente em março, após a Batalha do Jenipapo; o Maranhão e o Pará, em julho e agosto, após emissários imperiais ameaçarem as juntas provinciais de hostilidades por mar e terra. (5)

Dom Pedro II em traje civil, fotografia de Joaquim José Insley Pacheco (1879), conservada no Museu Imperial (imagem disponível no repositório institucional). A insígnia da Ordem do Tosão de Ouro estava presa à lapela da casaca e a da Ordem do Cruzeiro pendia da casa do botão.
Dom Pedro II em traje civil, fotografia de Joaquim José Insley Pacheco (1879), conservada no Museu Imperial (imagem disponível no repositório institucional). A insígnia da Ordem do Tosão de Ouro estava presa à lapela da casaca e a da Ordem do Cruzeiro pendia logo abaixo.

Apesar destas ponderações, penso que o sentido originário da Ordem do Cruzeiro fosse unir a nova nação na forma de uma monarquia constitucional. Daí a evidente generosidade de galardões para com os chefes políticos e os comandantes militares da Bahia e da Cisplatina, províncias que tinham aderido à Independência, exceto as suas capitais, que estavam ocupadas por forças leais às Cortes. Daí também a condecoração de tantos militares que serviam no Rio e vinham apoiando Dom Pedro desde o começo da sua regência, apoio imprescindível para a sustentação do Império. Até mesmo a preponderância do Rio, de São Paulo e de Minas reflete a concentração dos acontecimentos que levaram à separação do Brasil nessas províncias. Ainda assim, Filipe Néri Ferreira e Antônio Francisco Carneiro Monteiro tinham participado da Revolução Pernambucana e o Padre Manuel Rodrigues da Costa fora inconfidente em Minas, quase um aceno simpático a esses movimentos separatistas, duramente reprimidos sob os reinados do pai e da avó do imperador.

Armas Nacionais no timbre da Lei Áurea. Note-se que os ramos de cafeeiro e tabaco estão atados pela fita da Imperial Ordem do Cruzeiro (imagem disponível no Arquivo Nacional).
Armas nacionais no timbre da Lei Áurea. Os ramos de cafeeiro e tabaco estão atados pela fita da Imperial Ordem do Cruzeiro (imagem disponível no Arquivo Nacional).

Com efeito, mais de um aspecto dão a entender que se criou a Ordem do Cruzeiro para suplantar a Ordem de Cristo como a principal. É verdade que até a cor azul-celeste da insígnia, além da comemoração da coroação, remetem à Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, que Dom João VI criou por ocasião da sua aclamação, em 1818, como coloquei na postagem de 07/12. Mas alguns fatos respaldam aquele entendimento.

Armas do Império do Brasil no frontispício do Palácio Imperial de Petrópolis (hoje Museu Imperial). Note-se que os ramos de cafeeiro e tabaco estão atados pela fita da Imperial Ordem do Cruzeiro (imagem disponível no projeto A Casa Senhorial).
Armas do Império do Brasil no frontispício do Palácio Imperial de Petrópolis (hoje Museu Imperial). Os ramos de cafeeiro e tabaco estão atados pela fita da Imperial Ordem do Cruzeiro (imagem disponível no projeto A Casa Senhorial).

Primeiro, o próprio estatuto estabeleceu que as insígnias da Ordem do Cruzeiro deviam ser usadas como se praticava na Ordem de Cristo (art. 9.º) e equiparou ambas nos privilégios, foros e isenções que não contrariassem a Constituição (art. 11) (6). Depois, no traje majestático de Dom Pedro II, o qual, diferentemente daquele de Dom Pedro I, não cobria tanto o corpo (vide a postagem de 03/12), as insígnias que o monarca trazia eram o colar da Ordem da Rosa e a banda da Ordem do Cruzeiro, mas mesmo quando vestia traje civil, Dom Pedro II ostentava a placa dessa ordem. E o que é muito significativo: quando se tratava de reproduzir a moda de acrescentar insígnias de ordens honoríficas ao brasão, era a fita da Ordem do Cruzeiro que atava os ramos de cafeeiro e tabaco nas armas nacionais.

Enfim, o próprio nome e a própria figura da Ordem do Cruzeiro dizem muito. Ora, o Decreto de 18 de setembro de 1822 declara que a cruz da Ordem de Cristo nas armas do Brasil visava a "rememorar o primeiro nome que lhe fora imposto no seu feliz descobrimento", portanto uma figura falante, assim como as dezenove estrelas, representativas das províncias, as quais, dispostas em cruz latina, formavam a figura da Ordem do Cruzeiro, cujo nome aludia "à posição geográfica desta vasta e rica região da América austral que forma o Império do Brasil, onde se acha a grande constelação do Cruzeiro, e igualmente em memória do nome, que teve sempre este Império desde o seu descobrimento, de Terra de Santa Cruz".

Notas:
(1) Tomás Xavier Garcia de Almeida era do Rio Grande do Norte e em seguida representou a província na Assembleia Constituinte, mas à data da nomeação à ordem era juiz de fora do Recife.
(2) José Gabriel de Morais Mayer era de Pernambuco, mas à data da nomeação à ordem estava na força expedicionária dessa província para libertar a Bahia.
(3) Joaquim Xavier Curado era procurador-geral de Santa Catarina e governador das armas da Corte.
(4) João Evangelista de Faria Lobato era de Minas Gerais e em seguida representou a província na Assembleia Constituinte, mas à data da nomeação à ordem era desembargador da Relação de Pernambuco.
(5) Além disso, a insurreição conhecida como Vilafrancada restaurou o absolutismo em Portugal desde maio, frustrando grandemente os liberais do Maranhão e Pará. De todo modo, nem em São Luís nem em Belém havia tropas que fizessem frente a um ataque das forças armadas do Império.
(6) Como notei na dita postagem de 07/12, a Constituição de 1824 desconhecia privilégios, foros e isenções (art. 179, XV, XVI, XVII).

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